Sou uma espécie de uma profissão em extinção?

por Fernando Nogueira da Costa

No fim do ano passado, completei ½ século como economista diplomado! Sinto-me como um dinossauro, uma espécie extinta?

Não, a Inteligência Artificial (IA) não aloca os recursos escassos de acordo com os múltiplos interesses existentes na sociedade. Por exemplo, conflitos distributivos não são resolvidos por IA, mas por negociações via persuasão feita com assessoria de economistas com base em razão científica ou ideológica em busca de acerto.

Quanto mais complexa for a percepção sensorial e a negociação, menos a IA resolve. A Inteligência Social é exigida em trabalhos de julgamento/convencimento como Gestão, Negócios e Finanças, feitos por economistas. Por isso, avalia-se o risco de a profissão de economista desaparecer em 43%, abaixo de muitas outras.

A automação será substituta das atividades repetitivas: cerca de 702 profissões, entre as quais, fazer traduções, dirigir veículos, vendas, construção, telemarketing, caixas em bancos e supermercados, analistas de crédito etc. tendem ao desaparecimento. A IA identifica padrões e automatiza essas atividades, então, habilidades como originalidade, criatividade e inteligência emocional, interpessoal ou social não são possíveis de automatizar com IA.

Entretanto, quando leio colegas do mainstream (corrente de pensamento auto classificada como “principal”), recitando a mesma ladainha neoliberal todos os dias no jornalismo econômico brasileiro – “elevação do juro e corte de gasto público para gerar uma recessão e atingir a meta de inflação” –, confesso me enjoar e pensar se eles não autômatos… Não poderiam ser substituídos pela IA com vantagem para os ouvintes ou leitores?

Também há anos eu já me cansei da literatura acadêmica, inclusive a autodenominada “heterodoxa”, pelo apelo contínuo aos argumentos de autoridade. O academista não se arrisca a afirmar nada por si próprio e sempre cita  sobrenomes e datas como demonstração de uma falsa sapiência ou erudição.

Prefiro  citar a lição de A Professora, minha mentora Maria da Conceição Tavares. Permitem-me o argumento de autoridade: – Fernando, nunca diga nada sobre a realidade sem comprovar com dados empíricos! Senão, como você é de esquerda, dirão ser ideologia. Faça seus adversários brigarem contra os números oficiais!

E assim tenho tentado há anos. Fui “predestinado” a iniciar minha carreira profissional no IBGE, em 1978, depois de defender minha dissertação de Mestrado.

Talvez por isso, eu estava aguardando ansiosamente o dia de divulgação do Censo Demográfico 2022 referente à Educação! Usava ainda os dados do Censo 2010 na minha aula sobre o mercado de trabalho para futuros economistas.

Considerando o total de trabalhadores ocupados, em 2010, 14,3% tinham graduação e 1% pós-graduação. Entretanto, no top 1% mais rico, 62,4% eram graduados, e 14,4% pós-graduados (9,3% mestres e 5,1% doutores), ou seja, 76,8% das pessoas mais ricas no Brasil tinham Curso Superior, embora elas fossem apenas 15,3% da população ocupada.

Então, a chance de chegar a esse topo do 1% mais rico era muito maior obtendo um diploma de curso universitário. Atingia essa faixa mais rica apenas 4,4% dos graduados, 13% dos mestres e 19% dos doutores. Com tal evidência empírica é fácil estimular os estudantes a… estudar!

Infelizmente, o Censo 2022 – Educação só apresentou os dados preliminares. Não é possível ver se aquela hierarquia de distribuição de renda se mantém, 12 anos após, com a maior massificação do Ensino Superior.

Em números absolutos, o número de habitantes com Ensino Superior Completo avançou mais de três vezes no país, entre 2000 e 2022, de 5,78 milhões para 25,85 milhões. Em 2010, o número tinha atingido 12,46 milhões, ou seja, dobrou.

Em 2022, entre a população brasileira com 25 anos ou mais de idade, 18,4% possuíam o nível de instrução o nível “Superior completo”. Esta proporção está em um nível muito inferior ao dos demais países no ranking dos mais ricos.

No entanto, a comparação com censos demográficos anteriores mostra uma evolução pronunciada desses indicadores no século corrente. Em 2000, 63,2% da população brasileira de 25 anos ou mais possuíam o nível “Sem instrução e fundamental incompleto” e apenas 6,8% haviam concluído Ensino Superior – proporção quase três vezes inferior à verificada em 2022.

A análise por cor (raça humana só existe a descendente do Homo Sapiens) permite observar expansão do acesso ao Ensino Superior em todas elas. A proporção da população branca com 25 anos ou mais de idade e nível superior subiu de 9,9% em 2000 para 25,8% em 2022. Entre as pessoas pretas, o crescimento foi de mais de cinco vezes, ao passar de 2,1% em 2000 para 11,7% em 2022. Já a população parda com esse nível de ensino também aumentou cinco vezes de 2,4% em 2000 para 12,3% em 2022.

Entre as pessoas com graduação em Medicina, por exemplo, 75,5% eram da cor branca. Na Economia, a distribuição é semelhante, com 75,2% de pessoas brancas. Essa situação estar se alterando gradualmente.

Essa mudança de cor é visível nas minhas salas de aula, em um curso de excelência como o do IE-UNICAMP, entre os primeiros no ranking universitário. Outra mudança visível entre estudantes universitários é a de gênero: entre as mulheres, 20,7% tinham nível superior completo, enquanto o percentual entre os homens era de 15,8%.

A pesquisa também apresenta as áreas com maior número de profissionais formados no Ensino Superior. O setor de Negócios, Administração e Direito tinha, em 2022, 8,408 milhões de pessoas. Desses, 2,467 milhões (9,5% do total) eram formados em Direito e quase 6 milhões em Negócios e Administração (23%).

Somando a modesta participação dos economistas (1,2%), quase ¼ dos profissionais trabalham diretamente com a atividade econômica. Mas a tabela abaixo mostra 26% (85 mil) deles, aliás como eu, estão em “fase de aposentadoria”, ou seja, com 65 anos ou mais. É um percentual bem superior ao de administradores (7%) e advogados (10%), indicando queda da demanda nas gerações mais novas pela minha profissão. Ela é difícil, depende da “meritocracia dos laços”, isto é, das redes de relacionamentos familiares, sociais e políticos.

Bem, para encerrar minha estória, já fui notificado pelo RH da UNICAMP ter de tirar cinco meses de férias no segundo semestre letivo, porque no próximo ano não poderei gozar delas por ser o ano da minha aposentadoria compulsória, vulgo “expulsória”. Completarei a idade limite para exercer a profissão (75 anos), embora eu ainda pense estar com saúde mental e capacidade intelectual suficiente para transmitir meus aprendizados nesse rápido ½ século

Rápido? Sim, aprendi, na minha vida profissional, o segredo da felicidade na vida cotidiana: é fazer somente o apreciado por você – e ainda lhe pagarem bem para isso!


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 10/03/2025