100 anos de Malcolm X

Por Tomás Amaral*

Neste 19 de maio de 2025, completa-se o centenário de nascimento de Malcolm X, um dos pensadores políticos mais influentes da história dos Estados Unidos e ícone da luta antirracista. Trazemos neste artigo um resumo de sua biografia e de seu legado teórico.

A infância

Malcolm Little nasceu na cidade de Omaha, no estado de Nebraska, centro dos Estados Unidos, e foi o quarto filho dos cinco que seus pais tiveram juntos. Sua mãe, Louise Helen Norton Little, era caribenha, nascida na ilha de Granada, e se engajou no ativismo antirracista junto a seu marido.

E seu pai, Earl Little, era carpinteiro e ativista político, seguidor da ideologia de Marcus Garvey, que questionava as estruturas racistas e pregava a volta dos afro-americanos para a África como meio de se livrarem da opressão.

O ativismo de seu pai o pôs na mira da Ku Klux Klan e ele começou a receber ameaças por cartas e nas ruas, levando a família a mudar-se, primeiro, para o estado de Wisconsin e, depois, para Michigan, na fronteira com o Canadá.

Em 1931, quando Malcolm tinha 6 anos, seu pai apareceu morto em um trilho de bonde. Ele vinha sofrendo ameaças de grupos de supremacistas brancos e, numa noite, saiu para ir a uma reunião e não voltou.

Seu corpo tinha marcas de agressões. Tudo indica que o espancaram e o colocaram inconsciente nos trilhos para o trem passar por cima. O inquérito da polícia concluiu que ele estava bêbado, caiu sobre os trilhos e foi atropelado.

Alguns anos após a morte do marido, Louise teve um surto, em decorrência de um colapso nervoso, e foi internada em um hospital psiquiátrico. Malcolm e seus irmãos foram encaminhados para diferentes lares adotivos.

Os desvios da juventude

Aos 15 anos, Malcolm e mais dois de seus irmãos mudaram-se para Boston, para morar com sua meia-irmã, mais velha. Ele começou a trabalhar como engraxate e conheceu a boemia, trabalhando nos grandes salões onde aconteciam os shows das orquestras de jazz da época.

Malcolm se inteirou e se envolveu nas pequenas malandragens que circundavam o universo da música. Ele relata que os engraxates costumavam tirar um dinheiro extra vendendo baseados para os músicos. Ele conheceu vários músicos famosos, entre eles os icônicos Duke Ellington e Count Basie.

Ele ficou dois anos em Boston e começou a trabalhar como uma espécie de garçom em uma companhia de trem que atravessa o país. Então, mudou-se para Nova York.

Na cidade que nunca dorme, começou a frequentar os grandes salões onde praticava-se a frenética dança a dois, lindy hop. Segundo seu relato, ele e uma parceira de dança se destacavam na modalidade.

Ele começa a trabalhar com um jogo de aposta em números, semelhante ao “jogo do bicho” no Brasil, e praticava o pequeno varejo de entorpecentes.

Em suas memórias, relata que, a essa altura, em meados dos anos 1940, começou a se render ao consumo excessivo de álcool e drogas. Com mais três pessoas, entre as quais uma mulher branca com a qual se relacionava, começou a praticar assaltos a mão armada e roubos a residências.

Malcolm é preso e condenado a cumprir 10 anos em regime fechado.

O renascimento na prisão

Na prisão, Malcolm se desintoxicou, começou a trabalhar e ler todo tipo de literatura na biblioteca da instituição: filosofia, história, biografias.

Um dia recebeu uma carta de seu irmão, dizendo que ele havia se convertido para a Nação do Islam, uma organização religiosa e política de afro-americanos convertido ao islamismo. Seu irmão lhe envia um livro com os ensinamentos de Elijah Muhammed, líder daquela seita religiosa.

À medida que ele foi lendo os ensinamentos de Elijah Muhammed, que misturavam uma interpretação própria do Alcorão com questionamentos antirracistas, ele foi arrebatado por um processo de reflexão e revelação sobre a sua própria vida e a situação dos negros nos Estados Unidos. Ele, então, se converte ao islamismo.

Malcolm tem sua pena reduzida por bom comportamento e é solto, em 1952, após cumprir 8 anos.

O despontamento de seu ativismo

Ele se instala no Harlem, em Nova York, e começa a frequentar uma mesquita da Nação Islam.

Rapidamente, progride na organização, ganha a confiança do líder Elijah Muhammed e torna-se ministro de uma mesquita no Harlem.

Ele adota, então, o nome Malcolm X, explicando que o “X” é um símbolo de rejeição ao sobrenome de batismo que ele carregava e que foi dado por brancos escravagistas a seus antepassados.

Um fundamento central no pensamento de Malcolm X é o autoconhecimento negro. Ele pregava para as audiências negras que a primeira coisa que os colonizadores e escravocratas brancos fizeram com os negros na América foi apagar sua história, para que eles não se lembrem quem são, de onde vêm, quais as suas raízes e identidade. Portanto, o primeiro passo para a libertação do indivíduo negro é o resgate de sua história.

