Bomba semiótica wokeísta e guinada na propaganda política nos Jogos de Paris
por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Que os Jogos Olímpicos são uma arma de propaganda política, não é novidade para ninguém. Porém, os Jogos Olímpicos de Paris apresentaram duas novidades: um sintoma que reflete o atual zeitgeist geopolítico europeu e uma guinada na propaganda política – uma cerimônia de abertura que abandonou os princípios da propaganda tradicional nesses eventos (nacionalismo, doutrinação ideológica, retórica e sedução) para detonar uma bomba semiótica wokeísta às margens do Rio Sena, com uma paródia de diversidade numa estilização da “Última Ceia”. Enquanto a propaganda clássica visava a esfera pública, a bomba semiótica cria ondas de impacto no contínuo midiático atmosférico: calculadamente “irritar” bolhas de extrema-direita e a “maioria silenciosa” para criar cismogênese – destruir aquilo que havia de civilizatório na democracia liberal burguesa: o ideal de uma tolerância em uma perspectiva cosmopolita, o equilíbrio entre tolerância e a aspiração à universalidade.
Da afirmação da superioridade racial ariana dos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, sob o julgo do nazismo, aos boicotes cruzados entre EUA e URSS aos Jogos Olímpicos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984), sabemos que as Olimpíadas são muito mais do um evento esportivo: têm estreita relação com a política como arma de propaganda.
A politização do esporte olímpico não é nenhuma novidade, desde que o fundador dos jogos a era moderna, Pierre de Coubertein, em 1894, desejou que os jogos fossem usados para um objetivo político: promover a paz.
Embora o nascente movimento olímpico quisesse buscar a união das nações fazendo-as disputarem jogos dentro de regras comuns (“o importante não é vencer, mas competir”), na verdade cada ocasião de jogos era a oportunidade de cada anfitrião demonstrar o seu “softpower” – a propaganda dos seus valores culturais, a força da sua organização, suas realizações tecnológicas, o da união e disciplina de um Estado etc.
Do mascote ursinho Misha derramando lágrimas na cerimônia de encerramento em 1980, formada por placas em movimentadas por participantes na arquibancada do estádio, ao voo do homem-foguete na abertura no estádio olímpico de Los Angeles em 1984, sempre testemunhamos a propaganda política na sua forma clássica: ideológica, doutrinária; a retórica que pretende seduzir as massas pela performance ótima da manipulação dos signos.
Porém, a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 deu uma guinada de 180 graus dentro do campo da propaganda. Sim, o elemento político continua presente. Contudo, abandonou totalmente as estratégias de doutrinação ideológica e sequer a pretensão de seduzir as massas.
Pelo contrário, a narrativa proposta pela festa de abertura no entorno do Rio Sena parecia ter um único objetivo: impactar, provocar e até ofender. Nem mesmo os idealizadores do argumento da cerimônia de abertura buscaram promover o conhecido “softpower” da França: sua história, arte e cultura, historicamente impactantes na era moderna do Ocidente.
Minons e sintoma geopolítico
No máximo, uma paródia de Marias Antonietas guilhotinadas, segurando as próprias cabeças. Enquanto toda a interessante história dos filmes de animação da França (a inventora do cinema) foi deixada de lado para colocar os personagens dos Mínions (da franquia Meu Malvado Favorito, do estúdio norte-americano da Universal) como pequenos protagonistas.
Na história contada durante a abertura, o personagem que conduz a tocha olímpica vai ao Museu do Louvre, um dos pontos turísticos mais famosos de Paris e do mundo, local no qual se encontra exposta a Mona Lisa, e percebe que o quadro foi roubado. Os responsáveis pelo ato foram os Mínions.
Apesar de sabermos que os pequenos ajudantes do vilão Gru tenham sido idealizados por uma dupla de franceses (Pierre Coffin e Chris Renaud), é surpreendente que o notório nacionalismo francês permita que um produto da indústria de entretenimento norte-americana protagonize um evento supostamente com a marca do softpower francês.
Essa foi a primeira característica da abertura olímpica: um sintoma. Sintoma da atual submissão geopolítica aos EUA, no momento quando a OTAN mobiliza todos os aliados europeus (ao custo de atritos políticos internos, como na própria França) a se unirem ao império norte-americano a fazerem frente à Rússia guerra da Ucrânia. Apoiando histericamente uma Guerra Fria 2.0.
Bomba semiótica wokeísta
Mas a cerimônia de abertura também mostrou que essa submissão vai além, quando a França abre mão dos jogos olímpicos serem, como de costume, a oportunidade de promoção do softpower da propaganda nacionalista do país anfitrião, para se transformar numa outra coisa: numa bomba semiótica.
Como este humilde blogueiro desenvolve no livro “Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016): Por que Aquilo Deu Nisso?” (clique aqui), este conceito não se refere mais ao cenário da propaganda política clássica do século XX – doutrinação ideológica e sedução. Mas ao cenário das guerras híbridas do século XXI: criar ondas de impacto no contínuo midiático atmosférico para através delas criar cismogêneses. E, no limite, tornar qualquer debate público irracional, corroendo a esfera pública de opinião. Colocando perigosamente em xeque a própria democracia liberal burguesa.
Em outras palavras: uma calculada ação do império para essas ondas do contínuo midiático atingirem as bolhas de extrema-direita. Para provocar reações deliberadas que provoquem o acirramento das polarizações.
Essa ação calculada tem como fundo um momento bem particular do Capitalismo: o grande reset global, projeto do Fórum Econômico Mundial, pelas radicais reformas sociais e econômicas com o avanço da financeirização conjugada com a Revolução Industrial 4.0. O que exige um tipo de Capitalismo em um modo desastre ou choque.
Somente uma extrema-direita “libertária” ou “anarcocapitalista” pode passar por cima de todos os pruridos morais e éticos de uma democracia liberal clássica para entregar aquilo que a Banca espera: privatizações selvagens, desmonte do Estado de bem-estar social e uberização das relações trabalhistas pelo capitalismo de plataforma.
Se não, vejamos.
A bomba semiótica wolkeísta da abertura dos Jogos Olímpicos quer exatamente pulverizar qualquer resquício civilizatório que ainda exista na democracia liberal.
Hoje a cl