O pastor que se dizia porta-voz de Deus virou protagonista de um espetáculo grotesco: do púlpito ao palanque, da fé ao negócio e, por fim, ao escândalo reso pela PF, com áudios de palavrões e o carimbo definitivo de “conselheiro de Bolsonaro” — o pior cargo de qualquer currículo gospel.
Por Rollo [@rollo_ator] — que acha impossível não rir quando o “profeta” descobre que o Apocalipse dele não veio com trombetas, mas com sirene da PF.
Entre Deus e o cabeleireiro: a teologia do aplique
Se em Isaías 62:3 a Bíblia promete aos anciãos uma “coroa de glória”, Silas Malafaia resolveu reinterpretar o versículo ao pé da letra — ou melhor, ao pé do fio. Em vez da coroa celestial, preferiu uma coroa de fios importados, alinhados com zelo quase litúrgico. Nada contra quem faz implante — cada um sabe onde a calvície dói — mas há muito contra quem, do alto do púlpito, prega humildade como virtude e ostenta um topete de catálogo como se fosse sinal da graça divina.
É a “teologia do aplique”: aparência acima da essência, estética antes da ética, fixador substituindo fé. A força de Sansão vinha dos cabelos; a de Malafaia, do laquê. Sansão derrubou um templo inteiro; Malafaia derruba a própria credibilidade a cada penteada.
Eis a cena: o pastor sobe ao púlpito com a Bíblia em uma mão e a escova progressiva na outra, como se o Espírito Santo tivesse virado spray de fixação. Quem olha de longe pensa: “Eis aí um profeta do Altíssimo.” Mas bastam dois minutos de áudio gravado pela Polícia Federal — recheado de palavrões de boteco — para entender que a unção foi trocada por mousse modelador.
No fim, sua maior revelação não está no Apocalipse, mas no espelho do salão: a vaidade é eterna, a humildade é descartável. O que deveria ser coroa de glória virou apenas topete de vaidade — mais rígido que seus discursos e mais vazio que suas promessas. A piada pronta: se a Bíblia recomenda guardar o coração, Malafaia preferiu guardar o pente.
Um Balaão 2.0 — do Livro de Números ao grupo de zap do “mito”
No Antigo Testamento, na mesma Bíblia, no livro de Números (de 22 a 24), o profeta Balaão foi pago para amaldiçoar e abençoar conforme o interesse do cliente. Malafaia seguiu o manual: trocou a Bíblia pelo bastidor político, abençoou Bolsonaro quando convinha, atacou adversários quando dava ibope e se tornou conselheiro espiritual de um governo que cheirava mais a fake news do que a incenso. Foi peça-chave no ecossistema golpista, aquele que gritava “Deus, Pátria e Família” enquanto a Polícia Federal já afiava o mandado de busca.
O Faraó gospel e os palavrões de boteco
No Egito, segundo o livro de Êxodo, o Faraó era aquele soberano teimoso que, mesmo vendo rios virarem sangue, gafanhotos cobrindo o céu e pragas devastando o povo, insistia em endurecer o coração. Malafaia, na sua versão gospel-2025, resolveu atualizar o personagem: em vez de coração endurecido, mostrou foi a língua envenenada. Seus áudios revelados pela PF são antológicos: chamou Alexandre de Moraes de “lixo” e ainda detonou o “03”, Eduardo Bolsonaro, como “babaca”, “estúpido de marca maior” e por aí vai. O que deveria soar como voz profética virou simples transcrição de mesa de bar, com direito a palavrão em vez de aleluia. Eis o retrato do “ungido”: um pregador que se apresenta como profeta de Deus, mas que na prática mistura Bíblia com baixaria e se revela apenas mais um Faraó de ocasião, derrotado não por pragas do céu, mas por seus próprios áudios.
A queda — prisão, cautelares e a coroa do vexame
Eis que chegou o grande momento: depois de muita provocação, Malafaia finalmente conseguiu a atenção do Supremo. Não por milagre, mas porque a Polícia Federal o prendeu “quase no ar”. Celulares apreendidos, passaporte cancelado, proibido de falar com Jair e a “familícia”. O roteiro é clássico: lives inflamadas, choros de mártir e gritos de perseguição. Só que, desta vez, não teve coleta de dízimo — só coleta de provas.
Convocado a depor, Silas decidiu jejuar em palavras: “só falo depois de ver o inquérito”.
Um silêncio tão estranho quanto uma live sem microfone. O país inteiro, acostumado a seus gritos de púlpito, finalmente conheceu o Malafaia no modo mute. E, convenhamos, foi a melhor pregação de sua carreira.
E Petra Costa já tinha avisado
No documentário “Apocalipse nos Trópicos”, que está na Netflix, Petra Costa mostrou como líderes evangélicos — com Malafaia na linha de frente — manipularam fiéis com retórica apocalíptica, pintando Jair como o Messias político. A cineasta revelou a engrenagem da teocracia de palco, onde profetas modernos usam o medo como marketing e a Bíblia como cabo eleitoral. O documentário já havia mostrado: Silas não era pastor, era operador político. A diferença é que agora ele também é investigado.
O Apocalipse Malafaico
Eis o fim: não houve trombeta celestial ecoando pelos céus, como em Apocalipse 8:6, mas a sirene seca da Polícia Federal. Não desceu anjo com espada flamejante, descrito em Apocalipse 19:15, mas subiu um oficial de justiça com mandado na mão. O cavalo branco não apareceu no horizonte; o que apareceu foi a viatura preta.
O tão esperado “juízo final” do pastor autoproclamado profeta não trouxe bestas, selos ou cavaleiros apocalípticos — trouxe algo mais terreno e muito mais engraçado: celular confiscado, passaporte cancelado e áudios – que fariam a saudosa atriz Dercy Gonçalves corar de vergonha – transformados em prova. O homem que queria ser Moisés abrindo o Mar Vermelho acabou sendo apenas um Balaão de boutique, atolado até o pescoço em fake news e palavrões.
E a revelação? O fim não veio com fogo do céu, mas com hashtags, memes e a caneta de um delegado. O pregador que sonhava com o trono foi parar no carrossel de piadas, e sua pregação final não está em Apocalipse — está nos trendings.
(*) Rollo é ator profissional e ex-integrante do Conselho Estadual de Política Cultural do RJ na cadeira do Audiovisual. Atualmente, integra o elenco do espetáculo teatral “O Bem Amado”, de Dias Gomes, ao lado de Diogo Vilela, com direção de Marcus Alvisi
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