
Em meio à ofensiva da polícia contra o rapper Oruam, filho do líder do Comando Vermelho Marcinho VP, e MC Poze por apologia ao tráfico de drogas, o apoio de alguns políticos progressistas veio rápido — principalmente da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que ofereceu ajuda ao jovem em publicação no X.
Erika sugeriu que Oruam se conecte com lideranças comunitárias como Katiúscia Ribeiro, do movimento antirracista, ou com grupos como a Entidade Maré e o movimento de mães de vítimas de violência. “É fazer revolução com o pé no chão”, ela lhe disse.
Uma das maiores lideranças da esquerda no Brasil, Erika tenta transformar Oruam em um líder político. Ela faz questão de se posicionar publicamente ao lado dele, aconselhando-o sobre como se “organizar politicamente”. A ideia era resgatar alguém que, apesar do currículo, poderia “representar” uma luta mais ampla. A declaração, porém, gerou um furor negativo entre setores da esquerda e da direita.
Oruam tem ligação com o tráfico de drogas, ameaçou de morte uma vereadora, tem uma tatuagem com o rosto do tio, o assassino Elias Maluco, que matou o repórter Tim Lopes com uma espada de samurai — enquanto ele ainda estava vivo — e defendeu um amigo preso por agredir a namorada de 16 anos.
Alguns usuários nas redes sociais foram implacáveis com a postura da deputada. Um tuiteiro escreveu: “Simplesmente patética essa tentativa de querer transformar um herdeiro do tráfico, que tem tatuado o rosto do tio, Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes (homem negro, diga de passagem), em agenda política”. Outro comentário diz: “O que a esquerda brasileira se tornou? O tanto que vão usar esse tweet para conseguir votos para a direita. O cara é homofóbico, defende a soltura de um assassino e fez apologia ao estupro”.

Há frentes em que a esquerda poderia encontrar unidade: a reforma tributária, por exemplo, que poderia ser apresentada como uma defesa concreta dos mais pobres. O projeto atual prevê isenção da cesta básica e cashback para famílias de baixa renda, mas o debate foi engolido por disputas menores e acabou esvaziado. O mesmo vale para causas ambientais, como a defesa da Amazônia, ou o direito ao aborto, que enfrenta ameaças reais, como o projeto que equipara aborto após 22 semanas a homicídio.
A ADPF das Favelas, ação judicial que questiona a política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, é outro exemplo: um avanço no Supremo, mas que não ganhou as ruas nem se tornou pauta unificadora. A disputa interna, o medo de perder protagonismo ou de sair da zona de conforto, sabota chances de mobilização duradoura. “A esquerda burra combate pessoas com potencial porque todo mundo quer um pedaço pra si”, afirmou Erika Hilton.
Em seu livro “A asquerda não é woke”, a filósofa norte-americana Susan Neiman, marxista, afirma que o problema desse movimento é que ele mistura sentimentos legítimos de solidariedade com uma filosofia que, embora pareça de esquerda, carrega consigo premissas muito próximas à direita.
A confusão central, segundo Neiman, é que o woke foca na “diversidade” como valor supremo, quando, na verdade, a verdadeira esquerda deveria ser baseada no universalismo. Ao priorizar o tribalismo presente na identidade de vários grupos diferentes, o movimento perde a capacidade de unir a sociedade em torno de uma agenda mais ampla.
Como ela coloca, “ser uma vítima não é, por si só, uma fonte de autoridade”.
A extrema-direita opera como uma máquina. Junta religiosos, militares, empreendedores, jovens conservadores, ruralistas todos sob um mesmo guarda-chuva, por mais contraditório que ele seja.
A esquerda precisa repensar a sua estratégia e se reconectar com os valores universais da justiça social, sem cair nas armadilhas do identitarismo que fragmenta a luta.