Na quarta-feira 4, a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública fez uma “nomeação popular”, simbólica, dos comitês participativos da empresa. O ato, realizado na Universidade de Brasília, serviu como uma crítica à demora em nomear oficialmente os integrantes dos colegiados. O processo eleitoral aconteceu entre 21 e 28 de novembro do ano passado e o resultado oficial saiu em 11 de dezembro. Os integrantes dos comitês atribuem a demora à falta de vontade política. A EBC está sem representantes da sociedade civil desde 2016, quando o Conselho Curador foi extinto por Michel Temer e a lei que previa a participação social, modificada. Durante o governo de Jair Bolsonaro, a emissora foi incluída na lista de privatizações. Após o anúncio da “posse” na UNB, a diretoria da empresa decidiu nomear parte dos eleitos de um dos comitês no dia 11. O outro, segundo a empresa, depende da escolha do presidente Lula a partir de uma lista tríplice.

Para restabelecer a presença da sociedade civil na EBC, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República criou um grupo de trabalho para buscar uma solução ao problema criado por Temer. O grupo sugeriu a criação de novos comitês, mesmo sem o poder deliberativo do antigo Conselho Curador, em vez de tentar aprovar uma lei retificadora no Congresso. Dessa forma, em 2023 foram criados dois colegiados: o Comitê Editorial e de Programação, o Comep, e o Comitê de Participação Social, Diversidade e Inclusão, o Cpadi. A eleição dos integrantes foi realizada por meio do sistema de votação online FalaBR, aberto a todos os brasileiros.

A jornalista da EBC Akemi Nitahara acredita que a demora da nomeação se dá essencialmente por escolha política. “Depois da divulgação do resultado da eleição, tínhamos a expectativa de sermos nomea­dos em seguida, mas isso simplesmente não aconteceu”. A saída do ex-ministro Paulo Pimenta da Secom e a chegada do atual, Sidônio Palmeira, pode ser compreendida como um dos fatores, “mas não justifica essa demora toda”, avalia. Integrante do antigo Conselho Curador, Nitahara descreve os comitês como ferramentas fundamentais para o fortalecimento da comunicação pública. “A diretoria da empresa não tem condições de estar conectada aos interesses do público, muitas vezes a programação fica encastelada porque falta essa participação social.”

Os 11 integrantes do Comitê Editorial de Programação são escolhidos por meio de uma lista tríplice, uma para cada cadeira, e a decisão cabe ao presidente da República. Já o Comitê de Inclusão, Diversidade e Participação é formado por 26 nomes, dentre eles os empossados no Comep. Em nota, a EBC disse considerar “a participação social essencial para a comunicação pública” e informou que “o Cpadi tem instalação agendada para a próxima semana. O Comep aguarda a escolha dos membros indicados na lista tríplice”. “Só foi anunciado depois de muita pressão, e ainda assim o comitê ficará pela metade, porque os integrantes do Comep não foram escolhidos, não está claro como as coisas vão funcionar”, lamenta Nitahara, um dos nomes da lista tríplice como representante dos funcionários da emissora.

As nomeações estão paradas desde o fim do ano passado

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Samira Castro, alerta que, ao não nomear os comitês, a EBC “descumpre os preceitos da sua própria constituição”. “Como uma empresa pública de comunicação, é necessário ter essa interface com a sociedade civil organizada.” Além disso, sem participação social, a empresa pode esbarrar na confusão entre público e estatal, acredita. A comunicação governamental tem o papel de “dar voz ao que acontece no governo”, ao passo que a comunicação pública “deve ir além, e priorizar o que diz respeito ao cotidiano da população”, diferencia. Segundo a sindicalista, os comitês ­atuam para manter clara essa separação. “A comunicação pública não é de um governo, mas da sociedade.”

Para a coordenadora-executiva do Intervozes, Ramênia Vieira, a ausência dos comitês aumenta o risco de redução da diversidade da programação. “O grupo de gestores nem sempre representa a totalidade da sociedade brasileira, aí entram os comitês, por serem mais representativos.” De acordo com ela, cabe aos integrantes dos colegiados observar e alertar quando a diversidade, de todos os tipos, principalmente a regional, estiver sub-representada. “Os comitês podem indicar se a tevê está muito sudestina, se falta explorar aspectos do Norte, do Nordeste, do Sul ou do Centro-Oeste.” A falta de representatividade regional torna o conteú­do pobre e, consequentemente, menos interessante ao público, avalia.

A jornalista e professora do Programa de Pós-Graduação e Educação da PUC Campinas, Juliana Doretto, alerta que a comunicação pública não pode ficar à mercê das mudanças dos ventos políticos. Há expectativa, diz, de que, durante o governo Lula, os comitês se consolidem a ponto de evitar novos desmontes no futuro. “Durante este governo, que é progressista, temos de aproveitar a chance e fortalecer os mecanismos importantes para a comunicação pública”. Os dois colegiados, acrescenta, têm potencial para “estabelecer políticas de comunicação bem estruturadas, capazes de sobreviver às eventuais mudanças de governo no futuro”. A luta em defesa da comunicação pública “pode parecer algo pequeno”, mas integra um projeto maior de fortalecimento da própria democracia.

Isaías Dias, representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, explica que o coletivo trabalhou ativamente nos últimos meses para cobrar a instalação dos comitês. “Entendemos que houve a troca de secretário, e logo que Sidônio assumiu, tentamos conversar para explicar a importância da nomeação o quanto antes.” Diante da impossibilidade da audiência, o grupo enviou uma carta à Secom. Com a instalação parcial do Cpadi, Dias acredita ser possível ampliar a pressão para a nomeação dos representantes indicados nas listas tríplices. “Teremos mais força para cobrar a nomeação por parte do presidente Lula.” •

Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital, em 11 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tevê (quase) pública’

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Last Update: 05/06/2025