Tarifas Americanas: Problema Tão Grave Assim? Deus Nos Livre de Mais Juros

de Luís Antônio W. Bambace e José Luiz M. de Almeida

Introdução

As novas tarifas dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros suscitam debates acalorados sobre seus impactos. Este artigo defende que, se bem administrado, o tarifaço pode se tornar oportunidade para o Brasil fortalecer cadeias produtivas, reduzir a inflação e acelerar a transição energética, sem recorrer a juros altos que travam a economia.

Impactos no Agro: O Caso da Carne, Frango e Milho

Um caso recente de gripe aviária reduziu o preço dos ovos de R$ 16 para R$ 10 em três dias em redes de atacado. O frango também barateou, sem prejuízos severos aos produtores. Em 2024, o Brasil exportou 135,8 milhões de quilos de carne para os EUA, o equivalente a 631 gramas por brasileiro, e apenas 24 gramas por brasileiro em frango – volume irrisório que permite usar o mercado interno como alternativa de escoamento da produção.

Com exportações menores, os preços internos se estabilizam ou caem, reduzindo a inflação de alimentos. O mesmo ocorre no milho, que representa custo relevante na produção de frango e suínos. Caso o Brasil retome políticas de preço mínimo e estoques reguladores, abolidos em 2017, pode proteger os produtores sem afetar consumidores, funcionando como os celeiros do Egito em tempos de escassez (Gn 55-57).

Aviação e a Questão Embraer

Com a Gol em dificuldades e uma possível fusão com a Azul, surge a necessidade de padronizar frotas, substituindo Boeings por aeronaves Embraer. Caso a demanda nos EUA caia, a Embraer pode redirecionar entregas para a Azul sem gerar excedentes, mantendo fluxo de caixa com apoio de financiamento do BNDES e multas contratuais que garantem estabilidade financeira. Acordos tripartites podem aliviar multas da Gol e Azul.

Siderurgia, Aço Verde e Nióbio

Hoje, o Brasil exporta níquel, gusa e nióbio aos EUA, que fabricam inox e revendem à China. O Brasil pode fabricar inox localmente, cortando intermediários e ampliando margens, utilizando o nióbio do qual é líder mundial. Este movimento é estratégico para evitar vulnerabilidades externas.

Transportar minério é muito mais difícil que transportar carvão ou eletricidade. Seja desenvolvendo o sertão nordestino, onde chover é raro e ter gerador solar é mais eficiente, seja com barragens na Amazônia que podem proteger a mata do aumento da duração da estação seca, e não emitir metano com medidas simples, o aço verde é outra oportunidade: o Brasil pode usar energia renovável para gerar hidrogênio, reduzir minério de ferro e produzir aço de baixa emissão, gerando empregos e fortalecendo sua indústria.

Bioenergia com Microalgas

No sertão da Paraíba, uma planta de pesquisa de 55 hectares produz bioenergia via microalgas desde 2005, utilizando água salobra para gerar álcool e querosene de aviação (SAF). Este modelo elimina a dependência de combustíveis refinados importados, reduzindo preços internos e garantindo segurança energética, com expansão viável mediante decisão política e financiamento adequado.

A Taxa de Juros e o Câmbio

Reduzir exportações para os EUA aumenta a oferta interna, pressionando os preços para baixo e ajudando a conter a inflação. Isso elimina a justificativa para manter juros altos (Selic elevada), que freiam a economia e prejudicam a indústria. Um dólar valorizado também cria margem de preços para exportações a outros mercados, como Mercosul, China e Ásia, mantendo receitas mesmo com menor participação dos EUA. O aquecimento da construção civil no Brasil pode absorver grandes volumes de aço, para ferragens de edificações, e de pontes e viadutos se forem feitas mais obras públicas. Na crise de 1929, os Estados Unidos ficaram em má situação geral até 1933, quando abandonaram a política de austeridade e fizeram grandes obras, de modo eficaz, com planejamento estratégico. Aqueceram a economia, sem inflação, usaram toda a capacidade ociosa, e sanearam o deficit público, afinal mesmo gastando o que não tinham, o uso adequado dos recursos gerou mais arrecadação de impostos num prazo relativamente curto.

Possibilidade de Retaliações

Retaliações severas por parte dos EUA são improváveis, pois o Brasil detém insumos estratégicos como o nióbio, vital à indústria aeroespacial americana. Eventuais cortes de suprimentos quebrariam cadeias industriais nos EUA, e não interessam ao governo americano se o Brasil mantiver posição diplomática estável e evitar escaladas tarifárias generalizadas. Ações de curto prazo, com data para acabar nesta linha, em tese não devem gerar ações militares americanas, a relação benefício custo de um ato americano assim é baixa, até porque a ação militar tende a aumentar o período de escassez e o prejuízo total. Gerarão prejuízos altos aos USA se tomadas, bem maiores que os contêineres de pescado que estão parados com risco de estragar nos portos do Brasil. Ações temporárias gerarão perdas lá, e aumento de reclamações do setor produtivo deles, que já reclama de paradas de fábricas gerados pelo vai e vem das tarifas impostas pelo governo deles. Sobe, com medo de não vender suspende a compra, aí não sobe e sem matéria prima a fábrica para. Graúdo faz estoque, tem capital em excesso, miúdo fica em má situação. Riscos eleitorais lá, limitam assim retaliações que gerem efeitos drásticos no equilíbrio de forças internas deles.

A Teoria dos Jogos e a Matriz de Pugh na Prática

Políticas públicas racionais não emergem espontaneamente; devem ser construídas. Ferramentas como Teoria dos Jogos, Teoria de Coalizões e a Matriz de Pugh ajudam a modelar decisões, equilibrar interesses e evitar corrupção.

Na prática, define-se um conjunto de soluções e critérios claros, permitindo que grupos de interesse comparem opções, eliminem alternativas ineficientes e construam um caminho de compromisso, ajustando variáveis como juros, subsídios e tarifas sem prejudicar o setor produtivo. O uso dessas metodologias pode organizar a formulação de políticas tarifárias e macroeconômicas, evitando soluções improvisadas que geram instabilidade. Neste aspecto particular, a Matriz de Pugh, um método iterativo, onde se sobe progressivamente o número de graus de liberdade de análise, e se gera novas soluções e combinações de soluções, vendo o que é melhor ou pior que uma eventual solução de compromisso, é extremamente relevante. É o método de decisão mais imune a manipulações que se tem disponível hoje.

Conclusão

O tarifaço de 50% dos EUA não é um problema intransponível ao Brasil. Pode ser o gatilho para reorganizar setores estratégicos, acelerar a transição energética, reduzir a inflação e fortalecer a indústria nacional sem elevar juros.

Políticas públicas inteligentes, coragem política e planejamento são essenciais para transformar desafios externos em oportunidades de fortalecimento interno. O mercado não se regula sozinho, e a alocação de recursos deve priorizar os mais necessitados para gerar bem-estar coletivo. Mostrar caminhos racionais é essencial para que decisores queiram ou se sintam constrangidos a adotá-los, fortalecendo o Brasil em tempos de mudanças globais.

Luís Antônio W. Bambace – Eng. Mecânico, PhD em Aerodinâmica, Propulsão e Energia.

José Luiz M. de Almeida – Eng. Civil, Especialista em Engenharia de Estruturas Hidráulicas.

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Last Update: 16/07/2025