Ontem, dia dois de setembro, foi publicada no Brasil 247 uma coluna de autoria de Rafael Valim intitulada “O caso Bolsonaro não é lawfare”, na qual, como o próprio nome já indica, seu autor busca desfazer a ideia de que haja uma perseguição judicial a Bolsonaro e aos bolsonaristas.

Segundo Rafael:

Líderes à direita e à esquerda tem se valido, sem qualquer critério e com propósitos meramente performativos, do rótulo “lawfare”. Busca-se apenas e tão somente deslegitimar a acusação e o órgão julgador.” e “Se assim o fizermos, perdermos todos. A banalização do termo subtrai o seu enorme potencial de desvelar e denunciar um fenômeno complexo, multifacetado e que ameaça gravemente as democracias constitucionais. O lawfare, ao converter as normas jurídicas em instrumentos de guerra, resulta na negação do Direito e dos direitos e, nessa medida, deve merecer ampla e irrestrita censura.”.

Ou seja, para o autor, o fato de que a defesa de Bolsonaro chame de lawfare -perseguição judicial, em português – o processo político movido contra ele é apenas uma tática adotada com o intuito de deslegitimar o processo, o que é óbvio, já que todas as pessoas que se valem desse termo têm esse objetivo. No entanto, é necessário responder: por que o processo não se configuraria como uma perseguição?

Tentando responder a pergunta, a coluna diz:

Eventuais críticas à condução do processo penal em que Jair Bolsonaro figura como réu, assim como alegações de erros de procedimento ou de julgamento – passíveis de revisão nos termos da legislação em vigor – não se confundem com a caracterização de um processo como lawfare, situação em que atos processuais e extraprocessuais do Estado revelam a instrumentalização do Direito com o objetivo de destruir uma pessoa considerada inimiga.

Diferentemente da Operação Lava Jato – um evidente caso de lawfare que macula a história do sistema de justiça brasileiro –, no caso Bolsonaro não há uso estratégico do Direito para deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o ex-presidente. A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro expõe, com clareza e objetividade, os fatos imputados, assegurando o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Há provas abundantes, obtidas de forma legal, de que ele: (i) estruturou e liderou um grupo voltado à prática de atos contra o regime democrático; (ii) estimulou medidas para impedir a posse do presidente eleito; (iii) tentou depor um governo legitimamente eleito por meio de ações institucionais e populares; e (iv) colaborou com a depredação das sedes dos Três Poderes.

Ora, se a definição para lawfare é “situação em que atos processuais e extraprocessuais do Estado revelam a instrumentalização do Direito com o objetivo de destruir uma pessoa considerada inimiga”, como pode-se justificar que não há perseguição em um processo em que uma das supostas vítimas é o próprio juiz do caso? Como é possível que não seja perseguição um julgamento que se inicia no STF, não na primeira instância, como prega a Constituição? Nem mesmo no plenário está acontecendo o julgamento, mas sim na mesma turma de Alexandre de Moraes, desafeto público de Jair Bolsonaro.

Fora as questões levantadas no parágrafo anterior, muitas outras irregularidades aconteceram durante o processo, como, por exemplo, o fato de que Alexandre de Moraes proibiu que Bolsonaro utilizasse suas redes sociais, sem nenhuma lei que permita isso. Trata-se, evidentemente, de uma perseguição jurídica com fins políticos.

Também é interessante observar que o autor da coluna argumenta que existem muitas provas contra Bolsonaro. No entanto, não cita nenhuma, o que tem sido a norma para todos os textos que argumentam a favor da condenação do ex-presidente.

Por exemplo, quando Rafael argumenta que Bolsonaro “(ii) estimulou medidas para impedir a posse do presidente eleito”, não há sequer crime. Se fosse crime, Rafael deveria pedir primeiro que pessoas como os golpistas de 2016 que faziam manifestações contra o governo Dilma fossem presos. Seguindo a lógica, apesar de Bolsonaro ter sido eleito em um golpe orquestrado sobretudo pelo STF em 2018, ainda assim, a máscara democrática faria com que a esquerda que pedia “Fora Bolsonaro” tivesse que ser perseguida, pois, se trataria em tese de um governo eleito.

Não tem sentido algum a posição do colunista e praticamente acaba com a luta política caso seja levado a sério.

Já nos outros pontos apresentados, simplesmente não há nada que comprove a participação de Bolsonaro.

Na sequência, Rafael apresenta o seguinte:

Ademais, as medidas cautelares decretadas contra o ex-presidente restringem de maneira proporcional seus direitos fundamentais, traduzindo medidas rigorosamente indispensáveis à salvaguarda do processo penal.

Gostaríamos de saber em que lugar é permitido que um juiz, mesmo um do STF, tenha o direito de impedir que alguém se defenda na internet. É até cômico, já que as medidas cautelares seriam para impedir que Bolsonaro fugisse do país, o que é muito difícil de se fazer através do X, do Instagram ou do Facebook.

Por fim, alguns comentários sobre a ilusão que os setores que estão a favor da condenação de Bolsonaro compartilham:

O julgamento de um ex-Presidente da República, de seus assessores imediatos e de militares pertencentes à cúpula das Forças Armadas por crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito é um basta decisivo para a ressignificação do nosso passado autoritário e para a construção de um futuro de liberdade.

Depois de tantos anos imersos em ditaduras sangrentas, que calaram, torturaram e espoliaram nossos povos, não podemos permitir anistia nem amnésia. Todos aqueles que atentaram contra as instituições democráticas devem ser submetidos a um julgamento imparcial, dentro dos limites do devido processo legal, e responsabilizados pelos crimes que comprovadamente cometeram.

Como é possível que os golpistas de 2016, os mesmos que derrubaram Dilma e impediram Lula de concorrer às eleições de 2018 podem ser os responsáveis em dar um “basta” nos golpes de Estado? Foram eles mesmos que acabaram colocando Bolsonaro no governo.

Fora isso, os militares da ditadura foram todos anistiados. Nenhum dos torturadores e assassinos foi parar na cadeia por seus crimes. Bolsonaro, por pior que sejam suas declarações, não era ninguém na época da ditadura. Sua condenação é apenas mais uma etapa dos golpes de Estado contra o Brasil, retirando um candidato com possibilidade real de vitória do pleito e manobrando para que alguém como Tarcísio se eleja.

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Last Update: 03/09/2025