
O procurador-geral Paulo Gonet e o ministro Alexandre de Moraes sabem com quem devem duelar nas audiências com as testemunhas dos golpistas. Tarcísio de Freitas está de fora dessa lista.
O governador falou por 10 minutos, nessa sexta-feira, por meio remoto, como testemunha de Bolsonaro, e não foi questionado nem por Gonet nem por Moraes. Só o advogado Celso Vilardi, da defesa de Bolsonaro, fez perguntas irrelevantes.
Porque o melhor para o sistema de Justiça é deixar assim. Tarcísio foi para dizer que não viu, não ouviu e não falou nada sobre o golpe com o chefe do golpe. Não é o tipo de testemunha que possa ajudar em alguma coisa.
O governador é o nome que a velha direita deseja para enfrentar Lula em 2026. A torcida da velha direita por Tarcísio é muito mais entusiasmada do que a do novo fascismo. Por isso as deferências.
Ele é o extremista moderado, que disse ter se reunido com Bolsonaro por cinco vezes, depois da eleição, mas nunca trataram de golpe. Aproveitando o palco do STF, deixou um recado de candidato para a Globo, a Faria Lima, os donos das boiadas e a base no Congresso. Na primeira parte do recado, disse:
“Falamos (nas reuniões) também da montagem do secretariado aqui em São Paulo. E a gente sempre conversava sobre isso basicamente. O presidente sempre esteve comigo no sentido de orientar, preocupado que eu acertasse também, preocupado também em transmitir a experiência dele”.
Na segunda parte, complementar e bem estudada, falou da convivência com Bolsonaro:
“O único comentário (de Bolsonaro) era que lamentava. Foi um período de situações difíceis, crises graves, Brumadinho, Covid, crise hídrica, guerra da Ucrânia e todas elas da melhor forma possível. Terminamos com superávit. A preocupação era que a coisa desandasse, uma preocupação com o futuro do país”.

Tarcísio apresenta-se como gestor, mas inspirado no grande chefe, que deve ser exaltado em nome da fidelidade cobrada pela raiz da extrema direita. Diante de todos os problemas que enfrentavam, da matança de Brumadinho à matança da Covid, eles sempre pensavam em superávit.
A coisa não poderia desandar. Bolsonaro era o presidente que nem vacina comprava e ele era o ministro da Infraestrutura, não era ministro da Fazenda. Mas ambos pensavam no quê? Só em superávit. Que é a obsessão permanente de toda a direita sob as ordens da Faria Lima.
Tarcísio aproveitou o depoimento para dizer que, ao contrário do que o governo faz ao aumentar o IOF, ele sempre pensa em racionalidade e superávit e no futuro do país. Ele e Bolsonaro. Essa é a frase: “Terminamos com superávit”.
O golpe estava sendo armado, desde o início de 2022, e Bolsonaro dormia e acordava pensando em superávit, em oferecer exemplos de sobriedade fiscal ao mercado financeiro. Nem Silas Malafaia deve acreditar. Nem a Folha acreditou.
Essa foi a manchete do jornal em 5 de dezembro de 2022, com a abordagem dos déficits acumulados pelo governo, do desrespeito crônico ao teto de gastos e da gestão caótica do orçamento: “Governo chega ao fim com apagão na máquina pública”.
Só o que faltou no título foi o nome do chefe do governo. Faltou dizer que o governo Bolsonaro chegou ao fim como um desastre total e mais de 700 mil mortos na pandemia. Mas Tarcísio acha que nada desandou e que tudo terminou em superávit.
Gonet e Moraes esperavam ouvir a versão da testemunha qualificada de um golpe e escutaram o relato de um milagre. Tarcísio usou o STF para aplicar um migué e dizer que está na briga para receber a bênção do chefe quase encarcerado.