Nos últimos dias, uma nova polêmica estourou nas redes sociais envolvendo a atriz norte-americana Sydney Sweeney e uma campanha publicitária da marca de roupas American Eagle. A campanha, que supostamente celebraria os 50 anos da marca exaltando a “beleza natural americana”, causou repulsa imediata, trata-se de uma expressão aberta de uma estética racista, eugenista e elitista disfarçada de nostalgia. Pior: foi calculadamente pensada para causar polêmica e, com isso, gerar lucro. E conseguiu.

Sweeney, conhecida por papéis em séries como Euphoria e The White Lotus, foi o rosto escolhido para estampar outdoors, redes sociais e comerciais com um marketing que remete às propagandas de jeans dos anos 1990, trazendo a atriz — branca, loira, magra — sorrindo em campos abertos sob o sol, encarnando o ideal da “garota americana perfeita”. Mas problema não está apenas na imagem escolhida. O slogan da campanha traz um trocadilho intencional e profundamente revelador: “She’s got good jeans” — uma frase que pode ser lida tanto como “ela tem bons jeans (calças)” quanto “ela tem bons genes (material genético)”, já que, em inglês, as palavras jeans e genes têm pronúncia idêntica. O que se sugere, ainda que com um verniz de leveza, é que o valor da atriz está em seu DNA.

Não se trata de um deslize inocente de linguagem. Segundo reportagem do Buzzfeed, a própria atriz foi avisada por uma representante da marca de que a campanha geraria polêmica, e topou participar mesmo assim. Ou seja, tanto ela quanto a American Eagle sabiam que estavam lançando uma campanha com potencial ofensivo, elitista e racista — e apostaram que isso funcionaria. Acertaram: após a repercussão, as ações da marca subiram cerca de 10%.

A mensagem que isso transmite não é nenhuma surpresa: polêmica vende. E o lucro fala mais alto que qualquer compromisso ético. Num momento em que diversas empresas do capitalismo global abandonam suas políticas de diversidade e inclusão sob a justificativa de “neutralidade ideológica” ou “boicotes conservadores”, a American Eagle se junta a um movimento reacionário de restauração da hegemonia branca como padrão aspiracional. O eugenismo se reinventa no algoritmo.

Uma estética eugenista disfarçada de moda

A polêmica diz muito sobre o momento cultural dos Estados Unidos — e do mundo. O crescimento da extrema direita, com sua pauta antidireitos, antifeminista e racista, ganha terreno não apenas nas urnas, mas também nas telas, nos feeds e nos outdoors. O conservadorismo estético anda lado a lado com o conservadorismo político. A nostalgia do “modo de vida americano”, tão presente na campanha da American Eagle, não é inocente, mas um a tentativa de apagar as conquistas das lutas antirracistas, feministas e da comunidade LGBTQIAP+ das últimas décadas, reafirmando que apenas uma forma de existir deve ser visível e valorizada.

Vale lembrar que últimos anos, muitas marcas surfaram na onda da representatividade e da inclusão. Colocaram pessoas negras, trans, gordas e com deficiência em campanhas publicitárias, mas, em sua esmagadora maioria, isso foi feito quando era politicamente lucrativo. Agora, com o avanço da extrema direita e a onda de ataques contra políticas de equidade, vemos o capital recuar rapidamente. Empresas estão abandonando seus departamentos de diversidade, cedendo a pressões de grupos conservadores, e voltando a investir em campanhas que reforçam ideais reacionários. O caso da American Eagle é só mais um exemplo do que acontece quando o capital se vê entre a “ética” e o lucro: escolhe o lucro, sempre.

Ironicamente, Sydney Sweeney protagonizou séries que exploravam a diversidade — como Euphoria, que tem como uma de suas estrelas a atriz trans Hunter Schafer. Schafer é uma das vítimas diretas das novas políticas do governo Trump, que retomam a imposição do “sexo biológico” em documentos oficiais como passaportes e carteiras de identidade, em um nítido ataque à comunidade trans. Enquanto isso, sua colega de elenco estampa uma campanha que alude à pureza genética como atributo de beleza e prestígio. A contradição é gritante — e mostra como o mundo do entretenimento não está isento da luta ideológica em curso.

