A última edição do Prêmio Sílvio Romero de Monografias de Folclore e Cultura Popular laureou a tese de doutorado A vida social do pandeiro no Rio de Janeiro (1900–1939), de Eduardo Marcel Vidili, defendida na UniRio.

O trabalho destaca que o pandeiro é um dos instrumentos mais emblemáticos da música brasileira, mas sua trajetória no país é repleta de paradoxos. Embora seja amplamente associado à cultura afro-brasileira — por sua presença no samba, no samba de roda, na capoeira e em outras manifestações populares —, ele chegou ao Brasil no século XVI pelas mãos dos jesuítas.

No entanto, foram os negros escravizados que o abrasileiraram. Diferentemente da maioria dos lugares do mundo, onde o pandeiro é tocado na posição vertical, no Brasil ele passou a ser executado na posição horizontal, especialmente no samba carioca.

Do instrumento marginalizado ao símbolo nacional

Vidili explica que a difusão do pandeiro na música popular se deve a uma série de fatores:

“A capacidade de síntese de funções musicais operadas em uma superfície espacialmente condensada, a portabilidade e a relativa simplicidade da construção do instrumento dão boas pistas para explicar por que ele se tornou tão presente nas mais diversas manifestações musicais do Brasil.”

Além de versátil, o pandeiro tem ampla gama de timbres e frequências, o que o torna adaptável a diferentes estilos musicais. Mas sua popularização não foi um processo simples.

No início do século XX, o instrumento enfrentou repressão, assim como o próprio samba. A tese aponta que, na antiga capital federal, havia uma “suspeição generalizada” contra negros e pobres, os principais praticantes do pandeiro e do samba. O preconceito levou à rejeição sistemática dessas expressões culturais.

“As práticas culturais associadas às populações negras eram alvo de campanhas depreciativas, vistas como uma herança indesejada de um passado que o país pretendia apagar, além de um entrave à sua inserção na modernidade”, ressalta Vidili.

Embora os tocadores de pandeiro já estivessem presentes nos ranchos e cordões carnavalescos, passavam despercebidos. Foi apenas com o surgimento e a consolidação das escolas de samba nos anos 1930 que o instrumento e seus músicos começaram a receber reconhecimento positivo da imprensa.

Os primeiros registros fonográficos do pandeiro datam justamente da década de 1930. Como parte de sua pesquisa, Vidili formou um “grupo de escuta”, reunindo seis músicos especialistas no instrumento para analisar e discutir essas gravações pioneiras.

No rádio — o principal meio de comunicação da época —, as emissoras contavam com grupos musicais chamados “regionais”, que tinham sempre um pandeirista acompanhando instrumentos como bandolim, cavaquinho e violão. Esse formato ajudou a consolidar o pandeiro na indústria musical.

No final da década de 1930, o instrumento já era um símbolo nacional. Prova disso está em duas músicas de grande sucesso daquele período:

• Aquarela do Brasil (Ary Barroso): “É meu Brasil brasileiro / Terra de samba e pandeiro / Brasil!”

• Brasil Pandeiro (Assis Valente): “Brasil, esquentai vossos pandeiros / Iluminai os terreiros / Que nós queremos sambar.”

Entre os grandes pandeiristas da época, João da Baiana se destacou. Apesar da fama, ele se recusava a fazer malabarismos com o instrumento por uma questão de ética e estética. No entanto, foi justamente essa manipulação mais performática do pandeiro que ajudou a consolidá-lo como um ícone nacional e internacional.

A tese de Eduardo Marcel Vidili reafirma o pandeiro como um elemento essencial da identidade musical brasileira, cuja trajetória reflete as contradições e as riquezas da cultura do país.

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Last Update: 04/03/2025