O Projeto de Lei 2159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, aprovado pelo Senado no último dia 20, consiste em um grave ataque às leis ambientais do país. O projeto é defendido por toda a bancada ruralista no Congresso e foi aprovado sem debate, às pressas, e, o que é extremamente grave, sem a menor resistência do governo Lula, mostrando mais uma vez a submissão do PT ao agronegócio e ao grande capital.
O texto do PL implode o licenciamento ambiental no Brasil, facilitando licenças para termelétricas, hidrelétricas e linhas de transmissão, sob o pretexto de “segurança energética”. Medidas que flexibilizam o licenciamento ambiental, mesmo para empreendimentos de alto risco comprovado, como barragens de mineração, cujos rompimentos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) resultaram em 291 mortes e mais de 1.469 km de rios contaminados.
O projeto também transfere para os estados e municípios a autonomia para definir quais projetos podem ser isentos de licenciamento. Na prática, o licenciamento deixará de existir, pois governos e políticos sacrificarão proteções ambientais para atrair investimentos privados. Além disso, praticamente não existe nenhuma estrutura de fiscalização ambiental na maioria dos municípios, ou ela é extremamente frágil na maioria dos estados. Na prática, a medida fortalece a pressão do poder político e econômico para a liberação de projetos sem a devida fiscalização.
Mesmo com o licenciamento ambiental atual, várias catástrofes ocorreram. Em um cenário com uma lei muito mais frouxa, novas catástrofes como “Brumadinhos” e “Marianas” serão rotineiras.
Ataque aos indígenas e quilombolas
O PL também vai atingir as Terras Indígenas (TIs), os Territórios Quilombolas e as Unidades de Conservação (Parques, Reservas Extrativistas, Ecológicas etc.), ao excluir do licenciamento as TIs e territórios quilombolas ainda não regularizados. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), essa mudança pode deixar desprotegidos cerca de 40% dos territórios indígenas e mais de 96% das comunidades quilombolas sem titulação. O ISA estima que o desmatamento pode aumentar em uma área equivalente ao tamanho do estado do Paraná.
“Mãe de todas as boiadas”
A aprovação do PL, que também foi apelidado de “Mãe de todas as boiadas”, vai “destravar” dois projetos essenciais defendidos pelos poderosos. Um deles é a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Hoje ela se encontra abandonada, mas sua revitalização vai significar a abertura de mais uma frente de desmatamento, queimadas, exploração de madeira, invasão de terras indígenas e da expansão da fronteira do agronegócio. A história recente mostra que isso ocorreu com a abertura de todas as estradas na Amazônia. Mas o caso da BR-319 é ainda mais grave, porque vai levar a destruição para a região central da Amazônia, onde a floresta ainda está intacta. O desmatamento nessa região vai levar a Amazônia ao colapso, à diminuição de chuvas na região e em grande parte do país (o fim dos “rios voadores”) e sua conversão em uma savana degradada, emitindo mais carbono do que absorvendo, acelerando o aquecimento global. Além de liberar novos vírus que poderão varrer a Terra com novas pandemias. É por isso que a BR-319 é conhecida como a “Estrada do fim do mundo”.
O projeto também facilita a liberação da exploração de petróleo na costa da Amazônia, que não será feita apenas pela Petrobras, mas também por muitas multinacionais como a Shell. A exploração de petróleo nessa região extremamente sensível pode comprometer ainda mais a Amazônia, seus corais e manguezais – a maior faixa contínua de mangues do mundo – e populações indígenas e camponesas.
Dando nome aos bois
Precisamos dar nome aos bois da “Mãe de todas as boiadas”. Tanto o Congresso quanto o governo têm interesses na flexibilização do licenciamento ambiental para “destravar” a pavimentação da BR-319 e a exploração do petróleo na Margem Equatorial.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), político do Amapá, está de olho nos royalties do petróleo da Margem Equatorial, assim como todos os políticos do estado. O senador Omar Aziz (PSD-AM), base de sustentação do governo, é um defensor radical da BR-319.
O próprio presidente Lula já defendeu a exploração de petróleo na Amazônia, criticando o IBAMA, e também a pavimentação da “Estrada do fim do mundo”.
