Neste 08 de março de 2025, convido a todos para refletirmos sobre as consequências que as mulheres negras vivem na sociedade, que historicamente nos definem como as Preteridas e não com as Preferidas pela sociedade.
Desde a época da escravidão, a mulher negra foi tolhida de exercer seus direitos, seu destino foi entregue ao senhoril, que de acordo com o que fosse conveniente, decidiria de que forma aquela escravizada seria útil.
A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas as mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas. (DAVIS, 2016, p.25)
Tanto mulher negra como o homem negro eram tratados como coisas, reduzidos ao status de objeto.
Pouco, ou quase nada mudou de lá pra cá, pois seguimos sendo objetificados. Vivemos em uma sociedade que segue reproduzindo esse processo de desumanização.
Isso acontece, por exemplo, quando somos desprezadas, quando somos alvo de preterição. Sempre a preferência é a “outra” ou “outro”, mas nunca nós, as negras.
Situações como essas acontecem quando somos desqualificadas e silenciadas. Sueli Carneiro fala que esse processo é um epistemicídio, pois negam nossa intelectualidade e produzem um apagamento de nossos saberes. Na mesma linha, Winnie Bueno (2023), traz à tona o fato de não sermos reconhecidas, faz com que ninguém acredite em nós. Somos resumidas a um problema social.
Isso tem muita relação com o silenciamento que sofremos cotidianamente. Aintelectual Grada Kilomba (2019) aborda essa reflexão, quando questiona: “Pode a subalterna falar?”. Grada apresenta as dificuldades das pessoas negras, principalmente mulheres, expressarem pensamentos e serem ouvidas dentro dos regimes coloniais e racistas. O silêncio é uma arma eficaz de manutenção do racismo, gerando traumas por vezes irreversíveis para as pessoas negras, ainda mais para as mulheres.
Com as negras tudo é assim:
É assim quando somos violentadas, que o pedido para que nos calemos é muito mais rigoroso.
É assim quando estamos parindo, quando uma enfermeira manda parar de fazer “fiasco”. É assim quando somos injustiçadas, ao respondermos somos tratadas como as raivosas.
É assim quando a única alternativa é trabalhar numa escala 6 X 1.
É assim quando somos descartáveis, seja na amizade, nas relações de afeto, no trabalho, na vida. Basta sair do lugar de subserviência.
É assim quando os homens, em especial os negros, escolhem ter uma relação afetiva com mulheres brancas.
É assim quando somos mortas, assassinadas violentamente!
E tudo isso não significa que as mulheres brancas não tenham vivências parecidas, a diferença está na forma como é naturalizado pela sociedade quando se trata de mulheres negras. Somos oprimidas desde que nascemos, e a sociedade aprende a seguir reproduzindo as diferentes formas de opressão, Collins chama esse fato de imagens de controle.
É preciso revertermos essa lógica; primeiro, potencializando tudo que o feminismo negro pode vir a contribuir para nossa sociedade; segundo, porque são as mulheres negras, em sua maioria, que respondem direta e indiretamente pelo desenvolvimento do Brasil.
Não é à toa que Davis registra para eternidade a importância de estarmos em movimento, para mover com as estruturas da sociedade. Assim como dar espaço de fala às negras, pois como Audre Lorde (2019) afirma, o silêncio não vai nos salvar.
Romper com o capitalismo é lutar contra o que nos destrói todos os dias, o que nos impede de cuidarmos de nós mesmas, que nos impede de estudar, de cuidar da nossa família, que nos impede de ter momentos de lazer, de esporte, de cultura. Quanto tempo faz que você não cuida de si mesma?
O que nos impede de fazer tudo isso, está explícito na forma como o mercado de trabalho impõe suas condições. Como, por exemplo, a mão de obra precária e barata com as empresas terceirizadas, na UBERização, no trabalho análogo à escravidão, etc.
Não somos as Preferidas, somos as que hoje setornam os maiores índices do Brasil, sejam eles da violência, da fome, do desemprego, da pobreza, do desamor.
Não somos benquistas para assumir espaços de poder, não somos escolhidas numa seleção de trabalho que nos coloque na vitrine, não somos as favoritas num concurso de moda, não somos as que homens preferem namorar e casar.
Conscientes de tudo isso, desde a década de 70, as mulheres negras integraram a sua luta à proposição do feminismo negro, que ao contrario do que dizem, não é identitário, mulheres que historicamente são colocadas em um lugar de cuidar dos outros não fariam um movimento sem olhar para o outro. Nessa luta, as mulheres negras se atentam à interseccionalidade de suas vivências, mas também das opressões que as pessoas em geral vivem ao seu redor.
Com o avanço da extrema-direita, recuar não deverá ser a nossa estratégia, é preciso repensar nossa forma de atuar e ser no mundo, e esse avanço ocorre, por vezes, nas brechas das insuficiências e das imperfeições da democracia, ou seja, a extrema-direita, através de seus discursos de ódio, de desinformação pública, propõe um estelionato. Ganha apoio de quem quer uma democracia melhor, mas quando está no poder entrega democracia nenhuma.
Nossa Luta é por uma democracia longe dos golpistas, dos racistas e dos machistas. É cadeia para os inimigos das mulheres.
Nossa Luta neste 08 de março é para que a sociedade entenda de uma vez por todas que as mulheres negras são e podem ser PREFERIDAS em vez de PRETERIDAS.
Grazi Oliveira é vereadora, mulher negra e bixessual