O súbito desaparecimento dos moradores de rua e usuários de drogas da Cracolândia, no centro de São Paulo, chamou a atenção de todos os setores; de militantes de qualquer espectro à imprensa burguesa. O caso ganhou destaque nacional após denúncias de agressões, remoções forçadas e relatos de que pessoas foram levadas para locais desconhecidos, sem qualquer tipo de registro ou acompanhamento social.

Na manhã da última terça-feira (13), a Cracolândia, tradicional epicentro do chamado “fluxo” de usuários de crack, amanheceu completamente vazia — um cenário que surpreendeu moradores, comerciantes e movimentos sociais. Vídeos e testemunhos colhidos pela imprensa, como o g1 e Agência Pública, mostram que, na véspera, agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) foram flagrados agredindo e ameaçando usuários de drogas. Segundo relatos, muitos foram forçados a entrar em viaturas sob ameaças de morte, enquanto outros tiveram pertences confiscados ou destruídos.

O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e a vereadora Luna Zarattini (PT) acionaram o Ministério Público de São Paulo para investigar o paradeiro dessas pessoas. Eles citam um “conjunto sistemático e articulado de denúncias” que indicam a ocorrência de “graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos” e suspeitam de um processo de “higienização social” na região central.

Entre as denúncias, há relatos de que pessoas foram transportadas em vans, muitas vezes de forma forçada ou mediante ofertas questionáveis, para bairros periféricos da capital ou até outros municípios da região metropolitana, como Guarulhos. Movimentos sociais como o Craco Resiste e pesquisadores da USP afirmam que a dispersão dos usuários é resultado direto da violência policial.

“As pessoas continuam usando crack em todos os locais onde existem essas novas concentrações, as pessoas não saíram do fluxo porque quiseram, elas têm sido ameaçadas de morte pela GCM”, afirma Marcel Segalla, integrante do movimento. Ele destaca que a versão oficial de que a prisão de um traficante teria acabado com a Cracolândia é “papo furado” e que a dispersão só agrava o problema, pulverizando pequenos grupos de usuários por diferentes pontos da cidade, como Helvétia, Marechal Deodoro e Minhocão.

Comerciantes da região confirmam o aumento das agressões e a intensificação da repressão nas semanas que antecederam o esvaziamento. Muitos relatam prejuízos, queda no movimento e medo de invasões, enquanto outros, em áreas onde a presença de usuários diminuiu, reconhecem que o problema apenas mudou de endereço. “O problema apenas foi transferido”, afirma um gerente de lanchonete na Avenida Rio Branco.

A Prefeitura de São Paulo e o governo estadual afirmam que as ações são parte de uma estratégia integrada de combate ao tráfico, internação de dependentes e oferta de tratamento, e atribuem o esvaziamento à farsa da prisão de supostos traficantes e a operações em pontos de distribuição de drogas como a Favela do Moinho. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) destacou que “sem a droga presente, você tem uma facilidade maior de convencer as pessoas a irem para tratamento”, apesar de não haver o mínimo interesse por parte do poder público em tratar os usuários de droga.

Já o promotor de justiça Fabio Bechara defende que o rompimento do “ecossistema criminoso” teria gerado um efeito dissuasório. A Corregedoria da GCM, no entanto, abriu investigação e já identificou agentes envolvidos nas agressões, em meio à proibição judicial de que a GCM atue como Polícia Militar na região, inclusive quanto ao uso de bombas de gás e armas letais.

Entidades como a ONG Craco Resiste e parlamentares do PT e PSOL denunciam que a política de dispersão, baseada na repressão, não resolve o problema estrutural e apenas espalha a cena de uso de drogas por outros bairros, dificultando o acesso a políticas públicas de saúde e assistência social. A vereadora Luana Alves (PSOL) classificou a ação como “sequestro”, com relatos de pessoas sendo levadas na madrugada para outros bairros e cidades.

Segundo o presidente nacional do PCO, Rui Costa Pimenta, durante a última Análise de Terça (20), o episódio é sintomático do avanço de um regime de exceção no Brasil, onde a repressão policial e a eliminação de direitos básicos são justificadas em nome da “ordem” e da “segurança”. Ele criticou duramente o papel do Judiciário, especialmente do STF e do ministro Alexandre de Moraes, afirmando que o País vive um processo de criminalização da pobreza e de perseguição política, com julgamentos sumários e ausência de garantias processuais.

Pimenta também destacou que a repressão aos mais vulneráveis, como os moradores de rua e dependentes químicos, é parte de uma política mais ampla de “higienização social” e de restrição das liberdades democráticas, que afeta não apenas a população da Cracolândia, mas toda a sociedade.

O sumiço dos moradores de rua da Cracolândia expõe a face mais dura da crise social e urbana de São Paulo e coloca em xeque a eficácia e a legalidade das políticas públicas adotadas. Enquanto o poder público celebra o esvaziamento do “fluxo”, agrava a exclusão, a violência institucional e a violação de direitos democráticos básicos.

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Last Update: 22/05/2025