O agravamento das disputas comerciais entre Estados Unidos e China tem impulsionado a demanda chinesa por soja brasileira, apontando para um possível realinhamento nas rotas globais de exportação do grão.
Dados recentes indicam que a China está ampliando suas compras junto ao Brasil, ao mesmo tempo em que sinaliza a substituição de fornecedores norte-americanos em função das tarifas impostas por ambos os países.
Durante coletiva recente, Zhao Chenxin, vice-diretor da Comissão Nacional de Desenvolvimento da China, declarou que grãos como soja e milho provenientes dos Estados Unidos são “altamente substituíveis” e que o mercado internacional possui oferta suficiente para suprir a demanda chinesa.
“Mesmo que não compremos mais grãos para ração e óleo dos Estados Unidos, isso não vai ter qualquer impacto na oferta de grãos do meu país”, afirmou Zhao.
O posicionamento do governo chinês ocorre no contexto de nova rodada de tarifas comerciais. A administração dos Estados Unidos aplicou taxas de até 145% sobre produtos chineses, ao que Pequim respondeu com a imposição de tarifas de até 125% sobre bens americanos, incluindo produtos agrícolas.
A situação remete ao período de 2018, quando medidas similares resultaram na redução das compras chinesas de soja dos EUA e no aumento da participação brasileira nesse mercado.
Atualmente, o Brasil responde por cerca de 57% da produção mundial de soja, enquanto os Estados Unidos concentram 29%. Em termos de valor, o Brasil exporta aproximadamente US$ 36,4 bilhões em soja para a China anualmente, ante US$ 12 bilhões dos Estados Unidos. A mudança no fluxo comercial favorece diretamente o Brasil, principal alternativa de fornecimento diante do cenário de tensão.
A interdependência entre Brasil e China no setor é significativa. Cerca de 75% das exportações brasileiras de soja têm como destino o mercado chinês.
Por outro lado, 70% da soja importada pela China é originária do Brasil. Essa relação é sustentada por fatores estruturais: enquanto a China concentra 17,3% da população mundial e apenas 8,6% da área agrícola global, o Brasil abriga 2,6% da população e detém 4,6% da área cultivável do planeta.
O aumento do consumo de carne na China, impulsionado pela elevação da renda, contribui para a alta demanda por soja, utilizada principalmente na fabricação de ração para suínos e aves. Embora o governo chinês tenha buscado diversificar suas fontes de proteína animal desde 2022, a necessidade por soja importada permanece elevada.
Entre janeiro e março de 2025, a China acelerou suas compras de soja norte-americana como forma de antecipar possíveis sanções.
No entanto, analistas esperam uma redução significativa dessas importações a partir de abril, com a intensificação das restrições tarifárias. O Porto de Ningbo-Zhoushan, próximo a Xangai, projeta a chegada de 40 navios com soja brasileira em abril — crescimento de 48% em relação ao mesmo período de 2024, segundo o China Media Group.
Entre os navios está o Ever Radiance, que partiu do Porto de Santos em 5 de março e atracou na China em 24 de abril.
O aumento do número de embarques coincide com o pico das exportações brasileiras, tradicionalmente concentrado no segundo trimestre. A safra norte-americana, por sua vez, é colhida no segundo semestre, o que amplia a vantagem competitiva brasileira neste momento.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a colheita brasileira de soja na safra 2024/2025 alcançará 168 milhões de toneladas, um crescimento de 14% em relação ao ciclo anterior. Esse volume recorde permite ao Brasil atender à demanda adicional gerada pelo realinhamento comercial entre as duas maiores economias do mundo.
Nos Estados Unidos, dados do Departamento de Agricultura (USDA) apontam para uma redução de 4% na área plantada com soja em 2025, reflexo da expectativa de queda nas exportações para a China.
A mudança no comportamento dos produtores norte-americanos reforça a percepção de que a disputa tarifária deve se manter nos próximos meses, abrindo espaço para que o Brasil aumente sua participação relativa no mercado chinês.
Especialistas consideram que a escolha da China por impor tarifas sobre produtos agrícolas dos EUA possui também motivação política. Segundo Joseph Webster, do Atlantic Council, “eles apostam que visar a soja será um ponto dolorido para a Casa Branca: os agricultores dos EUA são uma importante base política [para Trump]”.
Em 2018, durante o primeiro mandato de Donald Trump, a China também adotou medidas similares, o que levou o Brasil a ocupar cerca de 75% do mercado de soja importada pelos chineses. Naquele período, o preço da soja brasileira subiu até 148%, conforme levantamento da consultoria Cogo Inteligência.
A atual conjuntura repete a dinâmica observada naquele episódio. A combinação entre maior oferta brasileira, calendário de colheita favorável e restrições comerciais impostas aos Estados Unidos contribui para reposicionar o Brasil como principal fornecedor global do grão para o mercado chinês.
Com o agravamento da disputa comercial entre Washington e Pequim, autoridades e analistas do setor agrícola acompanham os desdobramentos com atenção. A continuidade do conflito poderá consolidar o Brasil em uma posição estratégica no comércio internacional de soja, com efeitos diretos sobre a balança comercial e sobre a política agrícola doméstica nos próximos trimestres.