Em seu recente discurso de posse(01/01/2025), Sebastião Melo, prefeito reeleito de Porto Alegre deixou triste e mesmo indignado, o cidadão que, dispondo no mínimo de bom senso, acabou por ver-se submetido à tortura de um discurso criminoso, na cerimônia de posse de Sebastião Melo, em que este, sem cerimônias, atacou a democracia.
Isto porque, Sebastião Melo, em nome da chamada liberdade de expressão defendeu a ditadura e, com isso, cometeu um crime grave contra o Estado Democrático de Direito e deve, portanto, ser respondabilizado.
Aliás, a apologia à ditadura não deve, em determinadas circunstâncias, ser interpretada apenas como absoluta falta de conhecimento histórico ou a mais elementar ausência de bom senso, porque este não é o caso. Neste episódio inesquecível, nesta cerimônia lamentável, Sebastião Melo, fez a defesa intencional de um regime autoritário, porque pretende ladear-se, politicamente, por aquele segmento da população, que visa abolir a democracia.
E embora se saiba que o regime ditatorial, no Brasil, não só perseguiu, prendeu e torturou, mas também assassinou adversários políticos, então, haverá alguém ingênuo o suficiente para acreditar mesmo que Sebastião Melo, não tem, ao menos, o conhecimento rudimentar destas práticas da ditadura?
Haverá alguém tão despreparado em política, que conceba que Sebastião Melo, ignore a prática de censura sistemática do regime autoritário?
Ora, se Sebastião Melo, tem conhecimento da inexistência da liberdade de expressão durante a ditadura e também sabe das atrocidades de tortura e demais crimes praticados pelo regime autoritário, então, porque Sebastião Melo, fez a defesa da ditadura ?
A resposta categórica é: porque Sebastião Melo é autoritário.E assim sendo, é conivente com condutas violentas no trato político e isto significa também que ele, ao menos em tese, é um perigo para a democracia.
A postura de defesa da ditadura por Sebastião Melo, em cerimônia pública de posse, configura conduta de agitação política antidemocrática, com evidente teor de viés autoritário e, em consequência, deve-se imputar as devidas responsabilidades, a fim de que tal prática – por efeito de contaminação – não se replique em outros ambientes e contextos.
Aliás, o discurso de Sebastião Melo deve servir de alerta, pois, demonstra que ainda há muito a ser feito para expurgar do corpo político da sociedade brasileira, o risco de um revés autoritário no país, pois, enquanto algum político sentir-se à vontade para, publicamente(em plena luz do dia), defender a ditadura, este perigo sempre estará posto.
Sebastião Melo, vergonhosamente, assim se pronunciou
“Eu quero que, nesta tribuna e nas [quase] 6.000 casas legislativas municipais [do país], no Congresso Nacional, um parlamentar ou qualquer do povo diga ‘eu defendo a ditadura’, e ele não pode ser processado por isso, porque isso é liberdade de expressão”,
Que Sebastião Melo seja processado por isso, isso é o que eu quero e, no mínimo, é o que se espera de instituições democráticas que tenham a dignidade de preservar-se, antes mesmo que, a referida audácia antidemocrática ganhe, novamente, musculatura política colocando em risco,a própria existência do Estado Democrático de Direito.
Dizer como Sebastião Melo ‘eu defendo a ditadura’ significa dizer que se é, na prática, defensor de perseguições, torturas e assassinatos de adversários políticos, o que significa dar permissão para tais crimes ocorrerem ou anuir praticá-los.
Desta forma, o que é dito traduz um conjunto de valores com o qual se comunga e, no limite, é colocado em prática, por meio das interações socialmente produzidas.
E isto ocorre com as pessoas em geral: sejam elas devotas ou não de alguma religião, partidárias de um ideal político, ativistas de alguma causa (ambiental,por exemplo), praticantes de atividades esportivas ou mesmo um cidadão que busca fazer a diferença e oferecer alguma contribuição à sociedade.
