O conselho de supervisão da Meta, a gigante das mídias sociais dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, decidiu suspender a proibição do uso da palavra “shaheed” – mártir em árabe –. A Meta reconheceu que o termo “shaheed” é responsável por mais remoções de conteúdo sob a política de moderação da empresa do que qualquer outra palavra ou frase em suas plataformas.
“O Conselho concluiu que a abordagem atual da Meta restringe desproporcionalmente a liberdade de expressão, é desnecessária e que a empresa deve acabar com essa proibição geral”, diz a nota do conselho de supervisão. O conselho de supervisão da Meta foi estabelecido em 2020 e é financiado pela Meta, mas opera de forma independente.
Denúncia da Human Rights Watch
A atual política de moderação de conteúdo da Meta considera que o termo “shaheed” é usado como “elogio” quando mencionado em relação a quem foi incluído em sua lista de Organizações e Indivíduos Perigosos (DOI). O nível superior desta lista inclui o que ela chama de organizações de ódio; organizações criminosas, incluindo aquelas designadas pelo governo dos Estados Unidos.
Em dezembro do ano passado, relatório da Human Rights Watch afirma que as políticas de moderação da Meta equivaliam à censura de conteúdo relacionado ao conflito contínuo entre Israel e Palestina. Em 51 páginas, o grupo de direitos humanos disse que a Meta havia usado indevidamente sua política DOI para “restringir o discurso legítimo sobre as hostilidades entre Israel e grupos armados palestinos”.
O relatório da Human Rights Watch (HRW) afirma que a Meta censurou sistematicamente vozes pró-Palestina durante o conflito israelense-palestino. O relatório documenta mais de mil casos de censura em 60 países, alegando que a Meta suprimiu indevidamente discurso legítimo sobre os direitos humanos palestinos e removeu postagens importantes que documentavam o sofrimento ou a morte de palestinos.
O conselho de supervisão independente da Meta também criticou a empresa por remover postagens mostrando sofrimento humano na guerra em Gaza, restaurando algumas delas. Apesar das promessas de mudanças, a HRW alega que a Meta ainda não implementou as recomendações do conselho.
‘Shadowbanning’ de conteúdos pró-Palestina
Segundo apuração feita pela Aljazira com organizações e usuários, a censura da Big Tech se estende além dos perfis comuns. Organizações políticas como o Hamas são banidas pelos gigantes da Big Social Media. Enquanto isso, o exército israelense, o governo e outros órgãos do terror estatal israelense postam livremente, com amplo apoio. O apoio das corporações de tecnologia a Israel expõe sua imagem falsa como empresas que defendem o antirracismo e os direitos humanos.
Na semana passada, o cineasta e ativista belga Thomas Maddens percebeu algo estranho em seu vídeo sobre a Palestina no TikTok. O vídeo, que mencionava a palavra “genocídio”, parou de obter engajamento após um pico inicial. “Achei que teria milhões de visualizações”, disse Maddens ao noticiário do Catar, “mas o engajamento parou”. Ele é um dos muitos usuários de redes sociais que acusam plataformas como Facebook, Instagram, X (anteriormente Twitter), YouTube e TikTok de censurar ou reduzir ativamente o alcance de conteúdo pró-Palestina, prática conhecida como shadowbanning (banimento na sombra).
Usuários ao redor do mundo afirmam que postagens com hashtags como “FreePalestine” e “IStandWithPalestine”, além de mensagens de apoio aos civis palestinos mortos pelas forças israelenses, estão sendo ocultadas pelas plataformas. Alguns acusam o Instagram de remover arbitrariamente postagens que mencionam a Palestina por violar as “diretrizes da comunidade”. Outros relatam que suas histórias no Instagram foram ocultadas ao compartilharem informações sobre protestos pró-Palestina em Los Angeles e na área da Baía de São Francisco, quando atacaram navios levando armas americanas para Israel. Há também reclamações sobre a palavra “terrorista” aparecendo nas biografias de contas pró-palestinas.
Em 15 de outubro, o porta-voz da Meta, Andy Stone, atribuiu o alcance reduzido das postagens a um bug, afirmando que afetou contas globalmente e não estava relacionado ao conteúdo. Stone apontou para um blog da Meta que destacava esforços contra desinformação sobre a guerra Israel-Hamas, permitindo que usuários apelassem contra decisões de moderação. A Meta se desculpou por adicionar a palavra “terrorista” às contas pró-palestinas, alegando um problema temporário com traduções árabes inapropriadas. TikTok e Youtube deram respostas genéricas admitindo restrições. X nem se deu ao trabalho de comentar.
