Sistema da Lava Jato gravou 30 mil ligações e é alvo de inquérito por interceptação ilegal

A Polícia Federal (PF) enviou para perícia técnica um equipamento de gravação telefônica utilizado pela extinta força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná. Trata-se do modelo Vocale R3, cuja utilização é investigada sob a suspeita de escutas ilegais realizadas sem autorização judicial. As informações são do jornalista Aguirre Talento, do Estadão.

A medida foi determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que derrubou um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) favorável ao arquivamento do caso. O inquérito, que tramita sob sigilo desde o ano passado, apura o crime de interceptação telefônica ilegal, cuja pena prevista é de dois a quatro anos de detenção, e investiga a eventual responsabilidade do então procurador e coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, além de outros integrantes da força-tarefa.

Aparelho registrou 30 mil gravações

O equipamento Vocale R3 esteve em funcionamento entre 2016 e 2020, período central da atuação da Lava Jato. Dados preliminares da investigação apontam que o sistema acumulou cerca de 30 mil gravações telefônicas, das quais 341 chegaram a ser acessadas por usuários.

A principal suspeita é que o aparelho tenha realizado escutas ativas, de forma contínua, à revelia dos titulares das linhas, sem ordem judicial e fora de procedimentos formais de investigação.

Por determinação do STJ, a perícia técnica será restrita, neste momento, à análise dos logs de uso e metadados do equipamento. Está expressamente proibida a audição do conteúdo das conversas gravadas. O foco é identificar a dinâmica operacional do sistema, incluindo:

  • quem operou o equipamento;
  • se houve exclusão de arquivos;
  • se as gravações foram copiadas ou armazenadas em nuvem;
  • quem teve acesso ao material.

Ao autorizar a perícia, o ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que a apuração não se concentra no teor das conversas, mas na gestão e no uso do sistema.

“Para além de uma busca por elementos altamente técnicos relacionados ao funcionamento do equipamento VOCALE R3, a perícia requerida pela autoridade policial não está direcionada ao conteúdo dos diálogos que foram gravados, mas como esse material foi armazenado, quem eram os responsáveis pela gestão do equipamento e quem teve acesso às gravações”, afirmou o ministro.

Contexto político e desativação após a Vaza Jato

O período de operação do Vocale R3 coincide com momentos decisivos da história recente do país: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016; a divulgação da Lista de Fachin, em 2017; e a prisão do presidente Lula (PT), em 2018.

A desativação do equipamento ocorreu em 2020, após a publicação da série de reportagens da Vaza Jato, em 2019, e durante o processo de desmonte da força-tarefa conduzido pela gestão de Augusto Aras à frente da PGR.

Defesa de Dallagnol e embate com a PF

Deltan Dallagnol nega qualquer irregularidade. Em nota, o ex-procurador afirma que o equipamento foi adquirido como medida de proteção institucional.

“O equipamento de autogravação foi adquirido pela Procuradora-Chefe à época, como medida institucional de segurança, em um contexto em que procuradores que enfrentavam organizações poderosas e crimes de colarinho branco passaram a receber ameaças à própria vida e à de suas famílias.”

A Polícia Federal, no entanto, relatou à Justiça dificuldades para obter o aparelho. Guardado em Brasília, o equipamento só foi entregue após a PF — que solicitou acesso em janeiro de 2024 — acusar a Corregedoria do MPF de adotar “claras condutas procrastinatórias”. Diante da resistência, a corporação chegou a cogitar a realização de busca e apreensão.

Disputa de foro atrasou perícia em quase dois anos

A investigação ficou paralisada por cerca de um ano e meio devido a um impasse jurídico sobre a competência para conduzir o caso.

  • Maio de 2024: a Justiça Federal do Paraná remeteu o inquérito ao TRF-4, diante do possível envolvimento de procuradores com foro privilegiado.
  • Setembro de 2025: o TRF-4 decidiu enviar o caso ao STJ, ao concluir que a força-tarefa contava também com procuradores regionais da República, cujo foro é o tribunal superior.

No STJ, o escopo da apuração é amplo. A suspeita central é de que o Vocale R3, conectado diretamente aos ramais telefônicos, tenha gravado de forma indiscriminada advogados, investigados, testemunhas e até membros do próprio Ministério Público, transformando o sistema interno de telefonia em uma ferramenta de vigilância sem controle judicial.

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