Dizendo se tratar da “decisão mais difícil de sua vida”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou que vai se licenciar do mandato na Câmara para se dedicar a fazer com que o governo Donald Trump, nos Estados Unidos, interfira no Brasil. 

A intervenção, que o parlamentar julga viável pelos contatos que mantém com a linha de frente do trumpismo, aconteceria sob duas vias: a primeira seria pelo estímulo à aprovação do projeto que pretende anistiar os envolvidos nos ataques golpistas do 8 de Janeiro; já a segunda poderia ser obtida por meio de sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Para o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a ida de Eduardo Bolsonaro aos Estados Unidos – que o parlamentar nomeia de ‘asilo’ – é movimento fundamentalmente político e que deve ter consequências. 

“A motivação política é se unir aos EUA para poder desestabilizar o Poder Judiciário no Brasil. Isso é gravíssimo”, alerta o jurista. “Isso, seguramente, seria caso de uma investigação mais séria, para saber até onde ele está falando a verdade. O asilo é mais político do que jurídico”, sintetiza o advogado.

Kakay não rejeita a ideia de que parlamentares peçam asilo, contanto que o façam de acordo com as condições permitidas em lei. De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os congressistas podem tirar licença nos seguintes casos: para tratamento de saúde, para assumir outro cargo público, para desempenhar missão temporária de caráter diplomático ou cultural, bem como para tratar de interesses particulares, sem remuneração.

Eduardo Bolsonaro optou pela última alternativa citada. Segundo o criminalista, as motivações do filho do ex-presidente para a saída não são abarcadas pela lei brasileira. “Ele é deputado federal, tem um cargo público importante, e, ao dizer que está saindo do Brasil para articular contra a estabilidade democrática do País, ele está cometendo um crime. A questão toda é o fato dele ter fundamentado isso”, explica.

Kakay lembra que o Código Penal brasileiro tem dois trechos específicos que vetam as condutas. O primeiro é o artigo 359-I, que confere pena de reclusão de três a oito anos para o ato de “negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo”. 

Já o segundo é o artigo 359-K, que confere pena de reclusão de três a doze anos para o seguinte crime: “Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional”.

O contexto da licença

Pouco antes de confirmar a sua permanência nos EUA, onde está desde fevereiro, Eduardo Bolsonaro deu a entender que correria o risco de ser preso, caso voltasse ao Brasil. “Se Alexandre de Moraes quer apreender meu passaporte ou mesmo me prender para que eu não possa mais denunciar os seus crimes nos Estados Unidos, então é justamente aqui que eu vou ficar e trabalhar mais do que nunca”, disse o parlamentar, em vídeo.

Na prática, porém, as chances de uma eventual apreensão do passaporte dele (ou mesmo de prisão) eram baixas. O parlamentar, por exemplo, não foi indiciado pela Polícia Federal no inquérito sobre a ‘trama golpista’, nem é alvo de outras investigações de relevo.

A exceção fica por conta de uma ação apresentada pelos deputados petistas Lindbergh Farias (RJ) e Rogério Correia (MG), que pediam que o STF investigasse o parlamentar pela suposta articulação, junto a congressistas dos EUA, contra o STF. Pouco tempo depois do anúncio da permanência em solo norte-americano, o Supremo decidiu encerrar o caso após o procurador-geral Paulo Gonet defender o arquivamento da representação do PT. 

Quem tem uma situação jurídica inversa a do parlamentar é Jair Bolsonaro. Às vésperas do julgamento da denúncia da PGR, cuja expectativa é que seja aceita pelo STF, o ex-presidente tenta, a todo custo, manter-se de pé. Ora crava que será candidato à Presidência da República no ano que vem, ora dá a entender que será um “problema, preso ou morto”. 

Se Bolsonaro será efetivamente preso ou não, é uma questão para o futuro. Por ora, segundo Kakay, o ex-presidente “desistiu da sua defesa técnica”. “Faltando uma semana para definir o recebimento da denúncia pelo Supremo, Bolsonaro passou para o confronto político”. 

O criminalista defende que o tensionamento gerado por Bolsonaro “poderia dar ensejo a um pedido de prisão preventiva”. Não é de hoje que o ex-presidente desafia ordens da Suprema Corte, fazendo ataques diretos a ministros do colegiado. “Houve um desligamento da realidade e uma opção pelo confronto. Existe, cada vez mais, a impressão de que ele vai tentar um asilo em uma embaixada. Nesse caso, bastava um pedido para que ele não pudesse se aproximar de embaixadas, e a Polícia Federal faria um monitoramento”, pondera Kakay.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participou de ato esvaziado em Copacabana. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Nas mãos de Motta

Apesar do anúncio nas redes sociais, Eduardo Bolsonaro ainda não formalizou o seu pedido de licença à Câmara. Segundo a assessoria da Casa, “o deputado está no exercício do mandato e é necessária a efetivação do pedido de licença para análise das garantias das prerrogativas parlamentares”.

O responsável por analisar o pedido é o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que ainda não se manifestou sobre a intenção de Eduardo Bolsonaro de permanecer nos EUA. 

O jornal O Globo, por sua vez, informou que o presidente da Casa não foi pego desprevenido: antes mesmo da publicação do vídeo nas redes sociais, o filho do ex-capitão teria ligado para Motta, avisando o presidente da Casa de que não voltaria ao País.

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Last Update: 19/03/2025