Mais países reconhecem a existência de um Estado palestino. Mas o caminho para obter este status passa por convenções e disputas — e raramente é fácil.

Cada vez mais aliados tradicionais de Israel reconhecem a existência de um Estado palestino ou se posicionam para fazê-lo em breve. Os territórios palestinos — Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, estão no centro do conflito entre Israel e Hamas, que corre desde outubro de 2023.

França, Reino Unido, Canadá, Portugal e Malta deverão se somar, na próxima Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a outros 147 países que já reconhecem um Estado palestino. O grupo aumentou em nove países desde o início da guerra na Faixa de Gaza, há quase dois anos.

Se confirmada em setembro, a mudança no quadro geopolítico não necessariamente levará ao fim da guerra nem assegurará o traçado de fronteiras territoriais claras. Mas a decisão é carregada de simbolismo político num momento crítico para a região.

“Esta é uma pré-condição para a paz duradoura na Palestina e no Oriente Médio inteiro”, disseram, em junho, especialistas independentes da ONU. Israel, por sua vez, diz que o reconhecimento do Estado palestino levaria à sua aniquilação e recompensaria o terrorismo.

O Hamas, que governa a Faixa de Gaza, é considerado uma organização terrorista pela União Europeia (UE), Alemanha, Estados Unidos e outros.

O Brasil passou a oficialmente reconhecer um Estado palestino em dezembro 2010, por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então no último mês do seu segundo mandato, conforme as fronteiras de 1967, antes da Guerra dos Seis Dias.

Quem diz, afinal, o que é um Estado?

O reconhecimento de um Estado envolve grande sensibilidade política, possíveis disputas e diferentes critérios para definir um país.

Um dos guias mais simples para a formação de um Estado está descrito na Convenção sobre os Direitos e Deveres dos Estados, conhecida como Convenção de Montevidéu e assinada em 1933.

O texto lista quatro critérios para a constituição de um Estado: fronteiras territoriais definidas, uma população permanente, um governo que represente o povo e a capacidade de celebrar acordos internacionais. Mas não esgota os possíveis cenários na política internacional.

“Infelizmente, o reconhecimento continua sendo a parte mais fraca do direito internacional. Não há tratado nem regulamentação sobre quem é um Estado, quem tem o direito de reconhecer outros Estados e quais entidades são candidatas ao reconhecimento e à condição de Estado”, afirma Gezim Visoka, estudioso de paz e conflitos da Dublin City University, na Irlanda.

Há quem argumente que um Estado existe quando é reconhecido por pessoas suficientes fora do seu próprio território, embora isso não seja citado literalmente nas convenções internacionais.

“O reconhecimento é crucial para que um Estado funcione, exista internacionalmente, participe de acordos internacionais, se beneficie de tratados internacionais, proteção contra anexação, ocupações e outras formas de intervenção arbitrária do exterior”, prossegue Visoka. “Você está em uma posição melhor do que se não fosse reconhecido.”

Como se vira membro da ONU

Hoje 193 países são membros das Nações Unidas. Mas participar da organização não é requisito para um Estado. Países sem o status de membro pleno podem ainda atuar em algumas funções e se juntar a órgãos internacionais.

Os territórios palestinos, por exemplo, são considerados um “Estado Observador Permanente”, enquanto tentam se tornar Estado-membro pleno. O estatuto atual permite acesso à maioria das reuniões e documentação da ONU e a manutenção de missões na sede da ONU. Mas não dá participação em votações ou decisões do Conselho de Segurança, na Assembleia Geral ou nos seis principais comitês da ONU.

Só o Vaticano tem o mesmo status. Outros territórios disputados, como Kosovo e Saara Ocidental, não são membros plenos, apesar de terem relações diplomáticas.

Ataques israelenses vêm destruindo a Cidade de Gaza ao longo do conflito iniciado em 2023 | Omar Ashtawy/APA Images/ZUMA/picture alliance

Para se tornar membro da ONU, entretanto, não basta cumprir os requerimentos da Convenção de Montevidéu ou ser reconhecido como Estado por outros países. O processo exige que um candidato siga vários passos.

Os primeiros deles incluem uma carta ao Secretariado Geral da ONU, uma declaração formal aceitando as obrigações de membro da Carta das Nações Unidas e o apoio do secretário-geral.

Depois, é preciso angariar o apoio de nove dos 15 membros não permanentes e de todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Hoje, estes países são China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos (EUA).

Esta é, historicamente, a barreira mais difícil para os candidatos, mesmo aqueles com amplo reconhecimento internacional.

Quando Montenegro e a Croácia aderiram à ONU, cada um tinha menos de 70 reconhecimentos. Já os territórios palestinos e o Kosovo superam o número e permanecem de fora da organização.

Uma vez superada esta etapa, o candidato precisará obter dois terços dos votos de todos os outros membros da ONU na Assembleia Geral.

Em 2024, 143 dos 193 membros da Assembleia Geral votaram a favor de uma resolução que reconheceria a condição de Estado palestino.

O risco de não ser reconhecido

Alguns Estados reconhecidos há muito tempo resistiram à adesão à ONU. A Suíça, por exemplo, passou 56 anos como observadora permanente antes de finalmente aderir como membro pleno em 2002.

Mas os benefícios de fazer parte da ONU são claros. O status de membro serve de reconhecimento de fato, proporcionando integridade soberana em caso de não reconhecimento por um ou mais Estados e uma base para a igualdade, independentemente de tamanho ou força.

Em contrapartida, os riscos para os Estados não reconhecidos são maiores, incluindo exposição a maus-tratos, isolamento, relações comerciais e econômicas desiguais e perda de território.

As definições acontecem caso a caso. Nem todos os Estados têm políticas de reconhecimento unificadas e, portanto, estão sujeitos a improvisar, ajustar ou mudar suas posições no tema.

O cenário de volatilidade pode levar à violência e à guerra, à medida que os Estados lutam para obter reconhecimento e legitimidade aos olhos de outras nações — como nos casos do Kosovo e do Sudão do Sul, ambos frutos de conflitos.

Publicado originalmente pelo DW em 08/08/2025

Por Matthew Ward Agius

Colaborou Heloísa Traiano.

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Governo Lula,

Last Update: 09/08/2025