Trump conseguirá fortalecer os Estados Unidos? Conseguirá, ao menos, deter seu declínio relativo? Ou irá acelerar a decadência do Império? Com apenas dois meses de governo, falta evidentemente a famosa perspectiva histórica. Mas questões candentes não esperam. Para elas, vale o ante mortem, não o post mortem.
Feita essa ressalva, antecipo a conclusão do artigo: Trump não só será incapaz de deter o declínio dos EUA, como tende a apressá-lo. Em vez de Make America Great Again (MAGA), deve resultar em Make America Weaker Still (MAWS).
O próprio slogan MAGA revela a trajetória dos EUA: uma perda progressiva de expressão relativa em termos econômicos, populacionais e político. O plano trumpista é restaurar a hegemonia americana no mundo, custe o que custar. Mas isso é mais sonho do que estratégia viável, como tento argumentar.
A herança geopolítica recebida pelo novo governo é altamente problemática. Superestimando seu poder e subestimando o dos rivais, os EUA se lançaram em uma guerra em três frentes. Hostilizar simultaneamente Rússia e China aproximou esses dois gigantes como nunca. A guerra econômica e tecnológica contra a China incomodou, mas não deteve seu avanço. A ofensiva na Ucrânia e as sanções contra a Rússia tampouco surtiram o efeito desejado. Apesar disso — e do apoio maciço do Ocidente à Ucrânia — a Rússia vem levando a melhor no campo de batalha.
Para piorar, os EUA arcam com o peso econômico e moral de apoiar o genocídio praticado por Israel. O poder do lobby judaico transformou o Império americano em instrumento dos interesses israelenses, desmoralizando por completo os valores humanitários que o Ocidente diz defender.
Trump não apenas deixa de resolver os problemas internacionais herdados de Biden, como os agrava
E como Trump pretende lidar com esse cenário? Sua política para Israel é uma versão ainda mais radical da de Biden, com apoio ainda mais enfático aos crimes israelenses. Além disso, sinaliza intenção de agir com mais agressividade contra o Irã, não descartando uma guerra aberta. Em vez de pacificar uma das frentes herdadas, Trump parece disposto a ampliar o conflito no Oriente Médio — o que favorece apenas Israel.
Seus primeiros esforços se concentram em tentar encerrar a guerra na Ucrânia e pacificar as relações com a Rússia. Terá sucesso? É cedo para afirmar. Mas a paz pressupõe reconhecer a vitória russa, que terá suas principais reivindicações atendidas, entre elas o reconhecimento de que algo como 20 a 25% do território ucraniano serão parte permanente da Rússia e a neutralidade da Ucrânia, que será obrigada a abandonar qualquer intenção de integrar a OTAN.
Trump afirma, com razão, que a guerra na Ucrânia não é obra sua. Mas o fato é que a vitória da Rússia representa uma derrota para os EUA e seus aliados. Uma derrota para o Ocidente; uma vitória para a multipolaridade.
Quanto à China, os planos de Trump ainda não estão totalmente claros. Mas é plausível supor que ele pretende redobrar os esforços para conter a ascensão chinesa — objetivo que tem amplo apoio bipartidário nos EUA e que vem sendo perseguida em todas as administrações desde o final do governo Obama. A pacificação com a Rússia teria como objetivo quebrar, ou pelo menos enfraquecer, a aliança entre russos e chineses.
Sinais desses planos anti-China talvez seja a aproximação com Índia e Japão, tradicionais rivais da China. A boa vontade com a Índia, aliás, mina os BRICS, reforçando as resistências de Nova Délhi à desdolarização — tema que desperta, como se sabe, a fúria do novo presidente dos EUA.
Trump poupa Índia e Japão de sua metralhadora giratória, mas não hesita em atacar aliados históricos, como Canadá e países europeus. Faz isso de duas formas: exclui os europeus das negociações com a Rússia e impõe tarifas pesadas sobre suas exportações, atingindo especialmente o Canadá, cuja economia é profundamente integrada à americana.