O que constitui o denominador comum destas diferentes atuações é que: todos possuem valores que prezam e por isso, não só o defendem como, minimamente, buscam praticar, ou seja, viver estes valores, sem o que estes valores não teriam valor algum e, portanto, não haveria necessidade sequer de defendê-los.
Daí porque, por exemplo, quando um homem adota diante de uma mulher uma prática verbal agressiva, a insultando, isto exibe um conjunto de valores ao qual, consciente ou inconscientemente, dá consentimento e por detrás das agressões verbais, se oculta uma determinada visão de mundo segundo o qual: o homem é superior.
Por isso, se é superior também é o mais forte e, assim sendo, deve se impor, o que implica em submeter o sexo feminino,inclusive,se for o caso, pela força.
E não é incomum que discussões verbais entre os gêneros resulte, em geral, na agressão física da mulher, quando não em feminicídio, e o que, antes, eram expressões de ofensa resultam, então, em assassinato.
Ocorre que para o homem autoritário toda relação, seja ela amorosa ou política, é uma relação de força.Ele se guia por valores como: superioridade, imposição, poder, domínio, violência, sujeição do fraco e quer se ver livre para, de forma autêntica( sem máscaras) exprimir está liberdade de coação.
Isto quer dizer que, quando alguém, por um lado, se vê livre para exprimir o que sente, por outro lado, também se vê livre para praticar aquilo como se sente. Ou seja, os valores que cada um adota só são valores e, portanto, só tem a preciosidade de algo importante, porque aquilo que é prezado também é sentido e sentido por alguém, como parte que lhe constitui a própria existência, sem o que não se pode ser o que se é.
Daí porque, em um conflito, ao sentir que é superior à mulher, o homem que é autoritário, busca se impor por meio de gritos e/ou ofensas verbais e, no entanto, quando utilizando-se deste expediente de intimidação, ainda não consegue sentir que exerce seu pleno domínio sobre ela, então, em atitude violenta, a machuca ou físicamente, a elimina, porque em muitos casos, somente assim, neste extremo de extravasamento da força ,ele, sentirá o gozo do poder que julga e quer exercer sobre esta alteridade, ela, que por ter desejado não submeter-se mais traz, na ótica dele, enquanto opressor, a marca indesejável de questionar-lhe a própria existência, e, com isso, lhe recusar seu lugar de direito: que consiste, no relacionamento e devido sua condição de homem, ter assegurado sua permanência no pólo de domínio, desta relação.
Daí depreende-se que: a liberdade de expressão nada mais é do que a tradução da liberdade de existir, de acordo com os valores que se prezam porque estes são sentidos como importantes, uma vez que, conferem o sentimento de que a existência ocorre, tal qual se é e, portanto, de forma autêntica.
Acontece que não só em um convívio amoroso, as partes da relação devem sujeitar-se às normas, tanto àquelas internas à relação, quanto às leis ditadas pela sociedade para eventual mediação de conflito, mas o próprio convívio social, a existência no seio comunitário, por si mesmo impõe ao indivíduo limites, o que significa que para viver em sociedade e, portanto, em uma dada comunidade política, o indivíduo deve, necessariamente,de forma voluntária, renunciar parte de sua liberdade por meio da observância e cumprimento às regras instituídas que asseguram o bem-estar coletivo e, na hipótese do indivíduo transgredir às normas vigentes que protegem a comunidade, então, recairá sobre o ofensor o ônus do desagravo praticado, de modo que, tal conduta desviante deve ser, exemplarmente, punida pela lei, a fim de que os outros membros da comunidade sejam coagidos, a não renovar a prática ofensora contra o coletivo.
Desta forma, a relação entre indivíduo e sociedade, bem como liberdade e constrangimento legal, atravessam a história da sociedade humana e estão presentes mesmo nas comunidades primitivas e se assim não fosse, o caos social ou a guerra total: de todos contra todos, seria uma realidade, ou seja, a norma e não uma eventual exceção, que deve a todo custo ser evitada.
