Telma, Paulise e a Economia da Espera
(ou: Tell Me, Please)
por Henrique Morrone
Telma e Paulise são irmãs gêmeas, nascidas e criadas em São Paulo, no conforto típico da classe alta paulistana. Conhecem pouco do Brasil real — aquele que começa onde terminam os relatórios, os gráficos bem-comportados e as colunas assinadas. O contato com o povo sempre foi mediado por planilhas, notas técnicas e cafés filtrados.
Por influência do pai empresário, decidiram cursar economia. Não para compreender as dores do país, nem para pensar caminhos de desenvolvimento, mas para aprender a decifrar oscilações cambiais, antecipar movimentos de mercado e — sobretudo — ganhar. Ganhar bem. Ganhar sempre.
Não surpreendeu ninguém quando ambas se tornaram economistas de banco. Tornaram-se analíticas, seguras, convictas. Economistas de direita, naturalmente. Daquelas que sabem onde está o erro antes mesmo de ouvir a pergunta: no Estado, no déficit, no gasto — e, claro, no povo trabalhador, sempre pouco produtivo aos seus olhos.
Nas rodas de conversa paulistanas, Telma e Paulise exercem um papel pedagógico. Explicam, com serenidade técnica, que o déficit fiscal empurra o país para o abismo — aquele mesmo abismo cinematográfico de Thelma & Louise, suas quase xará. Para evitar a queda, dizem, é preciso apertar. Apertar o orçamento, conter a demanda, elevar os juros. Estancar a sangria.
Afirmam, sem constrangimento, que os juros elevados decorrem da baixa taxa de poupança nacional. E acrescentam, com ar de advertência responsável, que juros altos reduzem o investimento. É a liturgia completa: moral fiscal, causalidade invertida e um toque de preocupação social.
Os críticos heterodoxos — geralmente relegados aos cantos menos iluminados e mais teóricos da capital informal do Sudeste — ousam discordar. Argumentam que a poupança não determina os juros, que estes são uma escolha de política monetária e institucional. Sustentam que juros elevados comprimem a demanda, reduzem margens de lucro e, por essa via, enterram o investimento produtivo, mantendo a economia presa a um estado permanente de espera.
As meninas de SAMPA, que trabalham com a economia “na prática”, sabem que há um equívoco lógico nessa crítica — mas também sabem que ela não é inteiramente falsa. Sabem que o investimento responde, antes de tudo, às expectativas de lucro e à perspectiva de demanda futura. Sabem que o custo do capital pode importar em contextos específicos, mas que, em economias como a brasileira, o efeito mais relevante dos juros elevados é indireto: ele opera comprimindo a atividade, ampliando a relação dívida/PIB e municiando a retórica do corte de gastos públicos.
Sabem também que os juros altos atraem capitais externos, apreciam o câmbio e ajudam a conter pressões inflacionárias — não por virtude econômica, mas por compressão da atividade e do investimento. Essa arquitetura prejudica a indústria, tradicional motor do crescimento, alimenta a desindustrialização e aprofunda a financeirização da economia nacional. O problema, portanto, não está apenas no juro em si, mas na arquitetura macroeconômica que o transforma — justamente por seu efeito sobre o câmbio — em âncora do sistema.
Mas não contestam. Afinal, esse mecanismo está no cerne do conhecimento adquirido nas “melhores universidades de grife do Sudeste” — e certas verdades não se questionam sem custo.
Assim, o país segue esperando. E espera mesmo quando cresce. O paradoxo é conhecido: o PIB reage, mas o investimento produtivo não acompanha, sobretudo na indústria — principal vítima dos juros elevados, do câmbio apreciado e da supremacia financeira. Cresce-se sem acelerar o investimento, sem alterar a estrutura, sem romper a lógica da espera.
É um crescimento que não amadurece: avança em quantidade, mas hesita em densidade. O futuro permanece adiado, ainda que o produto insista em se mover.
E nós, do lado de fora do sistema que decide, seguimos perguntando — com uma paciência cada vez mais curta:
Tell me, please:
até quando os juros, o câmbio e a economia nacional permanecerão presos a essa lógica perversa?
Enquanto isso, Telma e Paulise seguem analisando — e ganhando.
O país, aguardando — e perdendo.
E quando, por acaso, cresce, não se desenvolve.
Envelhecendo sem amadurecer.
Henrique Morrone é professor associado da UFRGS e pesquisador do CNPQ.
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