Curiosamente, todas as visões de um futuro ideal – ou do mundo após a morte – mostram um modelo social que muito se assemelha ao socialismo, um contexto sem classes e pacífico, e isso deixa claro que a paz só será possível através da supressão do capitalismo e da sociedade de classes, transformando nossa cultura na direção de um sistema que se importa com a equidade e a justiça social. Por outro lado, todas as distopias futuristas contemporâneas – como “Exterminador do Futuro”, “Blade Runner”, “Mad Max” ou mesmo “De Volta ao Futuro” entre outras – apontam para um porvir disfuncional, com o incremento violento e caótico das contradições capitalistas.
Isso me faz lembrar da história que Elizabeth Davis, parteira da Califórnia, me contou. Há muitos anos, em uma conferência, ela pediu para uma plateia lotada com centenas de enfermeiras para que imaginassem como poderia ser um “parto perfeito”. A regra para construir essa imagem mental era simples: não havia regras. Podia ser em qualquer lugar, em qualquer circunstância, com a ajuda de uma parteira, médico, xamã, obstetriz (ou até mesmo sem ninguém) e poderia ocorrer no lugar de livre escolha. Depois de alguns segundos com os olhos fechados, ela perguntou à plateia de enfermeiras obstetras quantas haviam imaginado o “parto perfeito” fora do hospital – o lugar onde praticamente todas elas trabalhavam. A resposta não trouxe nenhuma surpresa para quem conhece humanização do nascimento: praticamente todas as enfermeiras disseram que “o melhor parto possível” não ocorria no local onde elas mesmas trabalhavam, mas na segurança dos domicílios ou em uma Casa de Parto. Quase nenhuma acreditava que o melhor parto seria atendido em um hospital e por um cirurgião. Para elas a “utopia do parto” somente poderia surgir através de uma revolução no nascimento e pela mudança radical do modelo que hoje utilizamos.
Eu acredito que exatamente por isso as utopias são tão importantes. Inobstante o fato de serem distantes da realidade atual ou dificilmente factíveis, elas nos apontam o caminho a direção e o horizonte para a construção de uma nova realidade. Quando imaginamos o “parto ideal” ou uma “sociedade do futuro” e aparecem naturalmente sociedades igualitárias e partos fora do hospital isso nos mostra que insistir nos modelos atuais não parece ser o melhor caminho, e que a solução está na dura desconstrução de estratégias políticas e de cuidado que, apesar de terem valor e sentido em seu tempo, precisam ser suplantados se quisermos evoluir.
Entretanto, é essencial ter em mente que, para além do idealismo das utopias, é necessário colocar mãos à obra para que seja possível florescer a luta de classes e a revolução do parto.