Asean enfrenta dificuldades para impulsionar comércio regional em meio à ameaça de tarifas de Trump.

Política dos EUA renova urgência para aprofundar laços econômicos no Sudeste Asiático.

Singapura/Cuala Lumpur/Jacarta/Hanói — Quando o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs tarifas médias de 33% às nações da Asean, ficou evidente a vulnerabilidade do sucesso da região como centro de produção global.

Durante uma reunião regional em Cuala Lumpur na semana passada, líderes buscaram demonstrar unidade. O primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, presidente da Asean neste ano, afirmou que o mundo está “presenciando o esgarçamento da ordem global”.

“Portanto, a Asean deve confiar mais em si mesma”, disse. “Isso significa fortalecer o comércio intra-Asean. Precisamos ir além da retórica para a execução.”

As palavras de Anwar expuseram a própria luta do bloco de 10 membros. Apesar de uma população total de cerca de 700 milhões, a Asean comercializa mais com parceiros externos do que entre si. O comércio intra-bloco representou 21% do total em 2024, segundo dados da Aseanstats. Esse número pouco mudou nos últimos 25 anos e está muito atrás dos 60% da União Europeia.

Em contraste, a participação do comércio com a China subiu para 20% em 2024, enquanto a dos EUA foi de 12%.

As novas tarifas de Trump reacenderam os apelos para que a região impulsione o comércio interno e mitigue riscos geopolíticos. Darren Tay, chefe de risco-país para a Ásia-Pacífico na Fitch Solutions’ BMI, estima que as tarifas possam reduzir em até três pontos percentuais o PIB do Vietnã este ano e em cerca de 1 ponto o de Singapura, com perdas médias regionais de 1,5 pontos percentuais.

Analistas apontam que o comércio interno fraco da Asean decorre de limitações estruturais e institucionais, como economias voltadas à exportação, grandes disparidades de renda e dependência de produtos intermediários ou commodities semelhantes. Embora 99% das tarifas intra-bloco tenham sido eliminadas, barreiras não tarifárias aumentaram e regras de origem são inconsistentes. A coordenação política também é limitada, e cresce o temor de dependência excessiva da China.

“Essas fricções desencorajam o uso das preferências da Área de Livre Comércio da Asean, limitando o potencial da integração regional”, afirmou Lili Yan Ing, secretária-geral da Associação Internacional de Economia.

A província de Lampung, no sul de Sumatra, Indonésia, exemplifica o impacto das tarifas de Trump e a necessidade de mudanças. A processadora de frutos do mar Siger Jaya Abadi sente os efeitos. Há 14 anos, a empresa pasteuriza e enlata caranguejo azul para compradores dos EUA, gerando até US$ 7 milhões anuais.

“[As tarifas são] um grande problema”, disse Yoga Sadana, comissário da empresa. Os preços caíram de US$ 20-21 por libra (cerca de R$ 45 por quilo) em 2022 para apenas US$ 8-9 nas últimas semanas. Em 2024, a Indonésia exportou US$ 378 milhões em caranguejo processado, 87% para os EUA, representando 41% das importações americanas.

Diversificar, porém, tem sido difícil. Sadana descreve o mercado da Asean como “baixo”, com Singapura como único destino viável. “A Europa só quer uma ou duas especificações de carne de caranguejo, mas quando compramos dos fornecedores, temos que adquirir o caranguejo inteiro.”

Apesar da eliminação de tarifas via o Acordo de Comércio de Bens da Asean de 2010, apenas Malásia e Filipinas registraram aumento modesto no comércio intra-bloco. Em 2024, apenas 11% do comércio do Vietnã foi com vizinhos, o menor entre os 10 países. Tailândia, Indonésia, Filipinas e Singapura ficaram entre 20% e 25%.

“Uma lição é que as empresas devem buscar diversificar exportações ou expandir localmente”, disse Jens Lottner, CEO do Techcombank do Vietnã, citando tarifas recíprocas de 46%.

Man Thi Thanh Thao, fornecedora vietnamita de metais da Dong Duong Metal, apontou que grandes clientes focados nos EUA estão adiando planos de expansão. Um fabricante chinês de luminárias considera abrir planta nos EUA para escapar das tarifas.

Damien Dujacquier, sócio da Roland Berger no Sudeste Asiático, calcula que a transferência de operações simples pode levar de 12 a 18 meses, e de dois a cinco anos para indústrias intensivas em capital, dificultada pela atual incerteza.

Diferente da União Europeia, que nasceu visando um mercado comum, a Asean surgiu como aliança da Guerra Fria para promover paz e segurança regional, sem instituições supranacionais para integrar a economia. A diversidade de sistemas políticos, raças e disparidades de renda agravam o desafio.

