Tebet diz que China quer “rasgar” o Brasil com ferrovias

A relação entre Brasil e China ganhou um novo capítulo com a proposta de construção de uma ferrovia que conectaria o megaporto de Chancay, no Peru, à malha ferroviária brasileira, atravessando o território nacional até o litoral da Bahia. A iniciativa, revelada pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, reflete o interesse do governo chinês em ampliar sua presença e influência na América do Sul, ao mesmo tempo em que se alinha com a busca do Brasil por investimentos em infraestrutura logística para superar gargalos históricos.

O porto de Chancay, inaugurado em novembro de 2024 com a presença do presidente chinês Xi Jinping, representa o maior investimento da China na América do Sul, orçado em US\$ 1,3 bilhão. Construído pela estatal chinesa Cosco Shipping, o porto promete reduzir em até 10 mil quilômetros a distância marítima das exportações sul-americanas para a Ásia. Essa economia de tempo e custo logístico torna a ligação ferroviária estratégica para ambos os países. Segundo Tebet, o tema foi tratado diretamente na primeira reunião entre Lula e Xi Jinping, já no início do atual mandato presidencial brasileiro.

Em entrevista à revista Carta Capital, Tebet detalhou que, inicialmente, o projeto chinês considerava um traçado que cruzaria a região amazônica brasileira, o que foi imediatamente rejeitado pelo governo brasileiro por conta da necessidade de preservação da floresta e do respeito aos territórios de povos indígenas. Após intensas negociações e estudos técnicos conjuntos, a proposta atual prevê uma rota alternativa mais ao sul, que ingressaria no Brasil pelo estado do Acre, seguiria para Tocantins e alcançaria a Bahia, onde se conectaria à Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). A FIOL, ainda em construção, terá cerca de 1.527 quilômetros, ligando Figueirópolis (TO) ao porto de Ilhéus (BA).

Segundo Tebet, a iniciativa não apenas aceleraria o fluxo de mercadorias entre o Brasil e o mercado asiático, como também teria um efeito transformador no desenvolvimento das regiões mais pobres do país, especialmente no Centro-Oeste e Norte. Ela ressaltou, no entanto, que o projeto exigirá um prazo de maturação e execução considerável, estimado entre cinco e oito anos para ser finalizado. Além disso, reconheceu que não há disponibilidade de recursos públicos suficientes para bancar uma obra dessa magnitude. Assim, a intenção do governo brasileiro é atrair financiamento privado, especialmente da China.

A viagem oficial da ministra para a China, prevista para os próximos dias, integra a comitiva liderada pelo presidente Lula e tem como objetivo aprofundar o diálogo bilateral em torno desse e de outros projetos de cooperação econômica. Para Tebet, a presença da China como parceiro estratégico e investidor direto é fundamental para superar o que ela classifica como uma “dívida histórica” com o país no setor de infraestrutura logística. “Se não tivermos fundos internacionais ou a participação da China, vamos continuar com essa dívida histórica com o nosso país”, afirmou a ministra.

Outro ponto destacado por Tebet foi a importância de articular o projeto dentro da estratégia das Rotas de Integração Sul-Americana. Essas rotas são corredores logísticos planejados para melhorar a conexão terrestre entre os países da América do Sul e permitir o acesso mais rápido a portos do Oceano Pacífico, favorecendo o escoamento de commodities e produtos industrializados para a Ásia. De acordo com a ministra, o Brasil pretende discutir com os chineses a inclusão da ferrovia dentro desse contexto mais amplo de integração continental.

O projeto simboliza a ampliação da parceria estratégica entre Brasil e China em um momento de tensões globais, principalmente entre as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China. A construção da ferrovia atende ao interesse chinês de diversificar rotas comerciais e assegurar maior fluidez ao transporte de matérias-primas essenciais para sua indústria. Para o Brasil, representa uma oportunidade de resolver parte dos gargalos logísticos que encarecem e dificultam a competitividade das exportações agrícolas e minerais, setores nos quais o país é líder mundial.

Apesar da expectativa positiva, especialistas apontam desafios relevantes para a viabilização do projeto, incluindo questões ambientais, licenciamentos, negociações com governos estaduais, definição de modelo de concessão e atração de investidores. Além disso, há a preocupação de que a dependência de capitais chineses possa gerar pressões políticas ou comprometer a autonomia nacional em áreas estratégicas. O governo brasileiro afirma que manterá o controle regulatório e garantirá que a obra respeite as normas socioambientais e de governança estabelecidas pelo país.

A iniciativa se soma a outros projetos em curso que buscam revitalizar a infraestrutura ferroviária brasileira, historicamente negligenciada em favor do transporte rodoviário. O governo Lula tem manifestado em diferentes agendas a intenção de fortalecer essa matriz logística, não apenas para exportações, mas também para integrar de forma mais eficiente os mercados internos do país, contribuindo para a redução do custo Brasil.

Por fim, a ministra Tebet deixou claro que a negociação com os chineses está em fase preliminar e ainda depende de definições técnicas, jurídicas e financeiras. Ainda assim, ela se mostrou otimista com o avanço das conversas e destacou que o projeto poderá inaugurar uma nova etapa na relação comercial e diplomática entre Brasil e China, baseada em investimentos de longo prazo e ganhos mútuos. O encontro de Lula e Xi Jinping em Pequim nos próximos dias deve ser decisivo para dar novos passos nessa direção.

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