O novo regime tarifário do governo Donald Trump ameaça ampliar significativamente a pobreza nos Estados Unidos, segundo estudo publicado pelo The Budget Lab, da Universidade de Yale. 

A análise, divulgada nesta terça-feira (9), projeta que até 875 mil pessoas cairão abaixo da linha da pobreza até 2026, caso as tarifas atuais permaneçam em vigor. Desse total, 375 mil são crianças, evidenciando que o impacto recairá com maior força sobre famílias vulneráveis.

Os cálculos foram feitos a partir da Medida Oficial de Pobreza (OPM), indicador que compara a renda familiar a um limite ajustado pela inflação. 

O índice, que estava em 10,4%, subiria para 10,7% no cenário de tarifas mantidas. Já a Medida Suplementar de Pobreza (SPM), que considera também programas sociais e custos adicionais como saúde e moradia, aponta para um aumento de 650 mil pessoas pobres, incluindo 150 mil crianças, com a taxa passando de 12% para 12,2%.

Na prática, as tarifas funcionam como um imposto indireto sobre bens de consumo, encarecendo produtos importados e corroendo o poder de compra. 

Como famílias de baixa renda gastam proporcionalmente mais com alimentação, vestuário e moradia, o peso das tarifas acaba sendo desigual, punindo quem tem menos capacidade de poupança. 

De acordo com a pesquisa, a elevação de preços induzida pelas tarifas afeta não apenas o custo de vida imediato, mas também o cálculo oficial da pobreza, já que o limiar usado pelo governo para definir a linha de pobreza é indexado à inflação. 

O resultado é que mais famílias passam a ter renda insuficiente para superar esse limite, mesmo que nominalmente seus salários não mudem.

Contradição no discurso de defesa da classe trabalhadora

O estudo reforça críticas de que a política comercial de Trump, apresentada como uma forma de proteger empregos e a indústria norte-americana, acaba aprofundando desigualdades sociais. 

Embora o governo projete aumento de receita alfandegária, os custos são repassados diretamente aos consumidores, atingindo em cheio trabalhadores que vivem de salário em salário.

Dados do próprio Departamento do Censo dos EUA mostraram que, no fim de 2024, havia quase 36 milhões de pessoas vivendo na pobreza, com uma taxa de 10,6%. A leve melhora em relação ao ano anterior se deveu ao crescimento dos salários e rendimentos. O tarifaço, porém, inverte a tendência e ameaça ampliar a exclusão social.

Economistas lembram que famílias pobres tendem a consumir mais produtos importados — os mais afetados pelos aumentos tarifários — do que famílias de alta renda. O efeito prático, portanto, é regressivo: enquanto setores privilegiados conseguem absorver ou repassar os custos, os mais pobres veem sua renda real despencar.

O porta-voz da Casa Branca, Taylor Rogers, reagiu ao estudo argumentando que a política econômica do governo “ajudou as famílias da classe trabalhadora a prosperar, reduzindo a desigualdade de renda”. A fala, porém, contrasta diretamente com os dados de Yale, que mostram o contrário: um salto no número de crianças em situação de pobreza, em meio à maior tarifa efetiva média dos EUA desde 1935.

Tarifas mais altas em quase um século e a disputa judicial

Com a adoção do pacote tarifário de 2025, a taxa efetiva média sobre importações nos Estados Unidos alcançou 17,4%, o maior patamar em quase 90 anos. O nível só encontra paralelo no período da Grande Depressão, quando políticas protecionistas agravaram a crise econômica global.

Parte dessas medidas está em litígio judicial. A Suprema Corte dos EUA aceitou avaliar a legalidade das tarifas, depois que tribunais inferiores consideraram abusiva a interpretação da Lei de Poderes Econômicos em Emergências Internacionais (IEEPA) feita pela Casa Branca. Caso a decisão seja confirmada, 71% das tarifas impostas neste ano poderão ser anuladas.

Mesmo diante da possibilidade de derrota na Justiça, aliados de Trump afirmam que o governo dispõe de outras ferramentas legais para manter tarifas em vigor. Esse impasse projeta mais instabilidade para o comércio global e reforça o clima de incerteza dentro da economia norte-americana.

Ao mesmo tempo, empresas vêm absorvendo parte dos custos em suas margens de lucro, o que ajuda a frear o impacto inflacionário no curto prazo. No entanto, analistas alertam que esse fôlego é temporário: a tendência é que os aumentos sejam repassados aos consumidores, provocando alta nos preços ou cortes em contratações e salários.

Consequências globais e implicações para o Brasil

A política tarifária de Trump não se limita ao cenário interno. Além de pressionar famílias pobres nos EUA, ela repercute sobre a economia global, com efeitos diretos para países exportadores como o Brasil. 

Já em setembro, produtores agrícolas brasileiros foram atingidos por tarifas adicionais, e a ameaça de novas barreiras comerciais paira sobre setores estratégicos como o aço e o alumínio.

A leitura do estudo de Yale fortalece a posição crítica de governos e organismos multilaterais que vêm denunciando a irracionalidade do protecionismo. 

Ao empurrar milhões de pessoas para a pobreza em seu próprio território, Trump reforça a percepção de que sua política externa e comercial atende a objetivos eleitorais de curto prazo, mas agrava desequilíbrios sociais e econômicos em escala mundial.

Para o Brasil, a análise oferece um contraponto importante: enquanto Trump aposta em tarifas que corroem o poder de compra da população, o governo Lula tem recorrido à Lei da Reciprocidade para se defender, buscando proteger setores estratégicos sem penalizar trabalhadores. 

Esse contraste evidencia duas visões opostas de política econômica: uma voltada à exclusão e outra à soberania.

No contexto de uma disputa comercial cada vez mais acirrada, a pesquisa de Yale deixa claro que os impactos não se limitam a planilhas ou indicadores macroeconômicos. O tarifaço de Trump já se traduz em mais pobreza, mais desigualdade e mais instabilidade, dentro e fora dos Estados Unidos.

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Last Update: 12/09/2025