Sonegação e Equilíbrio Fiscal
por Luís Antônio Waack Bambace
Um ministro relâmpago, de 16 de dezembro de 1992 a 1 de março de 1993, Paulo Roberto Haddad propôs equilibrar as contas públicas reduzindo a sonegação. Era o início do governo Itamar Franco, e este Haddad, que não tem parentesco com o atual ministro, numa entrevista à TV Cultura expôs suas ideias, não lembro se na época do Governo Sarney, ou quando foi ministro. Qual a sua ideia, se o sujeito não pedir nota fiscal, vai ter de pagar mais imposto de renda. Algo similar ocorre nos Estados Unidos, onde as alíquotas de imposto são mais altas, e abate até o imposto pago da nota fiscal do pãozinho da padaria da renda tributável. Aqui face à feira livre e outros itens, teria um abatimento fixo extra.
Se o sujeito não pede nota, eventualmente o vendedor sonega IPI, ICMS e ISS, fora ao não movimento detectado, pode dizer que menos gente trabalha com ele e aí sonegar a previdência. Vejamos o desconto em folha do INSS da parte da empresa contra desconto no faturamento. Se o valor descontado das empresas por calibração da alíquota for exatamente o que elas pagariam, a arrecadação não cai nem sobe. Sem encalhe de mercadorias, empresas muito automatizadas são penalizadas e as que geram mais empregos favorecidas em termos de pagamento de impostos. Com encalhe, todas colaboram com as que tiveram encalhes, e a conta sobe um pouco para todas as empresas. Só que todas precisam de menos capital de giro, já que só pagam quando o produto é vendido, e os custos caem para todas as empresas, e os bancos faturam e lucram menos.
Calibragem é tudo também no desconto de todas as notas fiscais em imposto de renda. O Paulo Roberto Haddad disse à época, que todas as alíquotas, inclusive de Imposto de Renda, poderiam cair à medida que a queda da sonegação equilibrasse as contas públicas, mas que num primeiro momento as alíquotas de imposto de renda deveriam subir e novas faixas criadas, para permitir que o desconto impostos pagos em notas fiscais entrasse em vigor. Hoje ele não precisa guardar notas, afinal quando alguém pede nota paulista, o crédito em seu CPF de benefícios para desconto em IPVA é automático, porque não no esquema proposto por Paulo Roberto Haddad? Mais que tal relatório mensal via arquivo pdf, no celular do sujeito via conta gov.br? Se não aparecer uma nota, ele fotografa e manda para a receita federal, aumentando o risco de quem sonega.
O Sonegômetro, um indicador do SINPROFAZ, estima que a sonegação fiscal no Brasil atinge R$ 626,8 bilhões anualmente segundo buscas no Google. Hoje, a emissão fiscal pode gerar, tal e qual na nota paulista, comunicação direta à receita federal e inclusão de informações para declaração pré-preenchida. Via estatística de sonegação por estado e setores econômicos, gerada pela inclusão automática, dá para a União reparar as perdas dos Estados e Municípios do imposto não arrecadado pela sonegação. Em 2024 a arrecadação total da União, Estados e Municípios foi de 3,6 trilhões de reais. Como perdas de ICMS e ISS são maiores que as de IPI e IOF, Estados e Municípios devem ter maior aumento proporcional de receitas, e aí dá para reduzir o suporte da União a estes entes federativos de modo a equilibrar as contas públicas em todos os níveis. Isto é bem mais que o triplo do déficit fiscal previsto para este ano, 97 bilhões, dos quais 51 bilhões são precatórios antigos, muitos empurrados com a barriga, quando um governo anterior adiou seus pagamentos para ter dinheiro para benefícios que talvez tenham tido cunho eleitoral. No ano de eleição mudou deixou de lado uma opinião que defendia há muito.
O déficit fiscal primário previsto para este ano no Brasil de 51 bilhões é de 0,81% de um PIB de 11,7 trilhões, ante a um déficit fiscal primário de 2,4 trilhões de dólares dos Estados Unidos com PIB previsto de 30,33 trilhões na melhor estimativa disponível, ou seja, 7,9% da melhor estimativa do PIB americano. Na questão de gasto público o que mais afeta a inflação e o próprio déficit público é a qualidade do gasto. Se o gasto é para financiar a produção de algo em falta no mercado, ou para compra antecipada de safra, dificilmente gerará inflação significativa. E deve-se lembrar que gasto sério aquece a economia, e sempre aumenta a arrecadação nominal, e que aumenta também a arrecadação real, se for bem dirigido e não causar inflação. Lembra-se também que um gasto público gera não só gastos de quem recebe a verba, mas de quem pega no banco dinheiro emprestado, decorrente da passagem pelo recebedor direto de seus recursos pela rede bancária. Contas equilibradas com gastos ruins, travam a economia e geram inflação, já que quem recebe vai querer ou entesourar no exterior, gerando alta do dólar, ou comprar bens físicos para se proteger da inflação. Em ambos os casos há subida de preços internos de algum setor.
A relação dívida/PIB baixaria, já que o PIB passaria a ser o real, e não um valor subestimado face a sonegação fiscal. Com menos sonegação, cai a lavagem de dinheiro e o volume de remessas ilegais ao exterior, o que aprecia o valor da moeda nacional. Sem sonegação todo o gasto dos governos, retorna a eles via impostos. Mesmo com sonegação, se não há remessa ao exterior de valores sonegados, se não pega na primeira ou segunda transação, pega em outra posterior, e o gasto retorna ao governo, só que agora com atraso maior. Lembrando que quem recebe do governo pode depositar dinheiro no banco, a tendência é sempre o governo arrecadar de quem recebeu qualquer quantia diretamente dele e de quem emprestou em banco o que os beneficiários diretos de gastos públicos lá depositaram.
Gasto público só gera inflação, se mal direcionado e, face ao mal direcionamento, a oferta de bens não melhora. Oferta e procura exige disponibilidade de bens total na economia compatível com a oferta de meios de pagamento. De certa forma a Modern Monetary Theory, debate este último tópico. Infelizmente a grande mídia trata temas econômicos de forma um tanto superficial, e não traz ao debate soluções mais efetivas. Seria bom que os jornalistas econômicos fossem atrás de palestras de todos os premiados com o Nobel de Economia, para entender mais sobre os avanços da teoria econômica depois de ler História Das Doutrinas Econômicas, livro de Paul Hugon. Com a base do melhor entendimento dos anos 1950, fica mais fácil entender os avanços teóricos gerados pelos agraciados com o Nobel.
Se você é um comerciante que paga os impostos religiosamente em dia, lembre-se que muito concorrente seu não paga, dá um desconto menor do que os montantes que ele sonega, e lhe faz concorrência desleal. Dependendo do caso, este concorrente desleal, consegue se esquivar de forma questionável de multas e penalidades. Recorre a laranjas, notas frias, contatos importantes, endereços falsos na era da internet, e por aí vai.
De repente o debate dos ajustes das contas públicas ganha um novo fôlego com as ideias meio esquecidas do Paulo Roberto Haddad.
Luís Antônio Waack Bambace – Engenheiro Mecânico. PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.

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