Identificar os desmatadores da Amazônia e garantir que eles paguem pelo crime ambiental ainda é um desafio no Brasil. Até mesmo quando as denúncias avançam e são acolhidas pela Justiça, o pagamento das indenizações é demorado e nem sempre esse dinheiro é aplicado na recuperação do bioma destruído.

A conclusão é de um estudo que acompanhou o destino de 3.551 ações do Ministério Público Federal entre 2017 e 2020 que pediam mais de 4,6 bilhões de reais em sanções. Os procuradores tentavam punir os responsáveis  pela perda de uma área de vegetação nativa de cerca de 2.650 quilômetros quadrados, mais que o dobro do tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

“O sistema Judiciário ainda sofre com a lentidão, mas identificamos alguns avanços específicos”, avalia Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), organização não governamental responsável pela análise publicada nesta sexta-feira 31.

Segundo o levantamento, 2.028 das 3.551 ações analisadas, 57% do total, haviam sido julgadas até dezembro de 2023. Mas apenas 695 casos receberam algum tipo de punição, considerando as decisões após o julgamento de recursos e os acordos firmados como Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Brito, porém, ressalta que o número de condenações aumentou desde outubro de 2020, algo que ela considera positivo. “A gente vê mais casos procedentes [quando juízes ou tribunais aceitam pelo menos um dos pedidos do MPF] e tem muitos recursos de ações que ainda serão julgados e podem ser revertidas em sentenças”, afirma.

Tecnologia contra o desmatamento

A análise do Imazon foca exclusivamente nos resultados do programa Amazônia Protege, uma iniciativa inovadora lançada em 2017 pelo MPF. Procuradores usaram imagens de satélite e informações de banco de dados oficiais de imóveis para propor ações civis públicas contra desmatadores ilegais de forma remota, sem precisarem ir a campo. Foram consultados sistemas como o Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Nem sempre o cruzamento de dados públicos é suficiente para localizar o dono da terra. Nesses casos, o MPF entra com uma ação contra pessoas não identificadas, os chamados réus incertos, e pede ao juiz a publicação de um edital com informações sobre o local desmatado na tentativa de encontrar os responsáveis.

Ainda que os responsáveis não sejam identificados, ações desse tipo podem levar a Justiça a embargar a área desmatada e proibir que seja feito qualquer uso econômico dela.

De todos os processos que tiveram alguma sentença (2.028), 40% eram de réus incertos, aponta o levantamento do Imazon. “A maioria dos processos são com réus identificados, o que é um avanço graças a esse cruzamento de dados que o MPF faz”, analisa Brito.

Poucos pagam

Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas concentraram 98% das ações e uma taxa equivalente (97%) das sentenças emitidas até dezembro de 2023. Dos outros estados da Amazônia Legal, o Amapá é o único que ainda não teve casos julgados.

A maior quantidade de sentenças não representa necessariamente sucesso na punição. As três comarcas que lideram o número de processos – Porto Velho (RO), Manaus (AM) e Juína (MT) – são também as que mais têm sentenças que extinguiram as ações sem responsabilização.

O pagamento das indenizações estipuladas nas sentenças, mostra o estudo do Imazon, ainda é baixo. Das 695 contabilizadas no período, que incluem as procedentes após julgamento de recursos (640) e TACs firmados (55), apenas 37 foram pagas – o equivalente a 5%. Em valor monetário, as dívidas quitadas representam 652,3 mil reais.

“Digamos que este é o novo desafio do programa: fazer com que efetivamente as sentenças sejam executadas. É uma nova fase do sistema”, comenta Brito.

Em 552 casos houve obrigação de recuperação da área desmatada com a exigência de um Plano de Recuperação de Área Degradada ou Projeto de Reflorestamento. Um exemplo vem da comarca de Vilhena, em Rondônia: por meio de um acordo firmado entre o réu e o MPF, o desmatador teve que recuperar a área e pagar 50 mil reais de indenização.

“O recurso foi destinado a um projeto socioambiental na localidade, organizado por uma cooperativa indígena e voltado às atividades de manejo florestal sustentável, piscicultura, ecoturismo e agricultura familiar”, citam os pesquisadores. O caso, destacado pelo Imazon como um bom exemplo, foi acompanhado pelo MPF.

Evolução do sistema de Justiça

A primeira avaliação sobre os resultados do Amazônia Protege publicada pelo Imazon, em 2022, identificou uma certa resistência de juízes aos novos métodos empregados pelo MPF. Das 650 sentenças avaliadas à época, 78% delas decidiram pela extinção dos processos sem julgamento de mérito (506 casos). A maioria dessas ações tinham sido propostas contra réus incertos. A situação começou a mudar depois que o Superior Tribunal de Justiça considerou válidos os processos de réus incertos.

“No início dos julgamentos houve muitos casos de extinção porque os juízes estavam resistentes a essa estratégia de usar imagens remotas e do réu incerto. Mas a gente percebeu neste segundo estudo que o cenário começou a se modificar”, avalia Brito.

O que pode melhorar

Para que a punição e o combate ao desmatamento avancem, os pesquisadores do Imazon sugerem que o Judiciário brasileiro se prepare para avaliar esta nova forma de responsabilizar quem pratica o delito.

“O Conselho Nacional de Justiça precisa ampliar a disseminação e organizar treinamentos sobre o protocolo para julgamento de ações ambientais de 2023, que aborda parâmetros para uso das provas produzidas exclusivamente por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite”, sugere o estudo.

Outra recomendação é destinar o dinheiro arrecadado com as indenizações para a reparação exclusivamente na Amazônia por meio de instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos. Além disso, os órgãos responsáveis também precisam melhorar a forma como determinam a restauração das áreas desmatadas e a fiscalização dessa obrigação.

Os 3.551 processos analisados pelo Imazon foram ingressados pelo MPF nas fases 1, 2 e 3 do Amazônia Protege. Entre 2021 e 2023, não foram propostas novas ações. No ano passado, o MPF iniciou a fase 4 do projeto e entrou com 193 novas ações contra desmatadores ilegais.

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Last Update: 31/01/2025