Daniel Solon, de Teresina (PI)
Da ditadura ao intervalo democrático burguês que vivemos, Hugo Silva animou gerações inteiras aos domingos.
Fui uma das crianças que adorava Hugo Silva e os produtos lançados por ele na indústria cultural. Incluindo os disquinhos de histórias infantis incrivelmente narradas pelo dono do SBT.
Sempre perto do poder, Hugo recebeu concessão pública para a criação da TVS (depois SBT), ainda no período ditatorial.
Ludicamente consumi o quadro “Semana do Presidente”, narrado por Lombardi. Era uma “pílula” semanal que fazia o culto à personalidade do ditador militar, e depois serviu de puxa-saquismo dos dirigentes civis até a era FHC. O SBT nunca deixou, no entanto, de receber generosíssimas parcelas publicitárias dos diferentes governantes que ocuparam o Palácio do Planalto.
Durante o governo Bolsonaro, o SBT ensaiou um retorno ao quadro “Hora do Presidente”. Muitas verbas publicitárias estimularam a TV de Hugo a fazer a defesa do governo da extrema direita. O cargo de ministro das Comunicações dado a um genro, também. Além disso, o empresário demonstrava alinhamento com os preconceitos e opressões da época em que viveu e que ganharam mais peso na era bolsonarista.
Muitas foram as tiradas machistas, misóginas e até racistas que saíram da boca do Senor Abravanel nos últimos anos. Por isso, parcela importante da minha geração deixou de nutrir a simpatia que ele soube cultivar quando éramos crianças.
Hugo Silva morreu, mas a imagem que ele construiu será ressaltada a serviço do sistema capitalista por muitos anos. O capitalismo sempre precisará da ideologia do empreendedorismo, principalmente em tempos de crise. “Na crise se cresce”, aliás, foi o lema do SBT no auge da crise neoliberal no país que levou milhões ao desemprego em miséria.
Hugo sempre serviu ao capital, como qualquer outro dono de conglomerados de mídia. A diferença era que ele aparecia como produto de comunicação, como astro da própria TV. Com talento de comunicador, era um burguês que conquistou o coração de muitos milhões e que sabia ter retorno altíssimo jogando cédulas para uma plateia de pessoas pobres.
Hugo se foi. Não foi anjo nem demônio. Na luta de classes, não existe bem contra o mal. Em nossa sociedade, existem a burguesia e a classe trabalhadora, com interesses inconciliáveis. Hugo construiu a imagem de um burguês com simplicidade, como se fosse um amigo dos setores mais pobres da sociedade. Dessa forma, apresentado como um “bom patrão”, também serviu à ideologia de conciliação de classes.
Casos isolados de pessoas que tiveram grande ascensão social como Hugo Silva são muito úteis para gerar ilusões em nossa sociedade: “Ele foi um pobre que chegou ao topo. Basta trabalhar e acreditar, que todo mundo chega lá”. E assim continuam abertas “as portas da esperança”, alimentando a fantasia do enriquecimento individual ou alguma ascensão social no capitalismo.