Folha surpreende ao apoiar regulação policial de Lula: exceção isolada ou início de mudança no tom crítico?
A Folha de S.Paulo surpreendeu ao publicar, nesta sexta-feira (27), um editorial em apoio ao decreto do governo Lula (PT) sobre a regulação do uso da força policial. No texto, o jornal elogia a norma como uma medida necessária para frear os excessos das forças de segurança no Brasil, uma postura que destoa do discurso frequentemente crítico da publicação em relação ao atual governo federal.
O editorial aponta que casos recentes de violência policial — como o disparo contra uma mulher e seu pai pela Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro e o tiro à queima-roupa dado por um PM em um jovem em São Paulo — reforçam a urgência de regulações claras para o uso da força. O jornal elogiou a iniciativa do governo de estipular princípios que limitam o uso de armas de fogo e promovem transparência, como a obrigatoriedade de relatórios circunstanciados quando houver ferimentos ou mortes.
Ainda que não seja impositivo aos estados, o decreto também vincula parte dos repasses federais ao cumprimento de seus termos, medida que provocou reações negativas de governadores de oposição, especialmente nos estados governados por partidos de direita.
Uma posição inesperada
O apoio da Folha ao decreto contrasta com sua postura crítica em outras ocasiões. Recentemente, o jornal se envolveu em uma polêmica ao publicar uma matéria alegando que as estatais federais acumulavam um déficit recorde sob o governo Lula, mesmo diante de evidências de lucros robustos das principais empresas públicas, como Petrobras, Caixa e Banco do Brasil.
A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do partido, foi uma das vozes mais contundentes contra a Folha, acusando o jornal de manipular dados e promover uma agenda privatista.
Confira o editorial na íntegra
Decreto de Lula prevê o básico na regulação das polícias
Texto fixa normas corretas para conter abuso de força por agentes; não se justifica reação negativa de governadores
Mais dois casos evidenciam que o uso da força policial carece de regulação urgente no Brasil.
No último dia 24, uma mulher e seu pai foram alvejados —ela, na cabeça, ele, na mão esquerda— durante uma ação da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro. No dia seguinte, um policial militar em São Paulo disparou um tiro à queima-roupa em um homem de 24 anos.
Os casos juntam-se a outros recentes que compõem estatísticas aberrantes da brutalidade policial no país. Não faz sentido, portanto, tratá-los como isolados.
Em São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), o número de mortes causadas por policiais cresceu 82% nos primeiros nove meses de 2024 em relação ao mesmo período de 2023; na Bahia, sob o comando de Jerônimo Rodrigues (PT), a alta foi de 15% entre 2022 e 2023.
Assim, é bem-vindo o debate sobre a regulação do uso da força suscitado por decreto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), publicado na terça-feira (24).
A norma propõe princípios básicos em segurança pública que não são respeitados no país, como o planejamento detalhado de operações para evitar danos diretos ou indiretos aos cidadãos.
O uso de armas de fogo deve se restringir a situações em que há risco de mortes ou lesões, e não é tido como legítimo contra pessoas desarmadas em fuga ou para deter veículos que desrespeitem bloqueio em via pública.
Quando a ação resultar em ferimento ou morte, exige-se a elaboração de um relatório circunstanciado, o que contribui para o aumento da transparência.
Embora não se trate de uma imposição aos estados, que controlam a grande maioria das corporações, o texto pode condicionar o repasse de verbas da União no setor. Ainda assim, não se justifica a reação negativa de governadores de oposição.
Normas federais como a portaria interministerial 4.226, de 2010 e a lei 13.060, de 2014, já preveem a uniformização de condutas, em respeito a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
O decreto trata ainda do incremento da profissionalização de agentes. Caberá ao Ministério da Justiça produzir materiais de referência sobre temas como uso de algemas e busca pessoal. Ademais, policiais devem ser submetidos à capacitação anual sobre uso da força em seus respectivos órgãos de segurança.
Qualquer gestor que preze por políticas públicas baseadas em evidências não deveria se opor a treinamentos para servidores, ainda mais para policiais.
As normas não impõem obrigações excessivas. São medidas essenciais para a imagem das corporações. Segundo o Datafolha, 51% dos brasileiros sentem mais medo do que confiança nas forças de segurança, o que indica com clareza a percepção do excesso de ações violentas.
Para que seja confiável, a polícia precisa proteger os cidadãos. Para isso, é preciso profissionalizar e regular a atividade.