Sem regulação, as plataformas têm poder absoluto para impulsionar ou enterrar conteúdos conforme seus interesses

Nos últimos anos, assistimos a uma transformação profunda na economia mundial: os dados, base para a construção da informação, tornaram-se o ouro do século XXI. Informações pessoais — hábitos de consumo, preferências políticas, interações nas redes sociais — são coletadas, negociadas e usadas para manipular comportamentos. É assim que gigantes como Facebook, Instagram, Google e X (antigo Twitter) prosperam. Ao contrário das rodovias, em que outdoors são vistos por todos igualmente, as plataformas digitais sabem exatamente o que você quer ver — e o que precisa ouvir para mudar de opinião.

Essas empresas não são gratuitas por generosidade. Você não é o cliente, você é o produto. O verdadeiro cliente é o anunciante, que paga para que sua atenção seja comprada, disputada e dirigida. Não existe transparência sobre como esses dados são usados. Quem nunca conversou no WhatsApp sobre um produto e, minutos depois, viu o anúncio dele no Instagram? Coincidência? Difícil acreditar.

A manipulação vai muito além do consumo. Redes sociais já foram usadas para distorcer votações, estimular ódio e provocar rupturas históricas. O Brexit, no Reino Unido, contou com apoio decisivo de campanhas digitais enganosas que custam ao país cerca de US$ 178 bilhões por ano. Em Mianmar, o Facebook foi ferramenta de incitação ao genocídio contra a minoria rohingya, que deixou milhares de mortos e 700 mil refugiados.
No Brasil, a polarização política se aprofundou na mesma velocidade em que as redes sociais se tornaram parte do cotidiano. Isso não é coincidência. Dados e algoritmos são usados para dividir sociedades, criar crises de confiança e enfraquecer instituições. Não por acaso, Donald Trump tentou banir o TikTok — concorrente chinês das plataformas americanas — e agora ataca a Lei Geral de Proteção de Dados, bem como decisões da Justiça brasileira que responsabilizam empresas pelas consequências do conteúdo que hospedam.

O discurso é de defesa da “liberdade de expressão”, mas o que está em jogo é a liberdade de manipulação e exploração. Um exemplo concreto é o Pix, revolucionário sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central do Brasil. Trump e as big techs não querem extingui-lo — querem controlá-lo. O interesse é privatizar esse sistema público e gratuito, repassando-o a empresas americanas. Para isso, basta criar desconfiança, espalhar a falsa ideia de que o governo pretende taxar o Pix, usando parlamentares alinhados a esses interesses para amplificar mentiras em vídeos que, com a ajuda de algoritmos, chegam a milhões de brasileiros.

Sem regulação, as plataformas têm poder absoluto para impulsionar ou enterrar conteúdos conforme seus interesses econômicos e políticos. Elas já mostraram, no passado, que não hesitam em usar esse poder. O que as impediria de influenciar, de forma invisível, as próximas eleições no Brasil?

A hora de agir é agora. Precisamos aprovar a regulação das big techs e construir uma infraestrutura digital que garanta soberania, transparência e liberdade para o povo brasileiro. Cada dia que passa sem enfrentarmos esse debate é um dia a mais de vulnerabilidade diante de corporações que não prestam contas a ninguém.

A escolha é clara: ou entregamos o controle de nossa vida digital a empresas estrangeiras — e a governos que as representam — ou tomamos o destino tecnológico do Brasil em nossas próprias mãos.

*Zeca Dirceu é deputado federal (PT-PR)

Publicado originalmente no Jornal O Globo

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Last Update: 08/09/2025