Surpresa keynesiana, orçamento de 2024 equilibrado depõe contra a necessidade dos cortes para 2025
por Ion de Andrade
Para a surpresa de todos, principalmente do mercado, mas também do governo, o ano de 2024 fechou as contas orçamentárias de forma equilibrada.
Não tivessem sido as despesas mais do que necessárias com o Rio Grande do Sul (que ninguém apontou como causa de inflação, é bom que se diga) as despesas teriam estado dentro do que preconiza o Ataúde Fiscal.
Ora, o fato de que as despesas com o Rio Grande do Sul não tenham provocado inflação, embora tenham sido a causa do leve desequilíbrio orçamentário constatado, decorre do fato de que, e qualquer estudante de economia sabe disso, a liquidez é uma das políticas macroeconômicas que podem ser utilizadas para enfrentar carências em áreas estratégicas ou em momentos de estresse social.
Esse verdadeiro equilíbrio de contas do ano de 2024 se deveu essencialmente a algo que o pacote de cortes visou coibir: o volume da massa salarial.
Como analisaram diversos economistas, foi essa massa salarial convertida em impostos, depois de gerar consumo, empregos e renda, num processo multiplicativo, como descreveu Keynes, que reabasteceu o caixa do governo.
Então vamos sedimentando três coisas:
- A oferta de liquidez não é um pecado econômico, mas uma das políticas macroeconômicas do arsenal de qualquer economia soberana;
- A massa salarial, ao tempo que pode ser uma despesa do governo, como no caso do Salário Mínimo, é também uma receita futura que gera, como 2024 bem demonstrou, impostos a receber que, de fato, minimizam o seu custo total e equilibram as contas; e que
- As economias pretendidas ao reduzir a massa salarial, por exemplo com a correção a menor do Salário Mínimo prevista no pacote de cortes, podem se restringir, em grande medida ao que é mais importante para a sociedade e que decorrem do bem conhecido multiplicador Keynesiano: consumo, emprego, renda e bem estar, pois, como 2024 demonstrou, depois de produzir tudo isso, o dinheiro abastece, através dos impostos novamente os cofres públicos, como o sangue que volta ao coração depois de cumprir o processo circulatório. Em 2025, com a correção a menor do Salário Mínimo e das transferências sociais que ele indexa, esse mecanismo foi significativamente limitado produzindo talvez tanta economia quanto frustração fiscal.
A dinâmica explicitada no item “c” demonstra colateralmente também que o Salário Mínimo e as transferências sociais indexadas por ele, são uma espécie de encomenda pública mínima de sobrevivência e bem estar social feita pelo governo às pessoas de baixa renda que ao mover a economia para devolver essa encomenda ao governo geram empregos renda, bem estar social e… impostos que vão reabastecer os cofres públicos.
Conhecer, portanto, em que medida esses recursos investidos na massa salarial retornam para o governo através de impostos é crucial, pois isso representa a margem útil que pode ser utilizada para, com todo o rigor fiscal por parte do governo, corrigir o Salário Mínimo incrementando progressivamente o seu poder de compra de forma ostensivamente sustentável.
Noutras palavras é possível ser keynesiano na economia e responsável no plano fiscal.
Se, por exemplo, o que foi investido em Salário Mínimo e transferências sociais volta para o governo em 30% no primeiro ano e 30% no segundo, isso significa que, efetivamente, terá custado 60% a menos para o governo na soma dos dois anos!
Isso não significa, obviamente que o Salário Mínimo pode ser aumentado em 60%, pois há um tecido econômico real que sofreria com variações abruptas, provocando desemprego e falências.
A surpresa geral com os bons resultados fiscais de 2024 é um forte indício de que:
- a equipe econômica do governo está desatenta para o fato de que o Salário Mínimo e o que ele indexa, além de ser uma despesa, é também uma receita para os cofres públicos e que
- o pacote de cortes aprovado ao fim de 2024 foi ideológico e mostrou-se totalmente desnecessário, pois exceto pelos gastos com o Rio Grande do Sul, o ano em que houve uma correção do Salário Mínimo pela inflação + PIB quando a economia cresceu 3,5% fechou com equilíbrio fiscal e com uma inflação controlada (levemente fora da meta).
Os números parecem apontar para o fato de que Haddad só teria razão em ter cortado gastos para 2025 se a economia tivesse, tendo funcionado ao longo de todo o ano de 2024 noutra lógica, fechado claramente no vermelho e que a inflação tivesse disparado, o que, para a surpresa de gregos e troianos, não ocorreu.
Para o Lula 4 os economistas progressistas deveriam apresentar ao governo uma alternativa claramente sustentável de outro manejo dos orçamentos e dos investimentos públicos capaz de assegurar, com o respirar normal da economia, mais renda, mais empregos, mais bem estar social e impostos suficientes para, sem arroubos, assegurar que o equilíbrio fiscal esteja realmente a serviço das maiorias.
Ion de Andrade é médico pediatra e epidemiologista, atualmente é professor visitante na UFRN junto ao departamento de Engenharia Biomédica. Terminou o seu segundo grau profissionalizante na França em Ciências Econômicas e Sociais, área em que sempre manteve vivo interesse e estudo.
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