Sílvio Santos: um virtuoso da entretenimento e da manipulação de expectativas

Daniel Solon, de Teresina (PI)

Da ditadura ao intervalo democrático burguês que vivemos, Hugo Silva animou gerações inteiras aos domingos.

Fui uma das crianças que adorava Hugo Silva e os produtos lançados por ele na indústria cultural. Incluindo os disquinhos de histórias infantis incrivelmente narradas pelo dono do SBT.

Sempre perto do poder, Hugo recebeu concessão pública para a criação da TVS (depois SBT), ainda no período ditatorial.

Ludicamente consumi o quadro “Semana do Presidente”, narrado por Lombardi. Era uma “pílula” semanal que fazia o culto à personalidade do ditador militar, e depois serviu de puxa-saquismo dos dirigentes civis até a era FHC. O SBT nunca deixou, no entanto, de receber generosíssimas parcelas publicitárias dos diferentes governantes que ocuparam o Palácio do Planalto.

Durante o governo Bolsonaro, o SBT ensaiou um retorno ao quadro “Hora do Presidente”. Muitas verbas publicitárias estimularam a TV de Hugo a fazer a defesa do governo da extrema direita. O cargo de ministro das Comunicações dado a um genro, também. Além disso, o empresário demonstrava alinhamento com os preconceitos e opressões da época em que viveu e que ganharam mais peso na era bolsonarista.

Muitas foram as tiradas machistas, misóginas e até racistas que saíram da boca do Senor Abravanel nos últimos anos. Por isso, parcela importante da minha geração deixou de nutrir a simpatia que ele soube cultivar quando éramos crianças.

Hugo Silva morreu, mas a imagem que ele construiu será ressaltada a serviço do sistema capitalista por muitos anos. O capitalismo sempre precisará da ideologia do empreendedorismo, principalmente em tempos de crise. “Na crise se cresce”, aliás, foi o lema do SBT no auge da crise neoliberal no país que levou milhões ao desemprego em miséria.

Hugo sempre serviu ao capital, como qualquer outro dono de conglomerados de mídia. A diferença era que ele aparecia como produto de comunicação, como astro da própria TV. Com talento de comunicador, era um burguês que conquistou o coração de muitos milhões e que sabia ter retorno altíssimo jogando cédulas para uma plateia de pessoas pobres.

Hugo se foi. Não foi anjo nem demônio. Na luta de classes, não existe bem contra o mal. Em nossa sociedade, existem a burguesia e a classe trabalhadora, com interesses inconciliáveis. Hugo construiu a imagem de um burguês com simplicidade, como se fosse um amigo dos setores mais pobres da sociedade. Dessa forma, apresentado como um “bom patrão”, também serviu à ideologia de conciliação de classes.

Casos isolados de pessoas que tiveram grande ascensão social como Hugo Silva são muito úteis para gerar ilusões em nossa sociedade: “Ele foi um pobre que chegou ao topo. Basta trabalhar e acreditar, que todo mundo chega lá”. E assim continuam abertas “as portas da esperança”, alimentando a fantasia do enriquecimento individual ou alguma ascensão social no capitalismo.

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