O século XX testemunhou transformações profundas, impulsionadas pelo vertiginoso avanço científico e tecnológico, pelas inovações nas comunicações, pelas descobertas no campo da medicina, da química, da física e de inúmeras outras áreas do saber. Criou-se, assim, um ambiente social e cultural marcado por um duplo movimento: de um lado, a confiança quase ilimitada no futuro da humanidade e na superação de seus males históricos; de outro, a reflexão crítica sobre os limites do cientificismo e sobre a possibilidade de transcender seus pressupostos. No terreno filosófico, a corrente que mais se insurgiu contra os ideais da modernidade e subverteu o discurso progressista que ganhava corpo à medida que a ciência derrubava novas barreiras foi o pós-modernismo.
A pós-modernidade, inspirada em célebre aforismo de Nietzsche — “não existem fatos, apenas interpretações” —, propôs-se a desconstruir as chamadas “metanarrativas universais”. Para seus expoentes, o conhecimento ultrapassa a esfera científica, e a concepção “hermética” de progresso teria, na verdade, prejudicado o desenvolvimento histórico. Jean-François Lyotard, em A Condição Pós-Moderna (1979), sustenta que o discurso científico é apenas mais um “jogo de linguagem”, sem qualquer primazia sobre outras formas de saber. Em pleno contexto da Guerra Fria, o filósofo ainda associava qualquer narrativa totalizante a tendências totalitárias, o que implicava uma rejeição explícita ao marxismo e gerava forte repulsa às revoluções socialistas que então se espalhavam pelo mundo.
Essa aversão ao universal irradiou-se para quase todas as áreas do conhecimento, mas não sem contradições. Para os teóricos pós-modernos, a incredulidade diante das grandes narrativas conduz inevitavelmente ao relativismo: toda verdade seria provisória, dependente de contextos e perspectivas. Contudo, quando levado às últimas consequências, esse relativismo conduz à banalização da ética e da epistemologia — qualquer ideia pode reivindicar a condição de “científica” se for útil a determinado grupo. O risco de tratar a ciência como mera “construção ideológica” é enfraquecer a própria noção de verdade objetiva, abrindo espaço para correntes obscurantistas: terraplanismo, racismo, antissemitismo, negacionismo histórico, neonazismo e outras expressões extremistas e reacionárias que se multiplicam em escala global.
Por isso, é imprescindível refutar a rejeição absoluta à objetividade científica. A tradição marxista-leninista, à qual o Partido Comunista do Brasil se vincula, herda do Iluminismo o compromisso com o esclarecimento e a superação do que Kant chamou de “menoridade” (Unmündigkeit). Torna-se, portanto, essencial evidenciar não apenas o caráter nocivo do relativismo pós-moderno para a emancipação da classe trabalhadora, mas também o oportunismo de setores da própria esquerda que aderem ao perspectivismo e à ideia de “múltiplas ontologias” — narrativas fragmentadas que dissolvem a coesão social e desviam o foco das questões estruturais, especialmente da luta em defesa dos direitos trabalhistas. Nessa lógica, o combate de classes se dilui em disputas fragmentárias, desmobilizando a força organizada contra o capital.
A defesa intransigente da revolução socialista tem em Karl Marx seu farol teórico. Marx possuía um senso rigoroso de ciência, ancorando seu pensamento no concreto, na realidade histórica e na análise das relações econômicas. Sua obra foi fortemente influenciada por Hegel, filósofo que também buscava uma compreensão totalizante do mundo e cuja dialética inspirou correntes tanto progressistas quanto conservadoras. Engels, ao cunhar a expressão “socialismo científico” para designar o sistema teórico desenvolvido em parceria com Marx, respondia a um debate vivo na época, quando o termo “científico” era reivindicado por intelectuais das ciências exatas e humanas. O propósito era claro: propor uma transformação social de alcance universal, fundamentada na análise objetiva do funcionamento do capitalismo. O marxismo, nesse sentido, é produto da modernidade e, justamente por isso, alvo privilegiado dos ataques relativistas, que procuram minar suas bases racionais e deslegitimar a única força social capaz de romper os grilhões da exploração.
Quando a noção de verdade e de razão se dispersa e tudo se reduz a opinião, inclusive no domínio da informação, o espaço para o debate público se estreita e a própria comunicação política perde sentido. Sem a possibilidade de afirmar como o mundo realmente é e de compreender os mecanismos concretos de opressão, a arena política se converte em mera disputa de interesses particulares, frequentemente divorciados do bem comum — elemento central de qualquer concepção socialista. A ausência de critérios objetivos abre caminho para o irracionalismo e para a manipulação deliberada da consciência coletiva.
O exemplo recente da pandemia de Covid-19 ilustra de forma eloquente os riscos dessa tendência. O negacionismo científico, amplamente disseminado, custou milhões de vidas e expôs a fragilidade das sociedades quando a objetividade dos fatos é corroída. O desprezo pelas evidências empíricas e o apego a “verdades alternativas” revelam como o relativismo extremo pode servir a interesses reacionários e antipopulares.
Assim, ao refletirmos sobre o papel da filosofia e da ciência na luta emancipatória, é fundamental reafirmar que a crítica marxista não se confunde com a recusa pós-moderna da razão. Ao contrário: ela reivindica a razão como instrumento indispensável para compreender a totalidade social e transformá-la. A dialética marxista, ao integrar ciência e filosofia, oferece um método robusto para a análise da realidade, sem o qual a prática revolucionária se vê reduzida a voluntarismo ou a mera retórica.
Em conclusão, o 16º Congresso do PCdoB constitui ocasião propícia para aprofundar esse debate, demonstrando que a preservação da tradição marxista-leninista é condição vital diante dos ataques contemporâneos ao pensamento científico e ao legado iluminista. Reafirmar o valor da razão e do esclarecimento não é um gesto de saudosismo intelectual, mas um imperativo político e ético. Só assim poderemos enfrentar, de maneira consequente, as múltiplas formas de obscurantismo que ameaçam a consciência de classe e a própria perspectiva de emancipação humana.