No texto O impeachment como moeda de extorsão, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro “Kakay”, apoiador do governo Lula, sai em defesa de um dos golpes mais sinistros dados contra os direitos democráticos do povo brasileiro nos últimos anos: a decisão monocrática de Gilmar Mendes de proibir a população de pedir o seu próprio impeachment.
Após uma série de relatos pessoais insignificantes, Kakay afirma que vinha refletindo sobre “uma hipótese melíflua da extrema direita de tomar o poder via um golpe vulgar”. Isto é, que os elementos mais ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria se preparando para dar um golpe de Estado.
Chama a atenção a expressão “golpe vulgar”. O que seria um “golpe não vulgar”? Imagina-se que um golpe preparado com sofisticação, suave. Um golpe que só pode ser dado por aqueles que têm um controle maior do regime político — e, portanto, é mais perigoso. Um “golpe vulgar” é, por definição, um golpe mais fraco, mais instável.
Se os bolsonaristas são os homens do “golpe vulgar”, quem seriam, então, os homens do “golpe não vulgar”? Ora, aqueles responsáveis pelo golpe de 2016 — golpe este que foi apoiado explicitamente pela grande imprensa e avalizado pelo Departamento de Estado norte-americano. Golpe dado, como bem dito pelo então senador Romero Jucá (MDB), “com Supremo, com tudo”.
Deste ponto de vista, um eventual golpe da extrema direita, ainda que seja reacionário, é um problema muito menor para a população brasileira do que um golpe do conjunto da burguesia, um golpe da rede Globo, do Supremo Tribunal Federal (STF), da Polícia Federal (PF) etc.
O advogado, então, emite sua opinião sobre a decisão de Gilmar Mendes:
“A decisão do ministro Gilmar Mendes tem uma dimensão histórica e, é claro, uma segurança constitucional óbvia.”
É uma piada. Trata-se do exato oposto. A Constituição diz, logo em sua abertura: “todo poder emana do povo”. O ministro, no entanto, a reescreve, dizendo: “todo poder emana de Gilmar Mendes”. Afinal, por que um cidadão deveria ter o direito de pedir a demissão de um juiz? Porque um conjunto de 81 senadores eleitos por dezenas de milhões de brasileiros deveria ter o poder de demitir um juiz?
O advogado deveria, de forma geral, desempenhar o papel oposto ao do juiz. O advogado representa o indivíduo, o cidadão. O juiz, ainda que devesse ser um servo da Lei, representa o Estado. Neste sentido, o que se esperaria de Kakay, ainda mais sendo ele alguém que se identifica com a esquerda, é que se opusesse à tirania de juízes como Gilmar Mendes.
Mas não. O advogado, por pura conveniência política (a perseguição do STF aos bolsonaristas), está defendendo aqueles que exercem uma verdadeira ditadura contra toda a população.
Em sua tentativa ridícula de puxar o saco dos ministros, Kakay afirma:
“É claro que não é natural que existam 81 pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. É uma tentativa mafiosa de intimidação. Perigosa à manutenção do Estado Democrático de Direito.”
São 11 ministros no STF. 81 pedidos é menos que nove pedidos por ministro. Já Jair Bolsonaro (PL), na época em que era presidente, foi alvo de mais de 140 pedidos de impeachment. Na época, ninguém questionava esses pedidos — e com razão. O próprio Partido dos Trabalhadores (PT), com o qual Kakay simpatiza, defendia o impeachment de Bolsonaro.
Kakay segue:
“Parece evidente que o que se pretende é criminalizar a interpretação de uma decisão judicial. Ou seja, criminalizar a hermenêutica jurídica. O fim do direito.”
O argumento é absurdo. O povo não tem o poder de “criminalizar” nada. Dar a qualquer um o direito de contestar a conduta de uma autoridade não é tornar nenhuma conduta um “crime”. Trata-se do exato oposto.
Quem tem poder de “criminalizar” — isto é, inventa leis para reprimir adversários políticos com base em critérios absurdos — é o Judiciário. E é justamente por isso que ele deve ter o maior número possível de freios.