“A estrutura econômica da Asean sempre foi impulsionada por investimentos diretos estrangeiros”, disse Woon Khai Jhek, economista da RAM Rating Services na Malásia. “Multinacionais montaram centros de produção em países da Asean para alimentar cadeias globais.”

Do lado da demanda, a região ainda é fraca. A classe média da Asean é jovem, mas tem poder de compra limitado. Singapura, economia mais avançada, tem apenas 6 milhões de habitantes.

As economias regionais frequentemente competem em vez de se complementarem, exportando os mesmos produtos como óleo de palma, borracha, arroz, calçados, roupas, eletrônicos e máquinas, gerando rivalidades. A Asean também carece de marcas globais de alto valor como Apple, Samsung e BYD.

“Como os produtos, o clima e os recursos são semelhantes, a demanda interna por esses bens não é significativa”, disse Leonardo Lanzona, economista da Universidade Ateneo de Manila.

Rani Mayasari, produtora e exportadora de café de Bandung, apontou que busca mercados alternativos como Europa e Oriente Médio, mas alertou que “Vietnã e Tailândia avançam rápido em tecnologias de processamento”, imitando os produtos indonésios.

As barreiras não tarifárias agravam o cenário, com padrões inconsistentes, regulamentações de segurança e certificações complicadas. O número de medidas dobrou para 9.494 entre 2008 e 2020, segundo a CARI ASEAN Research and Advocacy, com Tailândia, Filipinas e Indonésia liderando as implementações.

“O número de medidas não tarifárias é uma grande frustração”, disse Nazir Razak, presidente do Conselho Empresarial da Asean (BAC). “A Asean não tem mecanismo eficaz para eliminar barreiras comerciais distorcivas.”

Woon lembrou que um estudo do FMI de 2022 sugeriu que reduzir barreiras não tarifárias poderia aumentar o PIB da Asean em 1,6%.

Nazir estimou que limitações estruturais podem restringir o comércio intra-Asean a 30% do total, mas reforçou que elevar essa fatia é vital para a resiliência.

Com as tarifas de Trump sobre a China, teme-se que a região vire porta dos fundos para o comércio chinês. “Com tarifas acima de 100%, empresas buscarão evitar o pagamento”, disse Deborah Elms, da Hinrich Foundation. “Até firmas sem ligação com a China precisarão provar isso, gerando novo ônus de conformidade.”

As tarifas de 145% sobre a China podem acelerar a entrada de produtos baratos chineses no Sudeste Asiático, como aço, têxteis, veículos elétricos e mercadorias de e-commerce. A dependência econômica da China também torna a região vulnerável a oscilações chinesas.

“A Asean é importadora líquida da China e exportadora líquida para os EUA”, disse Hafidzi Razali, CEO da Strategic Counsel na Malásia. “Essa assimetria expõe a região a mudanças estratégicas nas relações EUA-China.”

Apesar dos obstáculos, a Asean busca aprofundar laços, com iniciativas como a Comunidade Econômica da Asean e a proposta do selo “Entidade Empresarial Asean” para facilitar movimentação de capital e trabalho.

Ing destacou que a flexibilidade da Asean permite múltiplos acordos bilaterais em paralelo à colaboração regional. Sem tarifas externas comuns, o bloco mantém vantagem.

Embora os países sejam “concorrentes naturais”, ela vê nisso a chance de criar cadeias de valor regionais mais fortes.

As Filipinas, com economia focada no consumo interno, estão buscando investimentos, aproveitando que as tarifas americanas sobre seus produtos são relativamente baixas (17%).

Poucos esperam que a Asean se torne uma nova UE. A diversidade e ausência de centralização são vistas como limitações, mas também como fatores de sobrevivência.

“Essas limitações podem ter sido essenciais para a longevidade e sucesso da Asean”, disse Nazir. “Precisamos trabalhar com nossas limitações, em vez de adotar modelos da UE.”

Bruno Jaspaert, presidente da EuroCham Vietnam, disse que as políticas de Trump podem unir ainda mais a Asean, citando o exemplo europeu. “Quanto maior o inimigo, mais forte a voz unida. A Europa hoje está mais unida que nunca porque há um inimigo comum.”

Por Tsubasa Suruga, Norman Goh, Ismi Damayanti e Mai Nguyen
15 de abril de 2025

Reportagem adicional de Ramon Royandoyan em Manila, Joseph Rachman e Rezha Hadyan em Jacarta, Apornrath Phoonphongphiphat e Kenya Akama em Bangcoc, e Dylan Loh em Singapura.

Fonte: Nikkei Asia

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 21/04/2025