A relação entre Lula (PT) e Nicolás Maduro não é nem de longe tão suave quanto aquela entre o petista e Hugo Chávez, no auge da chamada “onda rosa” na América Latina, durante a primeira década do século XXI. Agora, às vésperas da eleição presidencial na Venezuela, os ruídos ganham força.
Maduro buscará no próximo domingo 28 seu terceiro mandato de seis anos, o que levaria o chavismo a mais de 30 anos no poder. Seu principal oponente é Edmundo González, apoiado pela líder oposicionista María Corina Machado, impedida pela Justiça venezuelana de concorrer.
Há muito tempo Lula defende o respeito ao resultado de uma eleição justa na Venezuela, independentemente do vencedor, mas era cobrado pela oposição e pela imprensa corporativa a ser mais incisivo nas críticas a Maduro.
O atrito ganhou força após Maduro afirmar, durante um ato de campanha na semana passada, que o país pode viver uma “guerra civil” e amargar um “banho de sangue” caso vença a oposição.
“Eu fiquei assustado com a declaração do Maduro”, disse Lula, na última segunda-feira, em entrevista a agências internacionais. “Quem perde as eleições toma um banho de voto. O Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora.”
Entre os observadores enviados pelo governo brasileiro a Caracas estará o assessor presidencial Celso Amorim, ex-chanceler e peça central na formulação da política externa dos governos petistas.
“Eu já falei para o Maduro duas vezes – e o Maduro sabe – que a única chance de a Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo”, completou Lula.
A réplica de Maduro foi indireta, mas não passou despercebida. “Eu não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou que tome um chá de camomila”, disparou o venezuelano na terça-feira. “Na Venezuela vão triunfar a paz, o poder popular, a união cívico-militar-policial perfeita.”
Horas depois, em outro comício, ele colocou em xeque a lisura das urnas eletrônicas brasileiras. Na ocasião, disse que a Venezuela tem “o melhor sistema eleitoral do mundo”, com auditoria em 54% das urnas.
“Em que outra parte do mundo fazem isso? Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é auditável? No Brasil? Não auditam nenhum boletim. Na Colômbia? Não auditam nenhum boletim”, prosseguiu.
Não é verdade. O Tribunal Superior Eleitoral, que enviará técnicos para acompanhar a eleição venezuelana, reforçou nesta quarta-feira que o Boletim de Urna “é um relatório totalmente auditável”.
As auditorias ocorrem antes, durante e depois do processo eleitoral. Uma norma do TSE garante às entidades fiscalizadoras o acesso antecipado aos sistemas eleitorais e o acompanhamento dos trabalhos para especificação e desenvolvimento.
Além disso, os Tribunais Regionais Eleitorais realizam, por amostragem, no dia da votação, duas auditorias de funcionamento das urnas: o Teste de Integridade e o Teste de Autenticidade. Em 2024, a exemplo do que ocorreu em 2022, a Justiça Eleitoral ainda promoverá o Teste de Integridade com Biometria, em locais de votação designados.
Outras divergências
Em março, antes de a oposição venezuelana se aglutinar em torno de Edmundo González, Lula criticou o fato de que Corina Yoris, a preferida de Marína Corina Machado, não conseguiu formalizar sua candidatura à Presidência. “É grave que a candidata não possa ter sido registrada”, disse o petista. “O dado concreto é que não tem explicação. Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato.”
Dias antes, o Ministério das Relações Exteriores havia afirmado acompanhar com “expectativa e preocupação” o processo eleitoral na Venezuela e avaliado que o impedimento à candidatura de Yoris “não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial”.
A resposta venezuelana não tardou e partiu do chanceler Yvan Gil, que publicou uma nota de repúdio ao comunicado do Itamaraty, classificado por ele de “cinzento e intervencionista, redigido por funcionários da chancelaria brasileira, que parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos”.
Naquele momento, o atrito passou a ganhar força e chegou a um novo nível. Até então, Lula media com mais cautela as suas manifestações, como parte de sua tentativa de devolver ao Brasil um status de mediador das tensões sul-americanas.
Um exemplo é a crise entre Venezuela e Guiana. Em um referendo promovido em dezembro de 2023, mais de 95% dos eleitores venezuelanos participantes apoiaram a proposta de criar uma província em Essequibo, uma região rica em petróleo administrada por Georgetown e reivindicada por Caracas.
À época, Lula recebeu um telefonema de Maduro e, segundo o Palácio do Planalto, “transmitiu a crescente preocupação dos países da América do Sul sobre a questão do Essequibo”.
Na conversa, o petista também enfatizou a importância de evitar medidas unilaterais que levassem a uma escalada da situação. Eram termos mais brandos que os adotados neste momento, com a aproximação da eleição venezuelana.
Em fevereiro, Lula viajou à Guiana e se reuniu com o presidente Mohamed Irfaan Ali, com um chamado à paz na região e sem críticas diretas a Maduro. “A nossa integração com a Guiana faz parte da estratégia do Brasil de ajudar, não apenas no desenvolvimento, mas trabalhar intensamente para que a gente mantenha a América do Sul como uma zona de paz no planeta Terra. Nós não precisamos de guerra.”
O resultado do pleito presidencial do próximo domingo e, principalmente, a reação dos candidatos testarão mais uma vez o governo Lula no cenário internacional, seja qual for o desfecho: se Maduro perder, a comunidade internacional cobrará a concretização da transição de poder; se ele vencer, é provável que diversos países questionem a legitimidade do processo eleitoral. De qualquer forma, o governo brasileiro terá uma situação delicada a administrar.