O discurso repulsivo de Sebastião Melo é, portanto, o exemplo de uma agitação antidemocrática que deve ser coibida com todo o rigor da lei, porque a incitação criminosa à defesa da ditadura coloca em risco o corpo político do Estado Democrático de Direito atentando contra sua existência e, com isso, visa cooperar para que, a comunidade política democrática mergulhe no caos social, para sua mais completa dissolução.
Observe
” Eu quero que, nesta tribuna e nas [quase] 6.000 casas legislativas municipais [do país], no Congresso Nacional, um parlamentar ou qualquer do povo diga ‘eu defendo a ditadura’, e ele não pode ser processado por isso, porque isso é liberdade de expressão”,
Sebastião Melo refere nesta agitação autoritária sua vontade de que a defesa da ditadura adquira abrangência nacional e seja endossada por homens públicos ou populares, não sujeitos às devidas sanções legais.
O que significa que: tal permissividade estimularia a renovação da ofensa e, assim, conforme sua vontade autoritária, Sebastião Melo advoga que, ao invés de proteger-se, a comunidade democrática, em nome do que chama liberdade de expressão, deveria, ela própria, consentir ser assassinada, o que equivaleria ao suicídio, que é o único momento em que: há o triunfo do impulso de destruição sobre o impulso de auto-preservação. E neste caso, o suicídio político só pode ocorrer, de fato, se a democracia vier, de acordo com a vontade de Sebastião Melo, abrir mão da coação legal como instrumento de autodefesa.
Neste cenário, em que a democracia deveria negligenciar a si mesma, dando azo, então, que houvesse a difusão em larga escala de defensores da ditadura, conforme a vontade e a liberdade de expressão de Sebastião Melo, o caos se instalaria, não pelo fato de livremente, os autoritários, se expressarem pró-ditadura, mas porque da livre expressão passariam a pleitear a liberdade de ação, uma vez que, também a existência dos autoritários não está condicionada a mera verbalização dos valores que comungam.
Isto quer dizer que, nenhuma palavra é oca, pois, carrega em si um conteúdo que a significa e a palavra em questão: ditadura, contém um conjunto de valores que lhe atribuem significado, onde alguns, por isso, a repudiam e outros a exaltam.
Para os autoritários a palavra remete: a emprego da violência, extravasamento da força, domínio sobre o outro e nesta relação hierárquica onde o mais forte oprime o mais fraco, interpretam haver autenticidade, uma vez que, em um regime ditatorial, os autoritários entendem que não será necessário mascarar sua vontade de exercer o mando e disto decorre o entendimento do que concebem ser a liberdade, ou seja, o direito de serem livres, para sem coação oprimir, e isto após: suprimir a democracia.
A liberdade de expressão, na perspectiva dos autoritários, nada mais é do que um engodo.
A liberdade de exprimir é a liberdade para suprimir; suprimir a democracia.
A liberdade de exprimir é a liberdade de oprimir; oprimir o outro; opressão sem véus, sem máscaras, de forma visível, à luz do dia.
Porém, a democracia obstrui aos autoritários, a possibilidade de, verdadeiramente, existirem tal qual desejam e, assim, se revoltam com o fato de não sentirem o gozo desta existência dominadora, na medida em que, sua sede de domínio é freada por meio de restrições, onde o caráter de seu mando deve manter-se implícito e, em consequência, os autoritários se vêem oprimidos, em um regime democrático, por não poderem ser autênticos, nem livres para a exibição e exercício pleno de seu poder.
Neste sentido, a retórica agressiva dos autoritários, antes consiste em uma catarse, uma forma de extravasamento verbal, violento, de uma força dominadora que é contida, nos marcos do regramento democrático.
A liberdade de expressão reivindicada como legítima pelos autoritários é, então, primeiro enquanto catarse, também o primeiro ato de subversão dos opressores, e visa por meio da violência verbal impor, no âmbito do cotidiano, os valores que quer que prevaleça.
