O setor produtivo foi pego de surpresa e recebeu mal a decisão do presidente norte-americano Donald Trump em tributar os bens e produtos brasileiros em 50%, a maior taxa cobrada dentre todos os parceiros comerciais do país até o momento.
Trump enviou uma carta para o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e divulgou o documento em sua plataforma Truth Social. Além de alegar que a relação com o Brasil é “injusta”, o norte-americano ligou a tributação à postura do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Veja abaixo a repercussão da decisão norte-americana entre representantes do setor produtivo:
Confederação Nacional da Indústria – CNI
A imposição de 50% de tarifas sobre o produto brasileiro por parte dos Estados Unidos foi recebida com preocupação e surpresa pela CNI, que destaca a prioridade em intensificar a negociação com o governo de Donald Trump para preservar a relação comercial histórica e complementar entre os países.
“Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto. Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano. Uma quebra nessa relação traria muitos prejuízos à nossa economia. Por isso, para o setor produtivo, o mais importante agora é intensificar as negociações e o diálogo para reverter essa decisão”, avalia Ricardo Alban, presidente da CNI.
Ao contrário da afirmação do governo dos Estados Unidos, o país norte-americano mantém superávit com o Brasil há mais de 15 anos. Somente na última década, o superávit norte-americano foi de US$ 91,6 bilhões no comércio de bens. Incluindo o comércio de serviços, o superávit americano atinge US$ 256,9 bilhões.
Ao mesmo tempo, resultados preliminares de consulta realizada pela CNI indicaram que um terço das empresas respondentes que exportam bens e/ou serviços aos EUA tiveram impactos negativos nos seus negócios. O levantamento foi realizado nos meses de junho e julho, ainda no contexto da tarifa básica de 10% e demais medidas comerciais setoriais.
“Sempre defendemos o diálogo como o caminho mais eficaz para resolver divergências e buscar soluções que favoreçam ambos os países. É por meio da cooperação que construiremos uma relação comercial mais equilibrada, complementar e benéfica entre o Brasil e os Estados Unidos” destaca Alban.
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP
O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, afirma que o Brasil é uma nação soberana em que prevalece o estado democrático de direito assentado sobre um sistema de tripartição de poderes independentes (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário).
“Pode parecer desnecessária essa afirmação, mas, quando razões não econômicas são usadas para justificar a quebra de todo o regramento comercial e do direito internacional, é importante reafirmar esses princípios”, destaca Gomes.
“Apesar do impacto negativo para a indústria brasileira da elevação de tarifas unilateralmente pelos EUA, entendemos que a soberania nacional é inegociável. Este é um princípio balizador”.
De acordo com Gomes da Silva, a negociação a partir de fatos e estatísticas verdadeiras “é de interesse comum às empresas brasileiras e americanas”. “É importante lembrar que os EUA têm relevante superávit com o Brasil não só na balança comercial, mas, ainda maior, também na balança de serviços. Desconhecer mais de 200 anos de excelentes relações internacionais e comerciais não atende a nenhum dos dois países”.
ICC Brasil, capítulo nacional da International Chamber of Commerce (ICC)
“Brasil e Estados Unidos mantêm um histórico de mais de 200 anos de relações políticas e econômicas, que se ampliaram ao longo de dois séculos, de forma equilibrada e mutuamente benéfica. As medidas tarifárias anunciadas ontem comprometem o espírito de cooperação e confiança que sempre balizaram as interações entre ambos os países”, diz a associação, em nota oficial.
A entidade lembra que a tarifa de 50% para produtos brasileiros não afeta apenas o nosso país, “mas também os Estados Unidos que detêm importações de diversos setores brasileiros, cuja interrupção poderá gerar impactos relevantes para a própria economia americana”, dentre eles petróleo, agronegócio, celulose e aviação, entre outros.
A ICC Brasil “defende a intensificação urgente de canais diplomáticos e institucionais de alto nível, com foco no pragmatismo e na construção de soluções técnicas e orientadas ao restabelecimento do diálogo e de condições comerciais previsíveis e estáveis”.
Cofecon – Conselho Federal de Economia
Para a presidente da Cofecon, Tania Cristina Teixeira, a tarifação anunciada por Trump não é apenas um ataque comercial, como também abre precedente político.
“Do ponto de vista econômico, uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras tem potencial para atingir diretamente vários setores produtivos nacionais, prejudicando empresas e empregos”, alerta.
