A chegada de Luisa González ao segundo turno surpreendeu analistas e a imprensa, que subestimaram a força do correísmo. Em entrevista ao Portal Vermelho, a cientista política e secretária de Relações Internacionais do PCdoB, Ana Prestes, essa percepção equivocada foi alimentada por dados manipulados pelo governo de Noboa e pela influência dos Estados Unidos, que pressionam a região com uma agenda liderada por Trump. Apesar de desafios como a violência e o assassinato de Fernando Villavicencio, o correísmo mantém popularidade devido às conquistas sociais dos governos de Rafael Correa. (Leia a íntegra da entrevista ao final)

A cientista política Ana Prestes é secretária de Relações Internacionais do PCdoB

O correísmo representa, para muitos equatorianos, um período de avanços sociais e enfrentamento ao imperialismo. Luisa González, candidata do movimento, é vista como uma líder incansável e agregadora, capaz de resgatar os valores da Revolução Cidadã enquanto imprime suas próprias características. Seu perfil contrasta com o de Daniel Noboa, que representa a direita oligárquica e os interesses dos EUA.

A unificação da esquerda no segundo turno é um desafio para Luisa. Tensões históricas com a comunidade indígena, parte da qual se alia à direita, dificultam uma convergência completa. No entanto, lideranças como Leonidas Iza demonstram disposição para construir pontes, o que pode resultar em uma unificação parcial. Além disso, a Izquierda Democrática, embora oficialmente neutra, tende a apoiar Luisa, reforçando sua base eleitoral.

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Daniel Noboa aposta em uma agenda de segurança pública inspirada no autoritarismo de Bukele, em El Salvador, prometendo encarceramento em massa e aumento do poder repressivo do Estado. Ele também busca estreitar laços com os EUA e instituições financeiras internacionais, apresentando-se como o candidato capaz de melhorar a economia equatoriana, altamente dependente do dólar.

A campanha de Luisa denunciou práticas de compra de votos e o uso excessivo da máquina do Estado em favor de Noboa, o que prejudica a consolidação dos princípios da Revolução Cidadã. Essas denúncias reforçam a percepção de favorecimento irregular na disputa.

Com o segundo turno marcado para 13 de abril, o Equador vive um cenário altamente polarizado. Enquanto Noboa aposta em segurança e repressão com apoio dos EUA, Luisa busca unir as forças progressistas e resgatar os valores da Revolução Cidadã. A formação de alianças e a capacidade de diálogo dos candidatos serão determinantes para o futuro do país.

Leia os principais trechos da entrevista:

1. A que você atribui essa surpresa da chegada de Luísa ao segundo turno?

Ana Prestes: “Eu atribuo a surpresa a uma percepção errada de muitos de nós, analistas – e me incluo nesse grupo – bem como da própria imprensa. Isso decorre, em parte, de uma manipulação dos dados oriundos do Equador, promovida pelo governo de Noboa. Essa leitura equivocada foi contaminada pelo atual clima na América Latina, marcado pela influência dos Estados Unidos e uma nova agenda liderada por Trump, com intensa pressão sobre os países. Esses fatores geraram sinais errôneos que esconderam que o correísmo, e consequentemente a candidatura de Luísa, permanecem extremamente populares, apesar dos desafios enfrentados em eleições anteriores, como a trágica onda de violência e o assassinato de Fernando Villa Vicenzio.”

2. Por que o correísmo ainda tem força, mesmo diante de tantas derrotas de outras forças políticas no primeiro turno?

Ana Prestes: “O correísmo continua popular porque simboliza, para grande parte da população, os benefícios concretos vivenciados durante os governos anteriores de Rafael Correa. Essa agenda social e anti-imperialista, que enfrentou as mega petroleiras e promoveu uma reforma constitucional avançada, ficou gravada na memória coletiva. Além disso, o correísmo se apresenta como vítima da perseguição e traição, especialmente por parte de figuras como Lenin Moreno, o que reforça sua legitimidade entre os eleitores.”

3. Como Luísa tem confrontado a agenda conservadora de Noboa e Lasso?

Ana Prestes: “Luísa é uma candidata excepcionalmente incansável e muito popular, com grande penetração nos setores populares. Ela confronta a agenda conservadora resgatando os valores da Revolução Cidadã – o mesmo projeto defendido pelos mandatos de Correa – mas também imprime sua própria identidade. Com um perfil de fácil relacionamento e capacidade agregadora, Luísa está bem posicionada para enfrentar a direita arraigada e oligárquica, fortemente vinculada aos interesses dos Estados Unidos e representada por Noboa.”

4. Você acredita que Luísa tem chance de unificar as esquerdas no segundo turno?

Ana Prestes: “Ela tem, sim, capacidade de unificar a esquerda, mas isso se limita a certo ponto. Existem tensões e fricções, especialmente no que tange aos laços com a comunidade indígena, que foram marcados por passivos históricos e desentendimentos. Não há um voto blocado entre as comunidades indígenas, já que parte delas se alia até mesmo à direita. Apesar disso, lideranças como Leônidas Iza demonstraram abertura para construir pontes com Luísa, sugerindo que pode haver uma unificação parcial, embora as complexidades internas da esquerda equatoriana ainda representem um desafio significativo.”

5. Por que a Izquierda Democrática recusa apoio no segundo turno?

Ana Prestes: “Embora o partido tenha anunciado neutralidade, o candidato da Izquierda Democrática, Carlos Rabascall, declarou apoio a Luísa. Dessa forma, os votos dessa ala tendem a se direcionar, na prática, para Luísa González.”

6. O que Noboa tem a mostrar na campanha para garantir essa disputa?

Ana Prestes: “Noboa tem se posicionado como um amigo dos Estados Unidos, enfatizando que estabelecerá uma forte relação com Trump. Ele aposta em políticas que se assemelham ao autoritarismo de Bukele, como o combate à violência através de medidas extremas – encarceramento em massa e uma postura repressiva. Essa aproximação com o campo liderado pelos EUA, junto com aliados como Milei, visa diminuir o potencial integrador da América Latina e anular iniciativas como a Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos). Além disso, ele utiliza a clássica retórica anticomunista para sugerir que o correísmo representa uma volta a um passado tenebroso.”

7. A segurança pública tem sido o tema central para a população, ou a economia prevalece?

Ana Prestes: “Na verdade, ambos os temas são centrais. A eleição está dividida entre a questão da violência e segurança pública e os desafios econômicos do Equador. Noboa explorará a segurança pública prometendo um estado repressivo e encarceramento em massa, enquanto também defende que sua boa relação com os Estados Unidos, com os fundos internacionais e o FMI, será determinante para melhorar a economia de um país totalmente dolarizado.”

8. Como a permanência de Noboa no poder tem influenciado a campanha?

Ana Prestes: “A permanência de Noboa tem tido um impacto significativo. A campanha de Luísa denunciou, por exemplo, a utilização da máquina do Estado para a compra de votos em benefício do candidato – uma prática que, infelizmente, ainda é recorrente. Noboa e sua equipe continuam a explorar os recursos do Estado, dificultando a construção de uma vitória legítima para Luísa e a consolidação dos princípios da Revolução Cidadã.”

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Last Update: 12/02/2025