A Palestina, mais especificamente sua porção leste, a Cisjordânia, assiste a um novo movimento israelense para remodelar a demografia e o controle do território. O exército judeu leva adiante, desde 21 de janeiro, a Operação Iron Wall (Muralha de Ferro). As agressões começaram no distrito de Jenin, uma semana depois chegaram a Tulkarem e avançaram para o leste em direção a Tubas e ao norte do Vale do Jordão. Segundo Youssef (nome fictício), professor universitário em Tulkarem, os soldados alvejaram um carro civil, mataram os passageiros e feriram quem estava por perto. “Imediatamente, o exército cercou totalmente o campo de refugiados, além de impor um bloqueio a todos os hospitais da cidade.”

O cerco aos campos de refugiados envolveu atiradores de elite, uso de veículos blindados e ataques aéreos com helicópteros Apache. Os israelenses destruí­ram sistematicamente infraestruturas locais, como estradas, redes de abastecimento e tratamento de água e instalações de rede elétrica, o que provocou a interrupção de serviços básicos. Os refugiados foram forçados a deslocar-se em massa, sob mira constante. “Esse ataque provocou várias baixas e mortes. Muitas famílias deixaram tudo para trás, fugindo apenas com a roupa do corpo”, relata Youssef. Nas rotas de saída criadas, os palestinos eram revistados e presos, além de ter dinheiro e celulares roubados.

O relatório mais recente da Ocha-Opt, o Escritório de Assuntos Humanitários da ONU para os Territórios Ocupados, de 27 de fevereiro, revela que, desde 21 de janeiro, 55 palestinos foram mortos apenas no norte da Cisjordânia. Só nos distritos de Jenin e Tulkarem havia em torno de 37,4 mil deslocados.

De acordo com Tariq Da’na, pesquisador palestino de Economia Política e professor no Instituto de Doha, a violência do deslocamento tem uma consequência econômica de longo prazo. “A expulsão corta os meios de subsistência e as redes de apoio dos refugiados. O setor agrícola foi particularmente devastado, especialmente na região do Vale do Jordão. Esse ataque sistemático às infraestruturas econômicas sugere uma estratégia deliberada para inviabilizar as condições de sobrevivência, a fim de forçar os palestinos a partir. Trata-se de uma forma de limpeza étnica.”

A jornalista Zena Tahhan, que cobre a operação israelense in loco, não tem dúvida sobre o objetivo de limpeza étnica. “Não foi dada qualquer escolha aos moradores, eles foram expulsos pelos soldados sob a mira de armas. O único campo liberado para retorno é o de ­Al-Farah, em Tubas. Já Jenin e ­Tulkarem ­continuam inacessíveis, com a presença do exército israelense.”

O exército israelense avança sobre campos de refugiados na região

Youssef compara a situação dos palestinos da Cisjordânia aos primeiros momentos do genocídio em Gaza, quando Israel emitiu a ordem de evacuação aos moradores de Beit Hanoun, Jabalia e Cidade de Gaza. Mas faz uma análise fria para quem está sob a mira do rifle: “Aqui parece ser uma operação mais planejada e organizada. Ao contrário de Gaza, onde havia limitações de tempo e as forças de resistência constituíam desafios significativos para o exército israelense, a situação na Cisjordânia apresenta menos obstáculos para as forças de ocupação. Não há resistência armada que esgote os recursos militares nem perdas humanas suficientes que possam exercer pressão política sobre Tel-Aviv”.

Ao avançar sobre os campos, Israel não apenas provoca uma nova expulsão dos refugiados, mas atinge o cerne de um dos centros mais importantes da resistência anticolonial na Palestina atual. Apesar da pressão militar israelense e também das forças policiais da Autoridade Palestina, explica Da’na, esses grupos não se curvam. “A sua natureza interfaccional (composto por integrantes do Hamas, da Jihad Islâmica Palestina e do Fatah) reflete uma evolução significativa na política de resistência para além das tradicionais filiações partidárias, sob uma forma de organização mais localizada e autônoma.”

Erik Share, professor na Universidade de Oslo e autor de uma pesquisa sobre a Jihad Islâmica local, lista três razões centrais para a concentração da resistência nessa região: a presença histórica de grupos armados no norte da Cisjordânia, a fraqueza da Autoridade Palestina e a violência dos colonos judeus. “Esses dois últimos pontos se reforçam mutuamente, pois a ANP é incapaz de controlar os campos e as cidades como Jenin, o que faz com que os grupos armados floresçam. Ao mesmo tempo, ela é incapaz de proteger os palestinos da violência dos colonos, o que dá aos grupos insurgentes uma grande legitimidade popular.”

A desilusão com a ANP arrasta-se desde a assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993. A Operação Muralha de Ferro ocorre pouco mais de um mês após os choques entre a polícia local e os grupos armados da resistência em Jenin, a operação “Protegendo a Terra Natal”. Em 25 de janeiro, uma coligação de organizações palestinas de direitos humanos enviou uma carta ao presidente da autoridade, Mahmoud Abbas, na qual listam violações das forças internas, como ações correspondentes à tortura, prisões arbitrárias e punições coletivas.

Shawan Jabarin, diretor da Al-Haq, diz que a ação leva os palestinos a criticarem o papel da entidade palestina. “Eles podem justificar as atividades de coordenação com israelenses como parte de Oslo, mas o que a população enxerga é um andar ombro a ombro com ­Israel.” A operação da ANP, afirma, foi um erro. “Eles quiseram mandar uma mensagem aos israelenses e a Donald Trump de que podiam fazer o serviço. Mas, com isso, pela primeira vez, a autoridade cercou e fechou o campo de Jenin como sempre fizeram os israelenses.” O diretor-geral da ­Al-Haq vê uma grande contradição no lado palestino: uma liderança extremamente dividida, enquanto o povo na rua une-se em exemplos de solidariedade e consenso. “Antigamente, a centralidade da construção de uma agenda da resistência estava na OLP. Hoje, estamos reconstruindo isso entre a população.” •

Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sufoco sem fim’

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 06/03/2025