Histórias mal contadas que envolvem interesses políticos costumam dar margem a hipóteses que, quando inconvenientes, são apelidadas de “teorias da conspiração”, como se fossem fruto de uma imaginação atormentada por delírios persecutórios. Embora a expressão tente descredibilizar interpretações alternativas à versão oficial dos fatos, sabe-se que conspirações existem aos montes.

O atentado de Juiz de Fora, no qual o então candidato à presidência Jair Bolsonaro levou uma facada de um sujeito identificado como Adélio Bispo, é uma dessas histórias misteriosas. Na ocasião, Rodrigo Morais Fernandes, o delegado regional de combate ao crime organizado em Minas Gerais, levou a cabo a investigação sobre a facada de que foi vítima Bolsonaro, chegando à conclusão de que Adélio agiu sozinho, ou seja, não houve um mandante. Ato contínuo, o homem foi preso e até hoje está incomunicável, proibido de receber visitas ou de dar entrevistas.

O jornalista Joaquim de Carvalho, do Brasil 247, tem acompanhado o caso desde o início e chegou a fazer um documentário no qual sugere que Adélio estivesse a serviço do próprio Bolsonaro, que, afinal, teria ganhado a eleição por causa da comoção em torno do atentado. Na época em que esse documentário foi divulgado, quem se levantou para tecer críticas pesadas a ele não foi Bolsonaro, mas a Folha de S.Paulo, logo secundada por outros veículos da imprensa burguesa. Até o termo “fakeada”, que está no título do material, é evitado no 247, substituído regularmente por “evento de Juiz de Fora”. Recentemente, Joaquim de Carvalho mencionou no 247 que foi perguntado a Adélio, no momento de sua prisão, por que ele fizera aquilo, ao que ele teria respondido: “porque mandaram”. A investigação, no entanto, concluiu que não houve mandante.

Joaquim de Carvalho juntou as informações e quem assista ao documentário sai convencido de que Bolsonaro está por trás do que seria um “autoatentado”. Segundo a imprensa burguesa, essa seria uma teoria da conspiração, que, indigna de qualquer credibilidade, por óbvio, não deveria ser investigada, nem mesmo para ser desmentida. De fato, toda a construção do material pode ter algum viés. Seu ponto de partida parece ser a ideia de que quem lucrou com o episódio foi o próprio Bolsonaro, então eleito, portanto, ele estaria mancomunado com Adélio. Pergunta incômoda, mas necessária: sem a facada, a burguesia teria conseguido eleger Geraldo Alckmin, que chegou às urnas com 4% dos votos?

É preciso lembrar que Michel Temer estava no poder, aonde chegara graças ao “impeachment” de Dilma Rousseff, reconhecidamente um golpe “com STF, com tudo”. Lula, por sua vez, tinha sido preso para não concorrer e deixar o caminho livre para o voto moral na “outra opção”, que era Alckmin, do PSDB. Quem atrapalhou os planos da burguesia foi Bolsonaro, que, de início, era tratado pela imprensa em tom de chacota, mas, conforme foi ganhando popularidade nas ruas e nas redes sociais, passou a ser visto como ameaça eleitoral. Quando recebeu a facada, em setembro, Bolsonaro já era o favorito.

Bolsonaro acaba de conceder uma longa entrevista ao portal UOL, na qual trata de muitos temas, e ele próprio toca no assunto da facada, que o entrevistador tenta desviar. Chama a atenção sua queixa de que a investigação se encerrou sem buscar o mandante. O jornalista argumenta que a investigação transcorreu durante o governo do próprio Bolsonaro, e este responde que “ninguém controla a Polícia Federal”.

Quem defende com unhas e dentes a versão oficial – a de que um maluco agiu por conta própria – é a burguesia. Não é a esquerda pequeno-burguesa, que parece concordar com a tese de autoatentado, nem o próprio Bolsonaro, como parece a quem veja a entrevista do UOL. Bolsonaro acha que a esquerda estaria por trás do atentado, pois Adélio teria sido do PSOL. A esquerda acha que o próprio Bolsonaro está por trás da trama. Enquanto isso, a burguesia defende a versão oficial: ninguém está por trás do atentado.

O delegado do caso, o referido Rodrigo Morais Fernandes, após a conclusão das investigações, já no governo Lula, foi promovido a diretor de inteligência da Polícia Federal e continuou atuando em casos que envolvem Bolsonaro. Foi ele que concluiu o inquérito do “golpe”, que indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas, acusadas de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. Em outubro do ano passado, o delegado foi nomeado adido da Polícia Federal na Embaixada da Polícia Federal em Londres, onde permanecerá por três anos.

Adélio Bispo continua incomunicável, detido no sistema penitenciário federal até, pelo menos, 2038, embora não responda a nenhuma ação penal porque foi considerado inimputável.  Foi absolvido das acusações criminais, mas vinha cumprindo internação por tempo indeterminado. Graças a uma nova medida judicial, ele passa a ter uma previsão de saída: quando completar 60 anos.

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Last Update: 15/05/2025