O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento que pode declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, ponto central da legislação que estabelece que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se descumprirem ordem judicial de remoção.
O tema ganhou destaque após editorial publicado pelo jornal O Globo na quarta-feira, 25, defendendo a revogação completa da norma.
O artigo 19 do Marco Civil foi criado com o objetivo de evitar a remoção arbitrária de conteúdo publicado na internet. A regra impede que empresas de tecnologia decidam, de forma autônoma, o que pode ou não ser mantido em suas plataformas, transferindo essa competência exclusivamente ao Poder Judiciário. O dispositivo legal é considerado um dos principais mecanismos de proteção à liberdade de expressão no ambiente digital.
“O Brasil está diante de um momento decisivo para a regulamentação da internet”, afirmou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que propôs uma solução intermediária durante o julgamento. Sua proposta prevê a manutenção do artigo 19 apenas nos casos de crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação. Nesse modelo, a responsabilização das plataformas ocorreria apenas após ordem judicial.
A sugestão de Barroso foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes e Flávio Dino. Já os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli votaram pela inconstitucionalidade total do artigo. Com os votos parciais, o placar está em 4 a 3 pela derrubada completa da norma.
No editorial que motivou reações no meio jurídico e político, O Globo argumenta que a exclusão do artigo 19 é necessária para enfrentar casos graves, como incentivo à automutilação, organização de ataques a escolas e ações contra a ordem democrática. Segundo o jornal, o atual modelo de responsabilização posterior à decisão judicial não é suficiente para lidar com conteúdos perigosos em tempo hábil.
Entretanto, juristas e especialistas em liberdade de expressão têm ressaltado que a legislação brasileira já oferece meios legais para remoção de conteúdos e responsabilização criminal de autores em situações de urgência. Para esses críticos, a revogação do artigo 19 abriria caminho para a responsabilização automática das plataformas, mesmo por conteúdos lícitos, o que poderia gerar incentivos à retirada preventiva de postagens, como forma de evitar disputas judiciais.
No julgamento, Barroso destacou a necessidade de preservar o debate público e a liberdade de opinião. “É preciso garantir segurança jurídica, mas também preservar direitos fundamentais. A solução precisa ser proporcional e respeitar os parâmetros constitucionais”, declarou o ministro.
A alternativa sugerida por parte do STF se aproxima do modelo notice and take down, previsto no artigo 21 do próprio Marco Civil. Nesse sistema, a plataforma é notificada diretamente pela parte afetada e deve remover o conteúdo, sob pena de responsabilização. Esse procedimento já é utilizado em casos envolvendo violações de intimidade, especialmente no contexto de exposição de imagens íntimas sem consentimento.
A adoção generalizada do modelo notice and take down pode transferir às plataformas a responsabilidade de decidir, sem supervisão judicial, o que pode ser mantido ou removido. A medida tem sido criticada por organizações que defendem a pluralidade do debate público e a autonomia dos meios digitais.
Representantes de veículos independentes e grupos ligados à comunicação digital argumentam que a eventual revogação do artigo 19 concentraria novamente o poder de mediação do discurso público em poucos atores institucionais e comerciais, enfraquecendo a descentralização promovida pelas redes sociais e pela internet nos últimos anos.
No editorial, O Globo sustenta que “o fim do artigo 19 é necessário para combater crimes graves”, mas a proposta foi recebida com cautela por setores que veem risco de censura privada. “Nenhum conteúdo lícito deve ser removido por medo de punição judicial”, afirmam especialistas consultados por entidades do setor.
A decisão do STF terá impacto direto sobre a forma como o Brasil regula a responsabilização por conteúdos digitais. Se o artigo 19 for revogado na íntegra, as plataformas poderão ser processadas sem necessidade de ordem judicial prévia, inclusive por postagens que não representem crime, o que pode influenciar o comportamento de empresas em relação à moderação de conteúdo.
A expectativa é de que o julgamento continue nas próximas semanas. O resultado final poderá redefinir os limites legais da atuação de plataformas digitais no Brasil e terá implicações no funcionamento de redes sociais, portais de conteúdo, aplicativos de mensagens e sites de vídeos.
Com o avanço do processo, o debate sobre o equilíbrio entre combate à desinformação, proteção de direitos individuais e liberdade de expressão digital permanece no centro das atenções do Judiciário, do setor de tecnologia e da sociedade civil.