STF retoma marco temporal em julgamento decisivo para futuro de terras indígenas

O Supremo Tribunal Federal marcou para a próxima quarta-feira (10) a retomada do julgamento sobre o marco temporal para demarcação das terras indígenas, agora no plenário presencial. A mudança de formato — antes previsto para o ambiente virtual — reflete a dimensão política, jurídica e civilizatória do caso.

A sessão ocorrerá no ápice da crise entre STF e setores do Congresso, após a decisão do ministro Gilmar Mendes restringir pedidos de impeachment de ministros ao comando da PGR. No centro do conflito está a Lei 14.701/2023, aprovada por parlamentares ruralistas na contramão do entendimento firmado pelo próprio Supremo em 2023.

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Por que o julgamento voltou à pauta?

O marco temporal já foi declarado inconstitucional no Tema 1031, que reconheceu que os direitos indígenas são originários — e não condicionados à ocupação em 1988. Entretanto, a aprovação da Lei 14.701 reinstalou a tese e introduziu dispositivos que vão muito além dela: abertura das terras à exploração econômica, restrições ao processo demarcatório, criminalização de retomadas e possibilidade de obras de “interesse público” sem consulta prévia.

O Supremo recebeu ações de partidos governistas, organizações indígenas e entidades da sociedade civil pedindo a derrubada integral da lei. Em sentido contrário, bancadas do PL, PP e Republicanos tentam validá-la por meio de ADCs. Essa disputa conflui agora para a mesa do plenário.

O que está em jogo: direitos constitucionais ou retrocesso histórico

O julgamento definirá se permanece válida a lei que, na prática, desmonta o capítulo constitucional dos direitos indígenas. Entre os principais impactos possíveis estão:

  • Anulação de demarcações já concluídas, inclusive de áreas com décadas de reconhecimento;
  • Paralisação de centenas de processos, estimulando conflitos fundiários e violência;
  • Risco de mineração e grandes obras avançarem sem consulta, violando a Convenção 169 da OIT;
  • Criminalização de retomadas e fragilização da autonomia dos povos;
  • Indenização por terra nua, proibida pela Constituição, mas reintroduzida na proposta debatida na “mesa de conciliação”.

Segundo dossiê do Cimi, a Lei 14.701 permanece em vigor apesar de inconstitucionalidades flagrantes, alimentando invasões, conflitos e insegurança jurídica para comunidades de norte a sul do país. 

Da pressão ruralista à “conciliação forçada”

A crise é alimentada ainda pela Comissão Especial de Conciliação criada por Gilmar Mendes, criticada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) como uma “negociação ilegítima de direitos fundamentais”. A Apib abandonou o espaço ao perceber que as propostas reproduziam os ataques da Lei 14.701 e ignoravam o direito à consulta livre, prévia e informada. 

Mesmo sem participação indígena, as negociações avançaram e resultaram num anteprojeto de lei que mantém ameaças graves — especialmente a indenização por terra nua e a fragilização do procedimento demarcatório.

Indígenas querem julgamento presencial e amplo

Organizações indígenas comemoraram a mudança para o plenário presencial, que garante espaço para debate público e sustentações orais.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coiab e o Conselho Indígena de Roraima querem que todas as etapas — relatório, sustentações e voto — ocorram presencialmente, com participação plena das comunidades.

A preocupação central: evitar que a decisão final seja tomada em ambiente virtual, sem transparência e sem permitir repercussão social.

A disputa política que cerca o julgamento

A sessão ocorre sob tensão com o Senado, após Davi Alcolumbre reativar a PEC do Marco Temporal em resposta à decisão de Gilmar sobre pedidos de impeachment. Ao insistir na tese, o Congresso desafia o STF, que é responsável por resguardar cláusulas pétreas — entre elas os artigos 231 e 232 da Constituição, ligados aos direitos indígenas. 

A ofensiva ruralista envolve ainda a pressão sobre o governo federal, que, após avanços no início da gestão Lula, desacelerou demarcações alegando insegurança jurídica causada pela própria Lei 14.701.

Um julgamento sobre o passado — e o futuro

A sessão do dia 10 não deverá incluir votação imediata. O Supremo ouvirá as sustentações e definirá a data para análise dos votos. Mas a decisão que virá nas semanas seguintes terá impacto profundo:

  • reafirmar a Constituição e os direitos originários, fortalecendo a proteção territorial e a política climática do país;
  • ou permitir um retrocesso histórico, abrindo brechas para devastação ambiental, avanço da grilagem e violência contra povos que já enfrentam séculos de expulsão.

Para movimentos indígenas, o recado é claro: “direitos fundamentais não se negociam”. O julgamento será, portanto, mais do que jurídico — será um teste para a democracia brasileira e sua capacidade de honrar sua própria Constituição.

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