Não é só sobre publicidade

O eugenismo moderno não precisa de palavras: ele se expressa pela curadoria das imagens, pela escolha das silhuetas que povoam vitrines, pelos tons de pele que aparecem nos comerciais. E se disfarça bem, sobretudo quando se apoia em figuras populares como Sidney Sweeney. Celebridades influenciam comportamentos, ditam modas, moldam subjetividades — especialmente entre a juventude. Elas ocupam, na cultura de massas, um espaço simbólico de autoridade. Quando Sweeney decide endossar uma campanha com apelo eugenista, ela se posiciona. Como garota-propaganda de uma campanha que reafirma um padrão estético excludente e violento, se consolida como ícone de uma estética racista embalada em jeans e luz natural.

É fundamental lembrar que os padrões de beleza não são apenas “gostos pessoais”. Eles são construções sociais que sustentam sistemas de opressão. Eles ditam quem tem valor, quem pode ser desejado, quem é bem-vindo nos espaços de trabalho, na publicidade, nas telas e nas vitrines. Quando esses padrões são vinculados à ideia de genes superiores, o que está em jogo é muito mais do que moda: é um projeto ideológico de exclusão. Enquanto Sweeney simboliza o “padrão ideal de beleza” — que transita entre o “feminino tradicional” e a sexualização glamourosa — vendido por marcas como a American Eagle, a maioria das mulheres que continuam fora desse mesmo padrão: as mulheres negras, indígenas, latinas e trans, pobres da classe trabalhadora são invisibilizadas, desvalorizadas e violentadas. Ela é a “nova loira americana”, com ares dos anos 1950 e a estética dos anos 2020, que representa o mesmo velho projeto burguês capitalista e excludente.

O que está em jogo na campanha da American Eagle, portanto, não é apenas mais uma escolha conservadora de marketing, mas a reafirmação de um projeto ideológico. Em um país atravessado por conflitos raciais profundos, com a herança escravocrata ainda viva e uma juventude negra que segue sendo assassinada pela polícia, a imagem da “garota americana ideal” como uma mulher branca, de feições delicadas, sorriso angelical e estética campestre é uma provocação política.

Esse tipo de conteúdo é parte de uma lógica mais ampla de reprodução capitalista das opressões. Se bem a publicidade é um espelho da sociedade, ela é também ferramenta de normalização de padrões opressores e consolidação do status quo. Nesse sentido, Sydney Sweeney não é uma figura neutra, ela simboliza um ideal de supremacia branca, de feminilidade burguesa e de juventude heteronormativa que está a serviço de um projeto de mundo no qual a maioria — explorada e oprimida — segue sendo apagada, ridicularizada e excluída.

A cultura pop como ferramenta de disputa

A juventude, em especial, precisa ser alertada para como esses conteúdos moldam seu imaginário — e para a importância de combater a normalização desses padrões. Não se trata de simplesmente “cancelar” a atriz ou a marca, mas de denunciar os interesses de classe por trás da estética vendida como inocente. A cultura pop é terreno de disputa política, o objetivo da campanha da American Eagle é reafirmar essa estética que legitima o racismo, o sexismo e o elitismo, enquanto fatura alto com a provocação.

Nós reivindicamos outro padrão: o da luta, da solidariedade de classe, da organização das mulheres e da juventude trabalhadora contra todos os mecanismos de opressão. A beleza real está na diversidade das nossas lutas, na força das mulheres negras periféricas, das jovens trans que desafiam o ódio, das trabalhadoras que enfrentam o machismo e a exploração cotidianamente.

Não queremos ver mais uma loira magra sorrindo num campo de trigo. Queremos ver nossas companheiras estampando as lutas reais. Não queremos campanhas que reforcem padrões racistas — queremos romper com eles.

Que essa campanha, e toda a indignação que ela gerou, sirva de ponto de partida para que mais pessoas compreendam que não se trata apenas de moda, mas de política. E que, diante da ofensiva conservadora, não há espaço para neutralidade.

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Last Update: 06/08/2025