João Pedro Stedile, principal liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresentou propostas para enfrentar a crise do capitalismo e fortalecer a cooperação entre os países BRICS em três momentos distintos durante a 17ª Cúpula do bloco no Rio de Janeiro: um discurso na sessão especial do Conselho Popular dos BRICS no dia 5 de julho, uma coletiva de imprensa para veículos independentes logo após o discurso, e uma intervenção histórica diante dos chefes de Estado no dia 6 de julho.

Discurso na sessão especial do Conselho Popular

No dia 5 de julho, sábado, Stedile discursou durante a sessão especial do Conselho Popular dos BRICS no Teatro Carlos Gomes, em Tiradentes. O Conselho Popular dos BRICS é uma das criações institucionais aprovadas na última cúpula do bloco em Kazan, na Rússia, reunindo movimentos sociais e organizações da sociedade civil dos países membros.

Em sua fala, Stedile apresentou análise sobre os três projetos que disputaram hegemonia na América Latina durante 15 anos, com cada projeto apresentando candidatos a cada eleição nos países da região.

O primeiro foi o projeto do capital, representado pelo neoliberalismo, que apareceu com a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Este projeto defendia a liberalização econômica e a integração comercial sob hegemonia norte-americana.

O segundo projeto era o neodesenvolvimentismo, que se propunha a reindustrializar com distribuição de renda, porém sem enfrentar o imperialismo. Este modelo foi exemplificado pelas experiências dos governos Lula no Brasil e dos Kirchner na Argentina, que buscavam crescimento econômico com inclusão social dentro dos marcos do sistema capitalista.

O terceiro projeto era o da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), que emergiu com as ideias de Hugo Chávez e apresentava uma proposta clara de integração econômica e popular dos países da América Latina para fazer frente ao imperialismo. A ALBA constituía-se como um projeto explicitamente anti-imperialista.

Segundo Stedile, essa crise capitalista afetou diretamente a América Latina, levando os três projetos que disputavam hegemonia a entrarem também em crise. “Nenhum deles agora consegue avançar ou ser hegemônico frente aos outros”, afirmou. Nem o neoliberalismo, apesar de suas ideias fascistas, nem o neodesenvolvimentismo, que em um cenário de confronto não consegue mais desenvolver indústria e distribuir renda, nem a ALBA conseguiu se projetar como projeto unificador, principalmente devido ao bloqueio à Venezuela que impediu a ampliação da produção de petróleo, principal instrumento para financiar a integração da ALBA.

Segundo Stedile, a partir de 2008 emergiu uma crise sistêmica do capitalismo, não cíclica, caracterizada pelo domínio do capital financeiro e empresas globalizadas. “A contradição principal é que o sistema acumula capital, produz cada vez mais bilionários, porém já não consegue organizar a produção de bens necessários para a população”, afirmou.

Esta crise gerou duas ofensivas principais: a exploração intensificada dos bens naturais, com privatização de minérios, petróleo, terra e biodiversidade como fonte de acumulação; e o aumento dos conflitos armados, que destruíram países como Líbia, Síria, Sudão, Iraque e Afeganistão, além de proporcionar a guerra da Ucrânia e o genocídio palestino.

Coletiva para mídia independente

Logo após o discurso, Stedile concedeu coletiva de imprensa para veículos de mídia independente, incluindo o Cafezinho, onde apresentou detalhes sobre a estrutura organizacional do Conselho Popular dos BRICS. Explicou que cada um dos 21 países deve indicar delegados e organizações participantes, com representantes se reunindo para debater temas necessários para articulação popular.

Durante a coletiva, anunciou que para outubro está programada uma conferência em Salvador, Bahia, onde participarão cerca de 15 delegados de cada país dos BRICS, representando os Conselhos Populares nacionais. No Brasil, a articulação ocorre através da ALBA Movimentos, que reúne 25 movimentos, participando também da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo.

Sobre desdolarização, Stedile esclareceu que a proposta não é trocar o dólar pelo yuan ou outra moeda nacional, erro já cometido pelos Estados Unidos. “Agora nós temos que discutir qual seria o mecanismo de construir uma moeda internacional, que não necessariamente precisa ser impresso, mas que ela regule as relações econômicas, comerciais e financeiras dos países”, explicou.

Intervenção diante dos chefes de Estado

No dia 6 de julho, João Pedro Stedile apresentou aos chefes de Estado dos BRICS o que foi debatido no dia anterior pelo Conselho Popular, marcando a primeira participação da sociedade civil em uma sessão oficial de líderes na história do bloco. Stedile falou em nome do Conselho Civil dos BRICS, que envolveu mais de 120 organizações em sete grupos temáticos: saúde, educação, ecologia, cultura, finanças, soberania digital e institucionalidade.

Diante dos presidentes, Stedile defendeu quatro propostas principais. A primeira é a criação de uma big tech pública pelos países BRICS, acessível aos povos do Sul Global. “É preciso nos livrarmos da manipulação e do controle que as atuais big techs estão fazendo não só na ideologia, mas na luta política em nossos países”, declarou. Esta proposta, originada no Fórum de Jornalistas dos BRICS, destaca que apenas Índia, China e Rússia possuem recursos e conhecimento tecnológico para implementá-la.

A segunda proposta é a desdolarização, que Stedile considera “a principal tarefa anti-imperialista”. Ele argumenta que o dólar, desde a Segunda Guerra Mundial, tornou-se o principal instrumento de espoliação dos povos, permitindo que os Estados Unidos emitam papel-moeda para comprar mercadorias e fábricas sem contrapartida real.

A terceira proposta é a taxação dos milionários para controlar o capital especulativo e gerar recursos para combater pobreza, fome e desigualdade social. A quarta é a democratização do Banco dos BRICS, criando mecanismos para que organizações de base possam apresentar projetos sociais diretamente à instituição.

Stedile também defendeu a cooperação tecnológica entre os países BRICS, destacando que China, Rússia, Índia, Irã e Indonésia estão na vanguarda tecnológica em diferentes segmentos. Propôs ainda a industrialização do Sul Global, lembrando que dois bilhões de pessoas no mundo nunca calçaram sapato.

O dirigente manifestou apoio à expansão dos BRICS, defendendo que os governos aceitem a entrada de muito mais países. “Quanto mais países participarem dos BRICS, mais rápido nós vamos sair da crise de governança mundial e mais força terão os BRICS como representatividade mundial”, afirmou.

Sobre questões internacionais, defendeu que “devem ser feitos todos os esforços no mundo, urgentemente, para salvar o povo palestino do genocídio” e condenou “todas as guerras, especialmente a agressão contra o povo do Irã”.

O MST e a representação popular

João Pedro Stedile é uma das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, organização social brasileira fundada em 1984 que reúne cerca de 1,5 milhão de famílias em assentamentos e acampamentos em todo o país. O MST é considerado um dos maiores movimentos sociais da América Latina, atuando na luta pela reforma agrária, educação popular e transformação social.

A participação de Stedile na Cúpula dos BRICS representa o reconhecimento da importância dos movimentos populares na construção de alternativas ao modelo econômico vigente e na articulação de políticas que atendam às necessidades dos povos do Sul Global.

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Last Update: 08/07/2025