Malcolm X inquiria às plateias negras em seus comícios: “Quem te ensinou a odiar a cor da sua pele? Quem te ensinou a odiar a textura do seu cabelo? Quem te ensinou a odiar a forma do seu nariz?”

Um de seus bordões de grande impacto era quando dizia que os negros deviam se organizar para combater as estruturas racistas por “todos os meios necessários”, o que deixava implícita a ideia de que este embate poderia se dar até mesmo pela luta armada.

Ele começa a se destacar como orador com uma alta capacidade de expor temas complexos com clareza didática, retórica entusiasmante e autocontrole. Apesar de estar em uma organização religiosa, ele começa a se destacar como um líder e orador da causa antirracista, atraindo a inveja de outros ministros da organização.

Martin Luther King e Malcolm X; foto tirada em 26 de março de 1964. Foto: Wikimedia Commons

Malcolm X criticava a abordagem do movimento dos Direitos Civis, de Martin Luther King Jr. e outras lideranças, que depositavam esperança e confiança nos políticos brancos do Partido Democrata.

Ele dizia que os democratas do norte eram ainda mais perigosos que os conservadores do sul. Em suas palavras, os racistas do sul eram como lobos que rosnavam para os negros, enquanto os do norte eram como raposas que mostravam os dentes, os negros achavam que estavam sorrindo para eles, mas estavam na realidade tramando contra eles de forma traiçoeira.

De uma maneira premonitória, esta imagem se encaixa perfeitamente às diferenças atuais dos dois partidos estadunidenses: o Democrata, de Joe Biden, que sorri mostrando os dentes como uma raposa, e o Republicano, de Donald Trump, que rosna como um lobo; ambos imperialistas.

No final de 1963, Elijah Muhammed proíbe seus ministros de comentarem o assassinato do presidente John F. Kennedy, para evitar polêmicas, e Malcolm descumpre a ordem respondendo a um repórter sobre o assunto.

Ele sutilmente desdenha da comoção pela morte de Kennedy, dando a entender que para ele tratava-se apenas de um acerto de contas dentro de uma estrutura branca, na qual nenhum de seus representantes contemplava os interesses do povo preto.

A polêmica é difundida pela mídia e Elijah Muhammed aplica uma suspenção a ele, por ter descumprido sua ordem, que o proibia de ministrar cultos, comícios e falar com a imprensa.

Paralelamente, Malcolm havia feito uma descoberta decepcionante. Elijah Muhammed, antes considerado por ele como um profeta iluminado de caráter ilibado, possuía várias amantes, mantinha relações sexuais com suas secretárias e havia engravidado um jovem de 16 anos dentro da organização.

A punição foi o início de um distanciamento que levou à ruptura. Malcolm foi posto em uma “geladeira” e começou a sentir o abandono e a perseguição dentro da própria organização, com a conivência de seu líder.

Malcolm X antes de uma coletiva de imprensa em 1964. Foto: Wikimedia Commons

Ruptura e reformulação teórica

Em 1964, Malcolm X anuncia o seu rompimento com a Nação do Islam. Ele faz uma viagem ao Oriente Médio, onde realiza a peregrinação à Meca, entrando em contato com outras vertentes do islamismo.

Ele descobre, então, que Elijah Muhammed tinha lhe apresentado uma versão falsificada do Islam.

Entre os ensinamentos da Nação do Islam, Malcolm relata que havia uma teoria de que o homem branco era maligno por natureza, devido a uma mutação genética.

Ele zomba da própria crença que chegou a nutrir, mas pondera que para ele, naquele contexto de apartheid, leis segregacionistas que, além de nos Estados Unidos, só existiam na África do Sul, e estupros, espancamentos e assassinatos por supremacistas brancos, além de sua própria história familiar, a teoria parecia fazer sentido.

Malcolm X diz que vivenciou pela primeira vez na vida, em sua viagem ao Oriente Médio, uma fraternidade plena e verdadeira entre pessoas pretas e brancas.

Experiência que lhe mostrou que as causas do racismo não estavam na natureza das pessoas brancas, mas na estrutura construída pelos brancos colonizadores.

Enquanto estava na Nação do Islam, ele defendia uma separação de negros e brancos na sociedade estadunidense como a única forma de resolver o racismo, e quando retorna da viagem ao Oriente Médio, ele diz publicamente que reformulou a sua abordagem teórica e diz ser contra qualquer forma de discriminação racial, e que estava disposto a trabalhar com quaisquer indivíduos, inclusive brancos, que estejam realmente interessados em combater o racismo.

Malcolm X numa entrevista à imprensa em 1964. Foto: Herman Hiller/World Telegram/Biblioteca do Congresso dos EUA/Wikimedia Commons

Anti-imperialismo

Ainda em 1963, antes de romper com a Nação do Islam, Malcolm X foi visitar no Hotel Theresa, no Harlem, o líder da revolução cubana, Fidel Castro.

Fidel e uma pequena delegação participariam de uma assembleia na ONU, em Nova York. O governo de John F. Kennedy negou as estadias oficiais da ONU para a delegação cubana e nenhum hotel em Manhattan queria aceitá-los.