É por isso que o governo, na prática, também colaborou com a aprovação do PL. O governo sabia da gravidade da situação e de toda a articulação dos ruralistas para aprovar o projeto, mas não moveu uma palha para impedi-lo.
O governo Lula é um firme apoiador do agronegócio. Prova recente disso é o Plano Safra 2024/2025 do governo federal: o maior da história em volume de recursos, com R$ 400,59 bilhões só para o agronegócio. É essa dinheirama que financia a expansão das novas fronteiras agrícolas, o roubo e a invasão de terras públicas e a violência agrária.
Falsa narrativa
Setores da esquerda governista afirmam que o governo é “refém de um Congresso reacionário”, dominado por partidos aliados da direita. No entanto, essa tese não resiste a uma análise factual. Em todos os governos do PT, o agronegócio foi reforçado, dando força à bancada ruralista e à manutenção de um modelo neocolonial, que posiciona o país como produtor de commodities e, consequentemente, contribui para o avanço da extrema direita.
Quem cala…
Os ataques à Marina Silva e o silêncio de Lula

Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado durante audiência para ouvir a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Foto: Lula Marques/Agência Brasil
É nesse contexto que o Senado promoveu o show de horrores contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com ataques machistas e racistas, no último dia 27 de maio, durante sessão na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.
Entre outras declarações ofensivas, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que “a respeita como mulher, mas não como ministra”. O senador, um ferrenho defensor da BR-319, já havia dito em abril que tem vontade de “enforcar” a ministra. Já o presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), ordenou que a ministra se colocasse “no seu lugar”. Essas falas não se limitam a demonstrações de desrespeito: configuram exemplos claros de violência política de gênero, empregada para constranger, humilhar e deslegitimar mulheres em posições de poder e tomada de decisão. Por isso, devem ser veementemente repudiadas.
Temos muitas diferenças políticas com Marina Silva. A primeira delas é que sua política para a questão ambiental procura conciliar o inconciliável: regular a exploração do meio ambiente pelo capital. Isso é impossível; basta ver o fracasso de todas as COPs e dos Acordos Climáticos para deter o aquecimento. Uma política que leva à conciliação com o agronegócio e com as multinacionais que têm aprofundado a destruição de nossos biomas. A defesa do meio ambiente deve ser travada contra o capitalismo, o principal responsável pela catástrofe climática. Mas, apesar dessas grandes diferenças, nada justifica tolerar práticas misóginas e racistas que violam a dignidade de uma mulher negra, amazônida, com uma trajetória marcada pela luta e pelo reconhecimento internacional.
A bancada ruralista não hesitou em mostrar toda sua boçalidade contra uma ministra de Estado. Imaginem o que eles fazem contra homens e mulheres humildes, apartados do poder político e econômico. Pior ainda é que praticamente nenhum senador governista defendeu Marina das agressões. Alguns até fugiram, como foi o caso do sionista Jaques Wagner (PT-BA). Lula, por sua vez, até agora não saiu em defesa da ministra.
A insustentável posição de Marina Silva no ministério evidencia os limites da estratégia de “disputar por dentro” um governo que, na prática, promove a expansão do agronegócio e a exploração desenfreada de petróleo. Está se repetindo, em um dramático contexto de emergência climática, a mesma história de ingerência sobre a legislação ambiental que levou à construção de Belo Monte e à saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente no segundo mandato de Lula.
Enterrar o PL da destruição
A saída está nas ruas e não em negociar o “mal menor”
Setores do governo e do Ministério do Meio Ambiente já estão “negociando” mudanças no PL. Mas a saída para o movimento socioambiental não está no “mal menor” — ou seja, em reformas cosméticas ao PL da Devastação, negociadas com um Congresso dominado por ruralistas e inimigos do meio ambiente. Não basta ajustar algumas vírgulas em um projeto que, em sua essência, legitima a destruição.
É hora de enterrar a boiada de vez. E isso só será possível com mobilização popular, independente dos governos. A história do movimento socioambiental, de Chico Mendes, passando pelo movimento indígena até hoje, prova que direitos são conquistados na luta. Por isso, é fundamental tomar as ruas e fortalecer as manifestações que estão marcadas em todo o país. Só a pressão direta e organizada pode frear a agenda predatória e garantir justiça socioambiental.