O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para mudar o regime de responsabilização de plataformas digitais por conteúdos publicados por seus usuários. A principal mudança defendida pelos ministros é a retirada de conteúdos ilegais após notificação da vítima, dispensando, assim, a exigência de ordem judicial, como prevê atualmente o artigo 19 do Marco Civil da Internet.
O entendimento representa uma inflexão no modelo vigente desde 2014 e pode impactar o funcionamento das plataformas no país. Como a decisão ocorre em sede de repercussão geral, o novo entendimento valerá para todas as instâncias do Judiciário.
Consenso na mudança, divergência na forma
Apesar do consenso entre a maioria dos ministros sobre a necessidade de atualizar as regras de responsabilização, ainda não há definição sobre como exatamente isso será feito. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, indicou que o julgamento será suspenso após os votos restantes, para que se busque uma tese comum.
“Teremos os votos de quem já quiser votar e aí vamos suspender o julgamento para tentarmos produzir um consenso possível. O mais próximo possível do consenso”, afirmou Barroso.
Três visões sobre o novo modelo de regulação
Durante os votos, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes apresentaram caminhos distintos para o novo modelo de responsabilização.
Flávio Dino propôs que a Procuradoria-Geral da República (PGR) atue como reguladora do ambiente digital, com possibilidade de remoção de conteúdos a partir de notificações extrajudiciais. Para ele, liberdade de expressão deve ser equilibrada com responsabilidade constitucional. “Não existe liberdade sem responsabilidade em termos constitucionais”, afirmou.
Cristiano Zanin defendeu que as próprias plataformas digitais tenham autonomia para criar ou indicar entidades independentes que realizem a regulação dos conteúdos postados.
Já Gilmar Mendes foi mais incisivo ao afirmar que as big techs já atuam como reguladoras do debate público, sem a neutralidade que alegam. “O Marco Civil ainda representa um véu de irresponsabilidade para as redes sociais”, disse. Segundo o decano do STF, empresas como Facebook, Google e Amazon interferem ativamente no alcance e na visibilidade dos conteúdos por meio de algoritmos, impulsionamento e filtros.
Impacto além dos tribunais
O julgamento tem como pano de fundo três ações com repercussão nacional. Entre elas, recursos apresentados por Facebook e Google em 2017, que questionam decisões judiciais sobre a retirada de conteúdos e a responsabilidade por danos morais. Uma terceira ação, do partido Cidadania, discute o bloqueio de plataformas por decisões judiciais, a partir do caso do WhatsApp.
A mudança no entendimento do STF pode abrir caminho para uma nova regulação do ambiente digital no Brasil, com mais agilidade na remoção de conteúdos ilegais, como discursos de ódio, fake news, racismo e incitação à violência, temas que, segundo os ministros, não podem mais ser tratados com neutralidade ou omissão pelas plataformas.