A autoproclamada esquerda revolucionária brasileira tem enormes dificuldades em defender a resistência armada palestina por esta ser liderada pelo Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas. Ou seja, quando o assunto é apoiar os povos que lutam contra o imperialismo, o problema ideológico é “fundamental”. No entanto, quando a questão é a defesa velada do imperialismo, observa-se a convergência dos “revolucionários”, que, na verdade, nada mais são do que pequeno-burgueses centristas. Esse fenômeno ficou demonstrado no editorial do jornal A Verdade, da UP, com o título Países imperialistas lutam entre si para dominar mais mercados, mas antes, é preciso chamar atenção para algo profundamente vergonhoso na “doutrina” dos estalinófilos.

Se o PSTU tem a clareza na formulação doutrinária, ainda que incorreta, do “imperialismo chinês”, os cultuadores do “pai dos povos” só aludem à tese indiretamente. Nem mesmo coragem de colocar nome aos bois têm.

Todos que se desdobram para descobrir a “doutrina política” da UP certamente já encontraram esse problema: a formulação política é toda feita na base do contrabando, da falta de clareza, é de se perguntar inclusive se o militante médio da UP sabe que a doutrina do partido é a de que a China é um país imperialista. Isso dito, a Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas (CIPOML), da qual o PCR participa, chegou à seguinte conclusão:

“A classe operária e os povos não podem confiar em uma potência imperialista em sua luta contra outra; eles devem intensificar a luta contra todo o imperialismo. A tese do chamado ‘multipolarismo’, que afirma que existem países imperialistas beligerantes e agressivos e países imperialistas progressistas, nos quais os povos podem confiar para a libertação nacional, é falsa. Não basta lutar apenas contra o odiado imperialismo norte-americano, porque, mesmo que ele seja enfraquecido ou mesmo destruído, outros imperialistas continuarão a saquear e oprimir os povos.” 

Ainda que a tese do “multipolarismo” seja uma tese reformista, ela não coloca que existam “países imperialistas beligerantes” e “países imperialistas progressistas”, a não ser é claro, que por “países imperialistas progressistas” entendamos Rússia e China, tal qual os “marxistas-leninistas-hoxhaistas-anti-revisionistas” da UP/PCR entendem.

A tese do “multipolarismo” se baseia na ideia de que o enfraquecimento do bloco imperialista, o que, na prática, significa o enfraquecimento dos EUA: o mundo se dividiria em diversas esferas de influência de potências regionais, ou seja, em pólos, os mais poderosos sendo os EUA, a Rússia e a China. Supostamente, tal fenômeno se daria de forma mais ou menos pacífica, ou seja, o imperialismo real entregaria as chaves do mercado mundial sem uma guerra de gigantescas proporções e aceitaria ficar com algumas fatias menores do bolo. Não é fato, mas voltemos ao editorial do A Verdade.

A conclusão do CIPOML é que não basta lutar contra os monopólios norte-americanos, é preciso lutar contra os chineses e os russos com a mesma intensidade. Ora, no mesmo dia em que começou a operação militar especial russa, foi publicado no A Verdade um editorial intitulado Não à guerra imperialista de Biden e Putin na Ucrânia!, em que fica clara a tese dos “imperialismos russo e chinês”:

“Logo, não nos enganemos: em que pese as belas frases e notas oficiais do governo russo, ou a hipócrita defesa da liberdade e da paz feita pelos EUA, as populações e nacionalidades não passam de um peão nessa história. São os interesses imperialistas que estão no comando. O que está em curso é uma luta dos grandes tubarões para devorar a Ucrânia.

O que importa nesse conflito para os imperialistas não é a liberdade ou a independência do povo ucraniano, muito menos a ‘desnazificação’ da Ucrânia, como disse Putin, mas o controle das áreas de influência e dos lucros dos monopólios capitalistas.

De um lado, o imperialismo norte-americano e seus aliados europeus são os maiores interessados na guerra, pois lutam para expandir a presença militar da OTAN para leste, se apossar das riquezas de mais um país e minar a influência russa; do outro, está o bloco Rússia/China, cujo objetivo é garantir o controle político, militar e econômico do leste europeu, impedir a entrada da Ucrânia na OTAN e proteger os negócios bilionários dos monopólios do setor de gás e energia.”

A questão do “imperialismo russo” já foi tratada à exaustão neste Diário. Voltemos ao caso chinês.  Entendamos por meio conteúdo do editorial, o que faz com que os estalinófilos qualifiquem a China de país imperialista.

Se o PSTU procura se apoiar nos trabalhos de Lênin, que melhor explicou o problema do imperialismo, para tentar justificar o “imperialismo chinês”, os esquerdistas da UP/PCR contrabandeiam um texto de Eleanor Marx, datado de 1883, em que ela esclarece a questão do valor, para embasar tal tese. Não tem o menor cabimento. Com uma argumentação tão torta, é de fato possível chegar à conclusão de que qualquer país capitalista é “imperialista”. Escrevem:

“Enquanto os EUA aumentam as tarifas para tentar competir com as mercadorias chinesas e demonstrar força, a burguesia chinesa consegue vender produtos a preços muito mais baixos graças aos subsídios estatais e à superexploração da força de trabalho do proletariado chinês e de outros países asiáticos, como Malásia, Tailândia, Camboja e Vietnã. Alguns ‘intelectuais de esquerda’ confundem isso com o sistema socialista, mas não é tão difícil assim ver a floresta por trás das árvores.”

Ocorre que ser uma força regional não basta para tornar um país membro do seleto grupo das nações imperialistas. A China, por exemplo, é capaz de impedir o capital norte-americano de agir em algum lugar, como foram os EUA na questão do 5G no território brasileiro ou na questão da venda semicondutores produzidos em Taiuã, pedaço do território chinês? Não.

Com a exportação de uma quantidade inacreditável de capital dos países imperialistas para a China desde os anos 80, e uma política de Estado mais soberana, o gigante asiático conseguiu desenvolver uma enorme indústria própria, que agora está conquistando o mercado interno.

Há cerca de dez anos, o capital chinês se tornou grande demais para as suas próprias fronteiras, o que explica a necessidade de se expandir para fora, de conquistar uma parte do mercado mundial. É aí que está o xis da questão, esse mercado já tem dono, a última grande partilha já foi feita em 1945, com a derrota do imperialismo alemão e do imperialismo japonês.

Se num regime econômico de livre concorrência, o capitalismo chinês tem boas chances contra o bloco imperialista, o capitalismo mundial não segue mais essas regras faz mais de século. A saída para o imperialismo é o conflito militar.

Combater tese do “imperialismo chinês” não é um problema menor, mas a preparação de todo um setor da esquerda para se situar em meio à grande guerra que se aproxima. Se a esquerda se orientar por colocações estapafúrdias, colocando EUA e UE no mesmo estágio de desenvolvimento de Rússia e China, trabalhadores e estudantes serão empurrados a apoiar seus piores inimigos, o imperialismo real, dos países que completaram seu desenvolvimento burguês até o final do século XIX e hoje, lutam para submeter o mundo à sua ditadura. As bases da esquerda não podem cometer enganos quando o conflito atingir o paroxismo, mas apoiar a luta das nações atrasadas contra os monopólios.

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Last Update: 06/06/2025