Os cubanos estavam sem onde dormir, até que a notícia se espalhou e um empresário negro, dono de um pequeno hotel no Harlem, ofereceu estadia gratuita à delegação cubana.

Fidel aceitou o convite e aproveitou a oportunidade para discursar em um auditório para uma plateia lotada de ativistas negros no Harlem.

Malcolm X foi recebido no quarto do hotel pelo chefe de estado cubano, onde travaram uma conversa particular por mais de uma hora.

Depois, perguntado pela imprensa sobre Fidel, Malcolm X disse: “Se o Tio Sam está contra ele, é sinal de que ele está do lado certo da história”.

Um ano depois, em 1964, o representante da delegação cubana na Assembleia da ONU era Che Guevara.

Fidel tinha ficado em Cuba. Malcolm X mandou um convite ao Che para que ele discursasse aos negros no Harlem, mas Che agradeceu e declinou, por avaliar ser muito arriscado o seu trânsito pelas ruas de Nova York.

Para contextualizar o clima na ocasião, quando Che e sua delegação chegaram nas dependências da ONU, vindos do aeroporto, uma ameaça de bomba paralisou as atividades no prédio.

Malcolm X estendeu a sua viagem ao Oriente Médio ao norte da África e entrou em contato com intelectuais, ativistas e lideranças políticas de diversos países.

Quando voltou para o Estados Unidos, ele incorporou em seus discursos a defesa da luta anti-imperialista na África. Começou a falar do Egito de Nasser, dos movimentos que lutavam por libertação nacional e a denunciar o imperialismo estadunidense e europeu.

O pensamento de Malcolm X amadureceu em 1964, distanciando-se de vez de qualquer premissa religiosa, embora ele continuasse sendo um praticante da fé islâmica, e o converteu em uma das mais potentes vozes anti-imperialistas do momento, nos Estados Unidos.

Malcolm X se aproximava, também, gradualmente, do socialismo. Ele pregava que não era possível combater o racismo sem combater o capitalismo. E dizia que os regimes socialistas obtinham melhores resultados de justiça social.

Infelizmente, o ápice de seu pensamento político durou apenas pouco mais de um ano. Ele foi assassinado no dia 21 de fevereiro de 1965.

O assassinato

No ano de 1964, ele sofreu um atentado com um coquetel molotov atirado em sua janela, seguido por uma saraivada de tiros. Ele próprio alertou que, se acontecesse algo de ruim a ele, seria de responsabilidade das lideranças da Nação do Islam e seus capangas.

No entanto, investigações feitas posteriormente encontraram muitos indícios que apontam para o envolvimento do CIA, do FBI e da polícia de Nova York em seu assassinato. O caso, até hoje, não foi totalmente resolvido.

A cena do crime, no Audubon Ballroom: os círculos no fundo do palco, onde Malcolm X foi assassinado em 1965, assinalam os buracos de balas. Foto: Stanley Wolfson/New York World/Wikimedia Commons

O legado

Os questionamentos de Malcolm X revolucionaram a maneira de como os negros dos Estados Unidos se enxergavam. A partir deles, uma onda de transformações ideológicas, estéticas e comportamentais eclodiu.

Na final dos anos sessenta, cabelos alisados deram origem a uma propagação de cabelos afro. Ternos e vestidos longos começaram a dar lugar a túnicas africanas e turbantes.

Na música, surgiram novos gêneros – como o funk de James Brown, Sly And The Family Stone e outros; e o jazz de vanguarda –, em decorrência da busca por uma estética e uma ancestralidade africana inspirada nesses questionamentos.

Em 1967, surge em Oakland, na Califórnia, uma organização política negra de base, inspirada no marxismo-leninismo e nas ideias de Malcolm X.

Trata-se do Partido dos Panteras Negras, cujos ativistas realizavam ações comunitárias, como creches autogeridas para que as mães negras pudessem deixar suas crianças e ir trabalhar, refeições gratuitas às crianças das comunidades negras e atividades de conscientização comunitária antirracistas, como palestras e panfletagens.

Sua viúva, a também ativista, Betty Shabazz, e suas cinco filhas fundaram um centro de memória no Harlem, em sua homenagem, e trabalham difundindo suas ideias e atuando em prol da causa antirracista.

O legado de Malcolm X continua vivo inspirando a luta contra aquilo que ele sempre combateu: o racismo, o capitalismo e o imperialismo.

A história é cíclica e, apesar dos revezes impostos pelo imperialismo, os povos reencontram a sua luta por libertação. Hoje, por exemplo, as lutas dos países do Sahel, como Mali, Níger e Burkina Faso, retomam a conjuntura anti-imperialista na África que entusiasmou Malcom X em vida.

Malcolm X se tornou um dos mais importantes mensageiros da luta antirracista dos negros norte-americanos, com uma abordagem anticapitalista, internacionalista e antissegregacionista.

O seu legado teórico é uma chave para resgatar o sentido histórico desta luta, contrapondo-se às abordagens distorcidas que o capitalismo faz ao se tentar se apropriar das bandeiras de lutas populares.

*Tomás Amaral é formado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Atua como documentarista e analista geopolítico.

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Last Update: 19/05/2025