O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (4) o julgamento que vai definir a responsabilidade civil de plataformas digitais como Facebook, Google e outras redes sociais por conteúdos ofensivos ou ilícitos publicados por usuários. A discussão gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que atualmente exige decisão judicial para a retirada de conteúdos.
Suspenso em dezembro de 2024 após pedido de vista do ministro André Mendonça, o julgamento será reiniciado com o voto do magistrado, seguido por outros sete ministros que ainda não se pronunciaram.
O que diz o artigo 19 e o que está em jogo
O artigo 19 do Marco Civil estabelece que plataformas só podem ser responsabilizadas judicialmente por conteúdos ofensivos se não cumprirem uma ordem judicial específica de remoção. Na prática, isso significa que, sem decisão judicial, as empresas não respondem por postagens feitas por terceiros.
A discussão no STF envolve dois recursos com repercussão geral reconhecida, ou seja, a decisão terá efeitos em todo o Judiciário:
- RE 1037396 (relator: Dias Toffoli): trata de um perfil falso no Facebook, e questiona se a rede social deve ser responsabilizada por danos antes de ordem judicial.
- RE 1057258 (relator: Luiz Fux): trata da responsabilidade do Google por uma comunidade ofensiva no extinto Orkut, com pedido de danos morais.
Votos já proferidos: divergências sobre ordem judicial
Três ministros já votaram no julgamento e divergem sobre a exigência de ordem judicial para a remoção de conteúdos:
- Dias Toffoli considerou o artigo 19 inconstitucional. Defendeu que conteúdos ofensivos e ilícitos, como racismo, devem ser retirados imediatamente após notificação extrajudicial, e que, em casos graves, as plataformas podem agir até sem notificação.
- Luiz Fux também votou pela inconstitucionalidade do artigo. Disse que a remoção de conteúdos como discursos de ódio, pedofilia e racismo deve ser imediata após notificação da vítima, sem necessidade de decisão judicial. Defendeu ainda que as plataformas criem canais específicos para denúncias.
- Luís Roberto Barroso, presidente do STF, seguiu linha intermediária: considerou que para crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação, deve haver ordem judicial para remoção. Porém, votou pela responsabilização das empresas quando elas não tomarem providências ao serem notificadas sobre conteúdos criminosos.
Controle privado ou censura prévia?
As empresas de tecnologia argumentam que o modelo proposto por Toffoli e Fux pode levar a uma forma de censura privada, forçando plataformas a retirar conteúdos sem análise judicial. Já os ministros contrários à atual redação do Marco Civil afirmam que o modelo em vigor dá imunidade às plataformas, mesmo diante de violações de direitos fundamentais.
Barroso destacou que a regra atual não protege adequadamente a dignidade da pessoa humana e outros valores essenciais da democracia.
Participação da sociedade
O voto do ministro André Mendonça será decisivo para indicar a tendência do julgamento, que precisa da maioria dos 11 ministros para formar tese vinculante. O resultado impactará diretamente o funcionamento de redes sociais no Brasil e a forma como conteúdos ilícitos serão moderados.
O julgamento é considerado um dos mais importantes da década para o futuro da regulação digital no país. A decisão do STF poderá abrir caminho para uma nova legislação ou acelerar discussões no Congresso sobre o tema.
As ações foram precedidas por audiências públicas, com participação de representantes do governo, parlamentares, empresas de tecnologia, especialistas em direito digital e organizações da sociedade civil. O objetivo foi fornecer subsídios técnicos e jurídicos para que os ministros decidam com base em múltiplas perspectivas.
Contexto internacional
O julgamento ocorre num momento em que diversos países discutem a regulação de plataformas digitais. A decisão do STF poderá servir de referência para outros tribunais e influenciar a formulação de políticas públicas de combate à desinformação, discurso de ódio e proteção de direitos fundamentais no ambiente online.