Escolha de Sofia entre Diminuição da Pobreza ou da Desigualdade

por Luís Carlos da Silva

A “escolha de Sofia” se refere a uma presa com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, no campo de concentração de Auschwitz durante a II Guerra. Um sádico oficial nazista dá a ela a opção de salvar apenas uma das crianças da execução, ou ambas morrerão, obrigando-a à terrível decisão.

A esquerda, hegemônica em um governo, deve escolher entre as políticas para diminuir a desigualdade e as políticas para diminuir a pobreza? Ambas têm objetivos relacionados, mas abordagens e focos diferentes.

As políticas para diminuir a pobreza têm foco no alívio imediato. A assistência social direta fornece recursos ou serviços diretamente às pessoas em situação de pobreza, como alimentos, moradia, educação e cuidados de saúde. Entre outros exemplos, há programas de transferência de renda, como o Bolsa Família no Brasil, cupons de alimentação, e subsídios diretos.

A criação de oportunidades é feita por meio de programas de capacitação e qualificação profissional, visando aumentar a empregabilidade dos pobres. Os investimentos em educação básica e saúde melhoram o capital humano, isto é, a capacidade de ganho pessoal.

A redução de vulnerabilidades se obtém por meio de políticas cujo objetivo é reduzir a exposição a riscos. Entre outras, existe o seguro-desemprego e os programas de segurança alimentar.

Por sua vez, políticas para diminuir a desigualdade focalizam a redistribuição de renda e riqueza. Focam na redistribuição de recursos econômicos para reduzir a disparidade entre ricos e pobres. Incluem políticas fiscais progressivas, como impostos mais altos sobre rendas mais elevadas e sobre a riqueza.

A busca de igualdade de oportunidades visa assegurar a todos, independentemente de sua origem socioeconômica, terem acesso igual a oportunidades, como educação de qualidade e saúde. As políticas de ação afirmativa e cotas étnicas e/ou sociais em Universidades públicas são exemplares.

Bem-intencionados planejadores pretenderam a adoção de políticas reguladoras dos mercados, para garantir salários e condições de trabalho serem justos. Porém, deveriam permitir os preços relativos serem indicativos de boa alocação de capital.

Cabe sim evitar monopólios e incentivar a inclusão social de minorias e grupos marginalizados. Junta-se ao fortalecimento de instituições promotoras da igualdade, como sistemas de justiça acessíveis e igualitários, e mecanismos de participação democrática.

As diferenças chave entre essas políticas contra a pobreza e contra a desigualdade se iniciam na temporalidade e alvo de cada qual. As primeiras, geralmente, têm um foco mais imediato e específico, visando aliviar a condição atual dos pobres. As segundas são mais estruturais e de longo prazo, visando modificar as condições capazes de perpetuar a disparidade econômica e social.

Quanto ao âmbito, as políticas anti-pobreza geralmente têm um escopo mais restrito, focando diretamente nos indivíduos ou grupos pobres. As políticas anti-desigualdade têm um escopo mais amplo, abordando a distribuição geral de recursos e oportunidades em toda a sociedade.

O sucesso das políticas de combate à pobreza é medido pela redução do número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Por sua vez, o sucesso das políticas de combate à desigualdade é medido pela redução das disparidades econômicas e sociais, como a diferença entre os 10% mais ricos e os demais mais pobres.

Portanto, enquanto as políticas para diminuir a pobreza buscam principalmente melhorar a situação dos mais desfavorecidos, de maneira direta e imediata, as políticas para diminuir a desigualdade buscam modificar a estrutura socioeconômica para criar uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades.

Os termos “eficiência” e “eficácia” são relacionados e usados juntos, mas não são sinônimos e descrevem aspectos diferentes do desempenho e do sucesso de atividades econômicas e sociais. A eficiência coloca o foco na otimização de recursos, enquanto a eficácia focaliza a obtenção de resultados. Idealmente, processos e ações devem ser tanto eficientes quanto eficazes, alcançando os objetivos desejados com o menor uso possível de recursos.

Quase todo o socialismo real, infelizmente, não obteve nem eficiência nem eficácia, fracassando no intento de privilegiar o combate à desigualdade em lugar de solucionar a pobreza. Nivelou a população por baixo – e a nomenclatura de maneira hierárquica por cima. Nós, companheiros de esquerda, devemos rever nossos conceitos e práticas em um debate plural e franco.

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/. E-mail: [email protected].

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Última Atualização: 08/07/2024