Outro ponto destacado foi de que Trump falou em déficits comerciais insustentáveis, o que não encontra respaldo na realidade: segundo dados do próprio governo norte-americano, no comércio com os Estados Unidos, o Brasil teve um déficit de US& 7 bilhões em 2024 em bens – e, se contados bens e serviços, a conta de 2024 chega a um déficit de US$ 28,6 bilhões, o que representa o terceiro maior superávit comercial dos Estados Unidos no mundo. Em 2025, o Brasil teve saldo negativo de US$ 650 bilhões no primeiro trimestre do ano.
“É fundamental que a resposta da sociedade e das instituições brasileiras tenha, ao mesmo tempo, firmeza e serenidade. Precisamos ampliar nossa integração com outros blocos e fortalecer o comércio Sul-Sul. O Cofecon defende uma política econômica soberana, voltada ao desenvolvimento e à justiça social, não submetida a pressões externas e interesses alheios ao nosso projeto de país”, ressalta Tania.
Corecon-SP – Conselho Regional de Economia de São Paulo
Para Odilon Guedes, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), as informações apresentadas pelo líder estadunidense sobre a balança comercial são completamente equivocadas. “Ele (Trump) desconsidera que, na relação comercial entre o Brasil e os EUA, há superávit para o país norte-americano, considerando o volume de exportações e importações entre os dois países”, disse em nota.
Além disso, Guedes ressaltou que a declaração do presidente dos EUA atinge diretamente a soberania nacional. “Soberania não se negocia em hipótese alguma e é essencial preservar a dignidade e autonomia do Brasil ante qualquer tipo de tentativa de intervenção e interferência externa”, ressalta.
Em relação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, sobre o qual Trump alega perseguição política, o presidente do Corecon-SP defendeu a independência dos Poderes no Brasil. Segundo ele, “o processo judicial em questão está sob a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, e não do Poder Executivo. Portanto, a nota do Presidente americano demonstra uma visão totalmente equivocada”.
Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE Florestas)
“O que torna essa decisão ainda mais complicada é o fator surpresa. Não se esperava que isso fosse anunciado agora, principalmente após uma tarifa semelhante já ter sido aplicada desde o dia 1º de abril”, afirmou Fabio Brun, presidente da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE Florestas), que ressalta o “momento inoportuno” para que tal medida fosse tomada.
Segundo ele, tal movimento agrava ainda mais o cenário para a indústria nacional de base florestal, que já vinha lidando com custos elevados e desafios logísticos. A medida afeta diretamente empresas que exportam madeira processada, painéis, papel e celulose para o mercado norte-americano, produtos de alto valor agregado e que têm os Estados Unidos como um dos principais destinos.
Além disso, o argumento de que existe um desequilíbrio na relação comercial com o Brasil não se sustenta. Na visão de Brun, a decisão tem uma motivação mais política do que comercial ou técnica, o que dificulta o diálogo econômico direto.
“A composição para reverter essa situação terá que ser política e diplomática”, avaliou Brun, destacando que existe uma janela de 23 dias para buscar uma solução diplomática que possa evitar ou ao menos suavizar a aplicação da tarifa. “É onde o Brasil vai ter que colocar as fichas agora”, declarou.
CitrusBR – Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos
A imposição da tarifa de 50% atinge diretamente o setor de suco de laranja: na safra 2024/25, encerrada em 30 de junho, os Estados Unidos representaram 41,7% das exportações brasileiras do produto, somando US$ 1,31 bilhão em faturamento, conforme dados da Secex consolidados pela CitrusBR.
Segundo a entidade, a tarifa representa um aumento de 533% sobre os US$ 415 por tonelada que já eram cobrados sobre o suco brasileiro, e também afeta as empresas americanas que possuem o Brasil como principal fornecedor.
Considerando a cotação da Bolsa de Nova Iorque de 9 de julho (US$ 3.600 por tonelada de suco concentrado), cerca de US$ 2.600 — ou 72% do valor total do produto — passariam a ser recolhidos em tributos, o que tornaria as exportações para o país inviáveis, e os mercados europeus e japonês não seriam capazes de absorver essa oferta.
“As consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada, que sustenta milhares de famílias. A CitrusBR entende a sensibilidade política e diplomática dessa medida, mas acredita que a escalada entre governos não é o caminho”, destaca a associação.
“A CitrusBR, em comunicação com o governo brasileiro, reiterou, a necessidade de que o Brasil exerça plenamente sua tradição diplomática, mobilizando todos os recursos do Estado brasileiro para lidar na proteção dos interesses dos seus cidadãos, do emprego e da renda”, ressalta.