Grupos de direitos civis, incluindo o 7amleh, o Centro Árabe para o Avanço das Mídias Sociais, emitiram uma declaração pedindo que as empresas de tecnologia respeitem os direitos digitais palestinos durante o conflito. “Estamos preocupados com a censura significativa e desproporcional das vozes palestinas”, dizia a declaração, destacando que isso ameaça a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Segundo o 7amleh, o Centro Árabe para o Avanço das Mídias Sociais, o Facebook recebeu 913 solicitações do governo de Israel para restringir ou remover conteúdo de sua plataforma entre janeiro e junho de 2020, acatando 81% desses pedidos. “Isso não é novidade. Os palestinos já enfrentaram censura da Meta antes e estão passando por isso de novo”, disse o jornalista Ameer Al-Khatahtbeg, do @Muslim.
Enganando o algoritmo
Ativistas que disseram sofrer censura nas redes sociais estão buscando alternativas. Um ativista palestino, que pediu à Aljazira para não ser identificado, relatou que começou a “quebrar” palavras ao postar no Instagram, substituindo letras por símbolos para enganar o algoritmo.
Mohammad Darwish, fundador da empresa de blockchain Bydotpy, criou um site chamado “Free Palestine.bydotpy”, que automatiza esse processo, alterando palavras como “Gaza” para “ğaza”. Darwish explicou que a ferramenta altera a forma das frases para dificultar que a inteligência artificial e os algoritmos do Facebook compreendam o texto.
Um jornalista como alvo
O perfil do apresentador árabe da Aljazira, Tamer Almisshal, no Facebook foi excluído pelo Meta 24 horas após o programa Ponta do Iceberg exibir uma investigação sobre a censura do Meta ao conteúdo palestino, intitulada O Espaço Trancado. A investigação do programa incluiu admissões de Eric Barbing, ex-chefe do aparato de segurança cibernética de Israel, sobre o esforço de sua organização para rastrear conteúdo palestino de acordo com critérios que incluíam “curtir” uma foto de um palestino morto pelas forças israelenses.
O programa também entrevistou Julie Owono, membro do conselho de supervisão do Facebook, que admitiu que há uma discrepância na forma como as regras são interpretadas e aplicadas ao conteúdo palestino e acrescentou que recomendações foram enviadas ao Facebook para corrigir isso.
A Aljazira perguntou ao Facebook por que o perfil de Almisshal foi fechado sem aviso prévio ou explicação, sem receber resposta. Ele tinha pelo menos 700.000 seguidores. “Realmente parece algum tipo de vingança pelo programa.”
A equipe do programa decidiu investigar a diferença entre como as postagens e materiais palestinos e israelenses são tratados pelo Facebook. Para fazer isso, ele montou um experimento no qual construiu duas páginas diferentes, uma com uma perspectiva pró-palestina e a outra pró-israelense, e fez testes nelas.
“Não houve problemas com nenhum conteúdo da minha página antes. Nenhuma mensagem dizendo que eu havia violado alguma regra.” “Este foi um projeto jornalisticamente sólido, e nos comunicamos com a Meta para isso, dando a eles a oportunidade de falar durante a investigação. Mas atacar um jornalista individualmente – eu nunca teria esperado isso.”
As relações das Big Tech com o apartheid
Em um artigo de Michael Kwet, da Escola de Direito de Yale e pesquisador pós-doutor na Universidade de Johannesburgo (África do Sul), ele aborda o tema de sua pesquisa sobre colonialismo digital no Sul Global. No artigo à Aljazira, ele observa que, em meio a esse genocídio assistido por IA, as Big Techs nos Estados Unidos continuam silenciosamente os negócios como de costume com Israel. A Intel anunciou um investimento de US$ 25 bilhões em uma fábrica de chips localizada em Israel, enquanto a Microsoft lançou uma nova região de nuvem Azure no país.
Por décadas, o Vale do Silício tem apoiado o regime de apartheid israelense, fornecendo tecnologia avançada e investimento necessários para impulsionar sua economia e ocupar a Palestina, como já fizeram na África do Sul, durante o apartheid.
Em março de 2021, o Google, junto com a Amazon, assinou um contrato de US$ 1,2 bilhão para serviços de computação em nuvem para o governo israelense e estabelecimento de defesa. As duas empresas fornecem a Israel a capacidade de armazenar, processar e analisar dados, incluindo reconhecimento facial, reconhecimento de emoções, biometria e informações demográficas no que é conhecido como Projeto Nimbus.
O acordo recebeu considerável atenção na grande mídia depois que os trabalhadores do Google e da Amazon exigiram o fim do contrato lançando a campanha No Tech for Apartheid. Antecipando essa resposta, o Google e a Amazon assinaram um contrato com Israel garantindo a continuidade dos serviços no caso de uma campanha de boicote.
De acordo com Arki Barbing, o Facebook geralmente atende às solicitações de remoção e o aparato de segurança de Israel acompanha os casos, inclusive entrando com ações judiciais, se necessário. A investigação entrevistou diversos especialistas em direitos humanos e digitais que concordaram que havia um desequilíbrio claro na forma como o conteúdo palestino é restringido.