Esses países parecem ter sido pegos de surpresa pela hostilidade do novo governo. Esperavam dificuldades, mas não tamanho confronto. Talvez “aliados” não seja mais o termo adequado — vassalos ou satélites parece mais apropriado. O Canadá e o Reino Unido, em especial, têm sido leais vassalos dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Que sentido faz atacá-los econômica e politicamente? Difícil entender de que maneira isso colabora para a estratégia de fortalecimento mundial dos EUA.
Repare, leitor, que Trump não apenas deixa de resolver os problemas internacionais herdados de Biden, como os agrava. Abre novas frentes de conflito, intensifica o isolamento dos EUA e enfraquece laços com aliados do Atlântico Norte. No Oriente Médio, radicaliza a política pró-Israel e ameaça o Irã. Contra a China, promete endurecer ainda mais.
Mas conter a ascensão econômica e comercial da China hoje parece tarefa impossível. Sua posição como “fábrica do mundo” foi conquistada à custa da desindustrialização de vários países — inclusive EUA e Brasil. No máximo, os EUA conseguirão desacelerar seu crescimento, ao custo de tarifas retaliatórias e perda de mercados.
O que se quer, fundamentalmente, é deter a perda de expressão econômica dos EUA e refazer a indústria. O objetivo é válido – inclusive porque, no longo prazo, não há segurança nacional e poder militar sem base industrial. As medidas iniciais, contudo, não convencem. A aplicação mais ou menos indiscriminada de tarifas de importação é uma faca de dois gumes. Por um lado, pode reforçar a produção industrial no país e trazer indústrias de volta; pode, também, forçar outros países a abrir mais espaço para as exportações americanas. Por outro lado, gera aumento da inflação para os consumidores e custos mais elevados para setores que usam insumos importados. E provoca tarifas retaliatórias em mercados tradicionais dos EUA.
Com essas inevitável ambiguidade, é pouco provável que as tarifas de importação tenham o impacto salvador com que sonha Trump. Além disso, a deportação em massa de imigrantes e restrições severas à sua entrada nos EUA diminuem a oferta de trabalhadores e solapam a competitividade de empresas mais intensivas em mão-de-obra. Os cortes drásticos de gastos e fechamentos de agências do governo podem desarticular a atuação do Estado americano. Tudo isso tende a agravar o declínio relativo da economia americana — e talvez até acelerá-lo.
Mesmo que a relação com a Rússia melhore, é improvável que isso abale os laços entre Moscou e Pequim. Putin, um estrategista muito superior a Trump, a Biden e a qualquer outro presidente americano recente, tira partido das iniciativas de paz dos EUA. Mas alguém acredita, em sã consciência, que ele irá romper, ou mesmo enfraquecer, as suas relações estratégicas com Xi Jinping? Putin certamente não esqueceu as diversas ocasiões em que a Rússia foi enganada, desde o colapso da União Soviética, por gestos e promessas do Ocidente, sempre liderados pelos EUA. Deve continuar apostando o grosso das suas fichas na aliança com a China.
“Nunca interrompa o inimigo enquanto ele comete um erro”, dizia Napoleão. Os chineses observam cuidadosamente as trapalhadas dos EUA e, com a sua típica paciência estratégica, vem se preparando para a tempestade que se avizinha. Preferem a paz e a continuação da sua ascensão econômica, mas estão se armando, com sucesso até agora, para a confrontação econômica e tecnológica com os EUA. E não descartam nenhum tipo de guerra com os americanos, como disse recentemente um porta-voz do governo chinês.
Em suma, pelo que se pode depreender desses dois primeiros meses de governo, Trump não conseguirá interromper a decadência dos EUA. Ele próprio, arrogante e despreparado, é sintoma dessa decadência. Como nas tragédias gregas, a tentativa de escapar do destino contribui para sua concretização.
Temos MAWS, não MAGA.
(Uma versão condensada deste artigo foi publicada na edição semanal de CartaCapital)