
Publicado originalmente no ConJur
A lei e a Constituição não autorizam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus do Núcleo 1 do golpe de Estado sejam beneficiados com a resolução da Câmara dos Deputados, aprovada nesta quarta-feira (7/5), que suspendeu a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) no Supremo Tribunal Federal. Essa é a avaliação dos constitucionalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto.
Ramagem e mais sete pessoas, inclusive Bolsonaro, são réus na 1ª Turma do STF pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público; e deterioração do patrimônio tombado. E, como todos respondem à mesma ação, parlamentares bolsonaristas enxergaram uma brecha para que o processo seja paralisado por completo.
No entanto, os especialistas afirmam que não existe margem para essa interpretação.
“Do ponto de vista constitucional, o poder da Câmara de suspender uma ação penal está estritamente relacionado com a imunidade formal do parlamentar e, por essa razão, não se estende a outros réus que não detenham tal imunidade”, explica Georges Abboud.
O advogado lembra que isso está previsto expressamente na Súmula 245 do STF, que estabelece que a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.
A Câmara beneficiou Ramagem com base no artigo 53, §3º, da Constituição. O dispositivo prevê que o Congresso pode, após o recebimento da denúncia, sustar o andamento de uma ação penal contra um deputado ou um senador por supostos crimes cometidos depois da diplomação.
Ramagem foi diplomado em dezembro de 2022, e parte dos crimes atribuídos a ele é de 8 de janeiro de 2023 — o dia dos ataques golpistas às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Essa condição não se aplica a nenhum dos outros réus do chamado “núcleo crucial” da trama do golpe.
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“Não se deve sequer cogitar estender essa decisão aos outros réus. Não há nenhum sentido nessa interpretação. Eles não são parlamentares, não têm direito à imunidade. É só barulho, não tem nenhum sentido jurídico”, afirma Pedro Estevam Serrano.
“Zero chance”, resume Lenio Streck, colunista da ConJur. “Isso seria inconstitucional. A medida atinge apenas Ramagem, e só em pequena parte”, completa ele.
Benefício extrapolou interpretação do STF
Ao aprovar a resolução, a Câmara extrapolou o que o ministro Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma do STF, havia considerado para o caso de Ramagem. Em ofício enviado à casa legislativa, o magistrado ressaltou que a suspensão só valeria para os crimes atribuídos ao deputado após a diplomação.
Dos cinco delitos pelos quais Ramagem é réu, apenas dois (dano qualificado contra o patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado) têm ligação com os atos de 8 de janeiro — e, portanto, justificariam a suspensão do processo contra o deputado.
Os outros três crimes, todavia, tiveram início antes das eleições de 2022, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República. Dessa forma, eles não estariam cobertos pela imunidade.
Mesmo assim, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), relator da resolução, defendeu que todos os crimes de Ramagem são passíveis de sustação porque são “permanentes”, ou seja, prolongaram-se no tempo.
Para Georges Abboud, não há clareza sobre esse ponto: “Deve haver uma discussão acerca do encadeamento dos eventos e da caracterização de elementos do tipo penal, como a grave ameaça, independentemente dos acontecimentos posteriores à diplomação”.
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