Em 1932, no auge da Grande Depressão, o candidato democrata à Presidência dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, adotou o mote Happy Days Are Here Again (Os Dias Felizes Estão Aqui Novamente, em tradução literal) em sua canção de campanha. Com letra otimista, a melodia falava da esperança em um futuro melhor com um novo ocupante da Casa Branca. Durante anos, foi o hino não oficial do Partido Democrata, antes de desaparecer na obscuridade. Hoje, os democratas talvez não tenham redescoberto a música, mas certamente estão abraçando seu espírito.
Desde que Joe Biden se retirou da corrida presidencial de 2024, os democratas viraram suas carrancas coletivas pelo avesso e abraçaram a candidatura da vice-presidente Kamala Harris com um fervor e entusiasmo que não víamos desde os dias inebriantes da histórica candidatura de Barack Obama à Casa Branca em 2008. Não é difícil entender essa mudança de comportamento. Eles passaram da crença de uma derrota eleitoral certa para a crescente sensação de que os norte-americanos podem eleger sua primeira presidente mulher. Por mais aterrorizada que esteja grande parte da Europa com a perspectiva de mais um mandato de Donald Trump, o medo entre os democratas é muito maior.
Biden é há muito tempo uma figura querida no Partido Democrata – um homem cujas retidão e empatia se destacaram no mundo de desconfiança da política americana. No entanto, sua vitória na eleição de 2020 deveu-se a uma explicação mais simples: os democratas estavam desesperados para expulsar Trump da Casa Branca. O fato de Biden ter chegado ao topo do partido foi um reconhecimento de suas habilidades políticas, mas também havia a crença predominante de que ele era o candidato mais bem posicionado para derrotar Trump. Foi por isso que 2020 registrou o maior comparecimento eleitoral da história recente dos EUA, com 17 milhões de norte-americanos a mais votando do que quatro anos antes.
Durante boa parte de 2024, os democratas foram consumidos pelo medo de que Trump retornasse à Casa Branca e trouxesse o caos, a disfunção e a mentalidade autoritária de seus primeiros quatro anos no cargo. Com Biden empatado ou atrás de Trump nas pesquisas, os democratas estavam retorcendo as mãos, mas sem entrar em pânico.
Então, em 27 de junho, Trump encontrou-se com Biden no palco para o primeiro debate presidencial, e as coisas não foram bem. Biden tropeçou nas palavras e pareceu muito desgastado por seus 81 anos. Temores de que o presidente estivesse velho demais para ganhar um segundo mandato, amplamente reprimidos pelos democratas, borbulharam na superfície. Durante três semanas o partido entrou em modo de colapso total, com muitos convencidos de que Biden estava fadado à derrota. Em meados de julho, ficou claro que ele havia perdido a confiança do partido, e Biden sabiamente abandonou a corrida.
A explosão de emoção que saudou a ascensão de Harris à cabeça da chapa foi mais do que apenas entusiasmo sobre a sua candidatura. Em uma tarde, os democratas passaram das profundezas do desespero sobre outro mandato de Trump para o extremo otimismo de que os dias felizes estavam de volta. Em uma semana, Harris arrecadou a impressionante soma de 200 milhões de dólares e ganhou mais de 170 mil voluntários na campanha.
Em uma semana, ela arrecadou 200 milhões de dólares e ganhou mais de 170 mil voluntários em sua campanha
Certamente, parte dessa empolgação teve algo a ver com Harris, que é uma candidata muito diferente daquela que fracassou quando concorreu à Casa Branca em 2019. Impulsionada pela onda de apoio à sua candidatura, a vice-presidente trouxe leveza e alegria à campanha eleitoral, em contraste com a postura sisuda de Trump e de seu companheiro de chapa, J.D. Vance. O fato de ter adicionado um piadista meio caipira à sua chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz, só aumentou o seu apelo. Seus comícios barulhentos e lotados trouxeram uma excitação à política do Partido Democrata que não se via há anos.
Se for eleita, ela será a primeira presidenta da história estadunidense – e apenas a segunda pessoa preta – a ganhar o cargo mais alto do país. Então, não deveria causar surpresa que Harris tenha rapidamente revertido os problemas incômodos de Biden com os eleitores negros. Mas o impacto sobre as mulheres americanas pode ser uma das dinâmicas mais interessantes da próxima campanha.
Quando Hillary Clinton perdeu a eleição de 2016, a derrota foi um resultado devastador para muitas mulheres. Não é surpresa que o primeiro grande protesto da vitória de Trump tenha ocorrido no dia seguinte à sua posse, na chamada Marcha das Mulheres, que atraiu quase 5 milhões de manifestantes.
Em 2018, passei as semanas antes da primeira eleição de meio de mandato após a vitória de Trump nos subúrbios de Memphis, no Tennessee, com mulheres indo de porta em porta para divulgar candidatos democratas. Todas elas me falaram sobre a raiva cortante, a frustração e o desamparo que sentiram assistindo às suas tevês na noite da eleição de 2016, quando perceberam que Clinton tinha perdido para um misógino maluco.
Algumas dessas mulheres votaram em Clinton e outras permaneceram em casa, mas todas ficaram tão amarguradas com a derrota dela que isso as transformou, praticamente da noite para o dia, em ativistas políticas, mesmo em um dos estados mais republicanos. O que testemunhei em primeira mão no Tennessee foi replicado em todo o país nos últimos oito anos.
Mulheres suburbanas estiveram na vanguarda das vitórias eleitorais do Partido Democrata em 2018, 2020 e 2022. Não é difícil imaginar que, para muitas, a oportunidade de votar em Harris seria uma oportunidade de corrigir o erro cometido contra Clinton e, ao mesmo tempo, oferecer um toque de finados adequado à carreira política de Donald Trump.
Se isso acontecer, os democratas poderão ver-se novamente cantarolando Happy Days Are Here Again… pelos próximos quatro anos. •
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Rindo à toa’