O Supremo Tribunal Federal retomou nesta segunda-feira (15) o julgamento das ações que questionam a lei aprovada pelo Congresso Nacional para reintroduzir o marco temporal como critério de demarcação de terras indígenas. Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade do dispositivo central da norma, entendimento acompanhado pelo ministro Flávio Dino, formando placar inicial de 2 a 0. A lei tenta impor como parâmetro a data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, apesar de o próprio STF já ter declarado essa tese inconstitucional em 2023, com repercussão geral.
Marco temporal é retrocesso e gera insegurança jurídica
No voto, Gilmar Mendes foi categórico ao afirmar que o Legislativo não pode reduzir direitos fundamentais assegurados aos povos indígenas pela Constituição. Segundo o ministro, a imposição de um limite temporal retroativo viola a vedação ao retrocesso e cria insegurança jurídica ao exigir provas praticamente inalcançáveis de ocupação tradicional. A tese ignora, ainda, o contexto histórico de expulsões forçadas, sobretudo durante a ditadura militar, quando inúmeros povos foram removidos de seus territórios ancestrais pelo poder econômico e político.
STF reafirma papel contramajoritário
Ao rebater críticas de interferência entre Poderes, o relator ressaltou que o controle de constitucionalidade não representa afronta ao Congresso, mas a prevalência da Constituição quando leis são aprovadas em desacordo com seus princípios. Para Mendes, cabe ao STF exercer seu papel contramajoritário, especialmente quando estão em jogo direitos originários e o próprio “direito natural à existência” dos povos indígenas. Flávio Dino reforçou esse entendimento ao afirmar que a proteção constitucional aos indígenas independe de qualquer marco temporal.
Dez anos para concluir demarcações
Além de derrubar o critério temporal, Gilmar Mendes propôs que a União conclua, no prazo máximo de dez anos, todos os processos de demarcação em curso, encerrando uma omissão histórica do Estado brasileiro. O ministro também validou pontos acessórios da lei, como a permanência do ocupante até eventual indenização e a participação de estados e municípios no processo, mas deixou claro que nenhum desses dispositivos pode servir para esvaziar o núcleo dos direitos territoriais indígenas.
Congresso insiste e agrava crise institucional
O julgamento ocorre em meio a uma escalada de tensão entre Legislativo e Judiciário. Na semana passada, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para inserir o marco temporal diretamente no texto constitucional, numa tentativa explícita de contornar decisões do STF. Caso avance na Câmara, a proposta poderá ser promulgada sem sanção presidencial, aprofundando o embate institucional e colocando em xeque a proteção constitucional aos povos originários.
Violência no campo expõe custo da demora
Enquanto a disputa jurídica se prolonga, a realidade no campo segue marcada pela violência. Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontam que, apenas em 2024, 211 indígenas foram assassinados em conflitos fundiários, muitos deles em áreas ainda não regularizadas. Especialistas e entidades indígenas alertam que a insistência no marco temporal legitima conflitos, fortalece a atuação de milícias rurais e posterga soluções que a Constituição de 1988 já determinou.
Julgamento em curso e expectativa de consolidação
A votação no plenário virtual do STF segue aberta até quinta-feira (18), salvo pedido de vista ou destaque. Dois anos após a Corte ter declarado o marco temporal inconstitucional, o novo julgamento representa mais do que uma repetição de entendimento: é uma resposta direta a uma lei considerada por juristas e movimentos indígenas como um ataque frontal aos direitos originários. A expectativa é que o Supremo consolide sua jurisprudência e reponha limites claros a iniciativas legislativas que insistem em transformar direitos constitucionais em moeda de barganha política.