Daí, os autoritários esperam que por meio da comunicação violenta, novas adeptos à causa sejam adquiridos, sobretudo, pela impacto inusual que suscita, no início, esta forma de interação e transmissão da mensagem aos receptores, que, aos poucos, acabam por naturalizar tal interação e convertem, assim, em hábito o discurso violento, reproduzindo-o,posteriormente, nos mais diferentes contextos, o que, então, não visto mais como formas de expressão de apenas alguns indivíduos, mas a maneira de exprimir-se de um aglomerado deles em contínua expansão, provoca, por isso, o reforço do uso do linguajar bélico, na medida em que, o aumento de adeptos encoraja a reiteração do discurso de ódio por sentirem-se, os autoritários, protegidos uns pelos outros.
Aliás, este é o motivo pelo qual, Sebastião Melo, externa sua vontade de que o discurso em defesa da ditadura e, portanto, o suposto legitimo exercício do direito à liberdade de expressão, adquira abrangência nacional.O que ocorre é uma agitação, uma convocação aos autoritários, feita por Sebastião Melo, para que estes se mobilizem com o fito de protegerem-se uns aos outros, neste novo levante autoritário
A proteção aqui, que fique claro, é contra a democracia. Ou seja, se por um lado, Sebastião Melo, exibe sua vontade autoritária de que a democracia não se proteja e permita livre curso a expressões que lhe coloquem em risco, por outro lado, busca incitar que os autoritários se mobilizem em mútua autoproteção e cooperação contra a democracia.
Como se pode observar,aqui, já se deu um passo a mais e Sebastião Melo, tem plena consciência disto. Aqui não se trata mais de catarse, do uso disperso do discurso violento como forma de comunicação visando subverter os valores democráticos, aqui, Sebastião Melo, já se propõe a subverter, de forma organizada, por meio de indivíduos que, mutuamente, se apoiem em sua retórica explosiva pró-ditadura. Aqui, Sebastião Melo, já esta na detestável antessala do golpe
Isto demonstra que a liberdade de expressão não pode ser só liberdade de expressão. E que, na perspectiva dos autoritários, a liberdade de se exprimir exprime tão somente a liberdade que se quer ter para, de forma explícita, oprimir e, portanto, viver plenamente de acordo os valores que exibem sua força e poder.
E para viverem a autenticidade e liberdade que permitem aos autoritários, enquanto dominadores, gozarem seu comando devem, para isto, executarem a democracia e Sebastião Melo, exprime a vontade de colaborar neste assassinato, porque para os autoritários, a maior expressão de sua liberdade é viver a sua posição de mando, sem qualquer freio ao exercício de seu domínio e neste sentido a democracia é ainda um empecilho, porque restringe ao tornar implícito o extravasamento da violência e poder dos dominadores (a dominação torna-se -digamos – menos visível ou até mesmo, invisível).
Decorre, então, que o passo seguinte é inevitável.Os autoritários passam, então, a ser violentos, não mais apenas no discurso, mas também na prática, porque é somente por meio desta combinação fatal, que a eles será possível alguma esperança em seu triunfo, e para que enquanto autoritários,se possa viver a existência, mas,de acordo com os valores defendidos e para isto os autoritários já querem tornar,novamente,visível seu domínio.
E nisto já somos experimentados.O 8 de Janeiro de 2023 fundamenta muito bem minha tese de que: o expediente usado pelos autoritários para reivindicar a liberdade de expressão é apenas a antessala do golpe.O 8 de Janeiro foi, então, o golpe. Foi então, a livre expressão visível de como os autoritários são capazes e engenhosos para buscar impor, no cotidiano, seus valores. Eles são capazes de tudo.São capazes de articularem uma insurreição.E são capazes de matarem a democracia.
Aliás, já temos experiência acumulada suficiente para não permanecermos perplexos, diante da audácia autoritária de Sebastião Melo, e procrastinar a responsabilização do mesmo, por incitar uma nova revolta antidemocrática, ao fazer sem cerimônias, a apologia de um regime sanguinário e detestável: a ditadura.
Charles Gentil
Presidente do Diretório Zonal PT do Centro