Agora só se fala da nova Copa do Mundo de Clubes, a mais recente invenção da Federação Internacional de Futebol (Fifa). E, como era de se esperar, o torneio nasce marcado pelos exageros típicos da ganância que reina neste momento da humanidade.

Os placares, por exemplo, já começaram a chamar atenção, com coisas como 10 a zero, piores até do que os resultados sem noção das últimas rodadas do semestre. A diferença é que, desta vez, a gritaria vem de todos os lados.

O calendário do futebol profissional, que já é insano, vai ficando ainda mais absurdo com esse novo Frankenstein da Fifa. Por aqui, temos acompanhado a movimentação de quem não está engolindo essa ideia.

Os primeiros a se manifestar foram alguns jogadores dos principais clubes da Europa, seguidos por Carlo Ancelotti, técnico multicampeão pelo Real Madrid e agora treinador da Seleção Brasileira.

Ancelotti foi direto: disse que vai dar férias no meio da temporada, porque é humanamente impossível cumprir este novo calendário. E ele fala com propriedade. O Real Madrid, afinal de contas, está cheio de jogadores convocados para suas respectivas seleções.

Na sequência, o presidente da La ­Liga, Javier Tebas, declarou apoio à ideia de mudanças urgentes. Aproveitando o contexto do novo Mundial de Clubes, mandou na lata: “Esse campeonato estica ainda mais um calendário que já está completamente inchado”.

A pressão de fato aumentou. O sindicato europeu dos jogadores, a FIFPro, já sinalizou que pode acionar o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS). Até a Premier League inglesa entrou na onda, criticando oficialmente os rumos tomados pela Fifa. A Associação Mundial das Ligas também se posicionou contra essa fórmula enfiada “goela abaixo”, que promete crescer ainda mais no ano que vem.

Chama atenção também o critério para a escolha dos 36 times para disputar o torneio. Tiveram vaga garantida os campeões da Libertadores, da Liga dos Campeões da Ásia, da África, da Oceania e da Concacaf. Além disso, entraram clubes escolhidos por ranking das confederações. Ou seja, trata-se de uma mistura meio aleatória e muito contestada.

Mas não para por aí. A Copa do Mundo de seleções, que deverá contar com 48 países em 2026, também entrou na mira dos críticos. Para as entidades que representam os jogadores, esse modelo fere diretamente a saúde e o bem-estar dos atletas, que são os mais afetados por esse descontrole.

Na semana que vem, o Congresso da Fifa reúne-se para debater outras mudanças. Enquanto isso, os jogos iniciais do novo Mundial indicaram o que vem pela frente. O Bayern de Munique, por exemplo, meteu 10 a zero num adversário que mal sabia onde estava jogando, o Auckland City, da Nova Zelândia.

E a gente volta à velha discussão: quando o esporte vira a única atividade profissional desde a infância, ele passa a ser quase insalubre. O velho João Saldanha já falava disso. Do ponto de vista da saúde, o esporte de alto rendimento, como é conduzido hoje, seria até contraindicado. A fronteira entre o ideal olímpico – mens sana in corpore sano – e o futebol profissional já foi totalmente apagada.

E não só no futebol. A Olimpíada, que chegou a ser o espaço dos amadores, virou festa do marketing e dos superatletas. Vale lembrar que a carreira de um atleta profissional é curta. E, por isso, a maioria enfrenta dificuldades enormes depois da aposentadoria. O funil é estreito e a transição para a vida fora dos campos continua sendo mal assistida.

No meio de tudo isso, surgem também as histórias curiosas, como a de Di María, craque argentino que, perto dos 40 anos, voltou ao Benfica e enfrentou recentemente o Boca Juniors num jogo cheio de faltas duras e muita catimba. “A gente sabe como é”, comentou ele, rindo da velha rivalidade entre argentinos. Na mesma partida, ele bateu um pênalti com a categoria de sempre. E o capitão do Benfica, também argentino, aproveitou um gol de cabeça para provocar o Boca, rival histórico de seu país.

Enquanto a Fifa estica a corda, outras frentes de batalha se formam. No Brasil, aguarda-se a votação, no Congresso Nacional, da queda do veto a trechos da nova Lei Geral do Esporte que afetam diretamente as Associações de Garantia ao Atleta Profissional (AGAPs).

Essas instituições ajudam quem está começando e também os atletas que pararam de jogar, oferecendo bolsas de estudo, medicamentos, apoio na transição de carreira e outras formas de suporte. E, o mais importante, elas não usam dinheiro público.

O futebol segue crescendo demais, mas será que está crescendo para o lado certo? •

Publicado na edição n° 1367 de CartaCapital, em 25 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Torneio Frankenstein’

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Last Update: 18/06/2025